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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

OS RASTROS DO CANGAÇO NO TINGUI

Por João de Sousa Lima
Aldiro, João de Sousa Lima, e Lira na Fazenda Craunã, Tingui

     OS RASTROS DO CANGAÇO NO TINGUI.
“A VIOLÊNCIA TANTO CANGACEIRA QUANTO POLICIAL DEIXOU MARCAS PROFUNDAS”.

O cangaço deixou marcas profundas nos povoados Tingui, Cachoeirinha, Riacho Seco e Alto dos Coelhos, em Água Branca, Alagoas. Desde a entrada no cangaço de Manuel Maurício dos Santos, o cangaceiro “Barra Nova”, que teve sua família espancada pela volante policial comandada por Zé Joaquim, até as mortes de inocentes realizadas por cangaceiros, tendo por pretexto apenas o interesse de algum vizinho de roçado que fazia intrigas por coisas banais, como no caso de uma cerca arrombada por animais, um mourão avançado em alguns centímetros de terra, a água de um poço ou barreiro particular ou pela inveja de ver os animais do vizinho se reproduzindo e com o curral abarrotado, tudo era pretexto para desavenças, porém uma das principais causas envolvia namoros, traições e a honra de uma virgem seduzida.

Tudo isso era motivo de fuxico e o fuxico foi uma peste que assolou o Sertão na época do cangaço; Muitas mortes aconteceram motivadas pelo fuxico, conversas muitas vezes infundadas, inventadas por desafetos apenas para prejudicar seus inimigos.
     
Lampião teve vários coiteiros e intermediários na região do Tingui, Cachoeirinha, Riacho Seco e no Alto dos Coelhos, como João Rodrigues de Oliveira “Joãozinho Pedrão”, tropeiro dono da fazenda Zuleiros; os irmãos Belo Salú e Miguel Salú (que depois entrou pro cangaço) Cazuza, Zé Lucas, Louzinho Coelho, Sebastião Vieira Sandes “Santo” (que foi cangaceiro e volante, estava no ataque a Grota do Angico, quando Lampião morreu), Ozório, Antonio Zezé, Ernesto e Nicolau, que era casado com Lídia Gomes. 
     
Mesmo tendo grandes coiteiros nessa região alagoana os cangaceiros atacaram no Tingui, a casa do senhor Lulú e não encontrando o patriarca da família carregaram Manuel  “Neco” Lulú e o levaram até a casa de Antonio Xavier de Carvalho. Na casa de “Xavier” Lampião amarrou Neco Lulú, pendurou no esteio da casa e exigiu dinheiro. O velho Lulú chegando em casa soube que os cangaceiros haviam carregado  seu filho Neco Lulú e pegou um facão e foi resgatar o filho. Na casa do velho Xavier, Lulú falou com Lampião e o cangaceiro disse que só libertaria Neco por dinheiro e Lulú mandou um portador ir até Água Branca buscar emprestado o valor solicitado e quando o portador retornou que o dinheiro foi pago Neo Lulú foi liberado. 

Lateral a casa de Xavier, seu filho Abílio Xavier tinha um armazém e os cangaceiros seguiram pra lá onde encontraram um comerciante de Mata Grande que estava em um caminhão negociando peles e algodão; Os cangaceiros pegaram o caminhão e inventaram de dirigi-lo e saíram da rota apertada e entraram com veículo no mato, batendo em árvores, tocos e pedras danificando o automóvel que foi logo abandonado.
      
Na fazenda Craunã residia o casal Joaquim Antonio de “Oliveira” e Joana Sandes de Oliveira e os filhos José (Duquinha), Manuel, Alcidor, Gonçalo, Natalício, Joaquim, Adecir e Maria. 
Joana estava grávida de José.
     
No passado Joaquim havia namorado com Lídia Gomes e depois acabou casando com Joana, porém Lídia nunca esqueceu essa desfeita e mesmo casada com Nicolau restou essa rixa.
     
Lampião pediu um dinheiro a Oliveira, o coiteiro que foi levar o recado de Lampião foi Antonio Zezé. Chegando a fazenda Craunã Antonio entregou o bilhete com a solicitação de Lampião e Oliveira disse que estava sem dinheiro e pediu pra ele ir buscar depois. Oliveira vendeu uma vaca, juntou um dinheiro totalizando a quantia solicitada por Lampião, comprou uns cigarros e entregou a Antonio Zezé, fazendo o seguinte comentário:

- É duro trabalhar pra dar a quem não trabalha!

Antonio Zezé entregou o dinheiro e os cigarros a Lampião que estava acoitado nas proximidades. Os cangaceiros estavam bebendo e jogando baralho. Lampião começou enaltecendo Oliveira, falando das qualidades dele e dizendo que era um bom rapaz.

Antonio Zezé ouviu calado o comentário de Lampião e depois comentou com Nicolau que Oliveira tinha dito que era duro trabalhar e dar a quem não trabalha. 

Nicolau já tinha ciúmes por sua esposa ter namorado com Oliveira e também havia tido uma discussão por causa da água de um açude que pertencia a Oliveira. Nicolau aproveitou a ocasião e desabafou:

-  É capitão o senhor diz que oliveira é isso  e aquilo mais ele falou que era duro trabalhar e dar pra quem não trabalhava.

Os cangaceiros todos entregues a cachaça, Lampião enfurecido com o comentário pegou as notas e as espetou nos espinhos de um mandacaru e ordenou que  ninguém pegasse o dinheiro.  
D
ia 02 de novembro de 1932, um dia de finados, na fazenda Craunã, a família no alpendre, Oliveira estava com a pequenininha Maria em seu colo e cantando músicas fúnebres; Lampião chegou com mais dois cangaceiros; A aflição tomou conta da família; O casal com os filhos pequenos ficaram frente ao terror. 

Oliveira pediu pra Lampião matá-lo, mais que deixasse seus filhos em paz. Nesse momento foi chegando os filhos José “Duquinha” (com 17 anos) e Manuel (com 15 anos); Lampião pegou a “Mauser” e atirou em Oliveira, depois matou Duquinha e Manuel. Os filhos pequenos viram a triste cena. Lampião fez Joana beber cachaça forçadamente. De repente chegou Belo Salú que havia ouvido os tiros. Belo era irmão do cangaceiro Miguel Salú, e pediu pra que Lampião não fizesse mais nada com a família. Lampião disse que o filho mais velho, chamado Alcidor “Cidô”, teria que morrer, pra que não viesse depois vingar a morte da família. Belo Salú insistiu pra que o cangaceiro não fizesse mais nada, pois Cidô era o mais velho e era quem iria cuidar da família. Lampião atendeu Salú, reuniu os comparsas e ordenou pra que o pequeno Gonçalo Joaquim de Oliveira fosse buscar uns animais na roça para que eles fossem embora; Gonçalo pegou os animais e trouxe para o algoz de sua família; Lampião e os cangaceiros montaram e foram embora. 

Naquela manhã de finados restou a dor, o sangue jorrado na terra sagrada, o dia de finados perpetuado na música fúnebre, na visão horripilante que a morte deixou pelas armas de homens perversos e impiedosos.

Hoje, domingo, dia 27 de abril de 2014, eu, Neli Conceição, Josué Santana e Antonio Lira, tendo a ajuda de Aldiro e Paulo Soares de Oliveira, visitamos  a casa da fazenda Craunã e vimos a capela onde Oliveira, Duquinha e Manuel foram enterrados; três cruzes lembram as três vítimas. Ouvimos os lamentos dos irmãos Gonçalo e Maria, hoje aos 88 e 85 anos de idade, figuras caladas, conversa pouca, dores eternas.

A casa da fazenda encontra-se fechada, suas terras servem para a família plantar e colher, há algo de triste neste chão, mesmo com o  verde apontando e a chuva caindo, uma dor paira no ar, vento gelado açoita as paredes do casarão e da capela, chuva fina molha, enxágua, faz a semente adormecida florescer, florir, mais a tristeza impera, como mágoa que macula a terra em veios permanentes que absorveram sangues de inocentes almas, ensopadas frestas de areias que não cicatrizam as dores de uma família marcada por grande tragédia e nem o tempo é capaz de sarar as feridas do coração que sentiu a dor.......

João de Sousa Lima
Historiador e Escritor

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