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segunda-feira, 26 de junho de 2017

INVASÃO E RESISTÊNCIA - OS 90 ANOS DA DERROTA DE LAMPIÃO NO CONFRONTO COM O POVO DE MOSSORÓ –" ESTRATÉGIA PARA O ATAQUE"- PARTE VI

 Por José de Paiva Rebouças

Ao ver Lampião, Luiz Siqueira, o Formiga, pediu proteção. O cangaceiro garantiu, mas lhe fez um interrogatório. Quis saber quantos homens estavam armados em Mossoró. Formiga exagerou e disse que talvez uns duzentos.


Lampião chamou o estado-maior e voltou a detalhar o plano de invasão. Escutaram as ponderações de Massilon que desenhava na areia um mapa das principais artérias da cidade.

De acordo com a estratégia, o ataque seria protagonizado por duas colunas que se dividiria em quatro ao entrar na cidade. Sabino comandaria a tropa. Os melhores atiradores seriam distribuídos nos grupos, cada um com cerca de 400 cartuchos.

Lampião propôs entrar pela barragem do Rio Mossoró, mas Formiga avisou que seria arriscado, pois havia um piquete naquela área. Aborrecido, Lampião chamou Massilon.

“Você tinha me dito que entrava em Mossoró com dez homens. A cidade tinha poucos soldados e os civis estavam desarmados e eram mofinos. Agora o homem tá disparado a brigar. Não estou gostando nada disso”. Reclamou.

PRIMEIRO ULTIMATO AO INTENDENTE DE MOSSORÓ

Fonte da imagem: http://www.blogdogemaia.com/detalhes.php?not=942

Lampião e Sabino perguntaram ao coronel Antônio Gurgel se ele conhecia o coronel Rodolfo Fernandes. Gurgel disse que sim, mas não era íntimo.

Coronel Antônio Gurgel - Fonte da imagem: https://tokdehistoria.com.br/tag/coronel-gurgel/

Lampião ordenou que o coronel inscrevesse uma carta ao intendente. Determinou que no bilhete fosse cobrado 500 contos de réis para o bando não entrar na cidade.

Gurgel achou muito, Lampião então baixou para 400. Assim a carta foi feita.

"13 de junho de 1927. Meu caro Rodolfo Fernandes:

Desde ontem estou aprisionado do grupo de Lampião, o qual está aquartelado aqui bem perto da cidade. Manda, porém, um acordo para não atacar mediante soma de quatrocentos contos de réis – 400,000$000. Posso adiantar sem receio que o grupo é numeroso, cerca de 150 homens bem equipados e municiados à farta. Creio que seria de bom alvitre você mandar um parlamentar até aqui, que me disse o próprio Lampião, será bem recebido. Para evitar o pânico e o derramamento de sangue, penso que o sacrifício compensa. Tanto que ele promete não voltar mais à Mossoró. Diga sem falta o Jaime que os vinte e um contos que pedi ontem para o meu resgate não chegaram até aqui, e se vieram, o portador se desencontrou. Assim, peço por vida de Yolanda para mandar o cobre por uma pessoa de confiança para salvar a vida deste pobre velho. Devo adiantar que todo o grupo tem me tratado com muita deferência, mas, eu bem avalio o risco que estou correndo. Creia no meu respeito. 

(a) Antônio Gurgel do Amaral".

Depois de escrita, a carta foi lida em voz alta. Lampião perguntou quem era Yolanda e o coronel explicou se tratar da sua neta de dois anos. Ficou a cargo de Formiga o trabalho de levar a carta e trazer resposta de Mossoró.

Yolanda Guedes - Fonte da imagem: http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/o-ouro-dos-cangaceiros-para-yolanda.html

Ao chegar à cidade, o portador pode ver a aflição às pessoas. Casas vazias e mulheres chorando pelas ruas em desalinho. Perto do meio dia, entregou o bilhete à mão do intendente Rodolfo Fernandes. Ele leu o texto em voz alta para que os presentes acompanhassem o drama.

O coronel fez discurso efusivo bradando a necessidade da luta por parte de Mossoró. Em seguida, contou vantagem sobre a preparação da cidade. Com o fim da reunião, pediu ao portador que aguardasse na recepção pela resposta da carta. Horas depois lhe entregaram um pequeno bilhete. 

"Mossoró, 13.06.1927
Antônio Gurgel

Não é possível satisfazer-lhe a remessa de quatrocentos contos (400.000$000) pois não tenho e mesmo no comércio é impossível se arranjar tal quantia. Ignora-se onde está refugiado o gerente do Banco, sr. Jaime Guedes. Estamos DISPOSTOS a recebê-los na altura em que eles desejarem. Nossa situação oferece absoluta confiança e inteira segurança.

Rodolfo Fernandes".

Preparação da cidade para o combate

Apesar da confiança de Rodolfo Fernandes  o clima em Mossoró era de pânico. Antes do meio dia, estima-se que 15 combóis já tinham partido para Areia Branca. Dali a pouco, nem mesmo telégrafo  teria mais gente para anotar os recados.

Aparelho de enviar telegrama -http://www.explicatorium.com/fisica/telegrafo.html

Trincheiras tinham sido espalhadas pela cidade, mas a maioria estava incompleta. Muita gente tinha largado as armas e ido embora, outros caíam de sono por causa da vigília da noite.

A maior barricada ficou na frente da casa do chefe da intendência... Sacos de algodão foram colocados em posição estratégica de modo a não permitir qualquer transposição. Pelo menos 40 homens estavam de prontidão do quintal ao telhado.

Trincheira da casa do prefeito Rodolfo Fernandes. À esquerda da foto acima está a igreja de São vicente 
http://ataquelampiaomossoro.blogspot.com.br/

Manoel Alves de Souza, Léo Teófilo e Manoel Félix ficaram no campanário da capela de São Vicente. Tinham a incumbência de informar qualquer aproximação. 

Estação Ferroviária de Mossoró - https://cronicastaipuenses.blogspot.com.br/2015/09/centenario-da-estrada-de-ferro-de.html

Na Estação Ferroviária, hoje Estação das Artes Eliseu Ventania, Vicente Carlos de Sabóia Filho, o Saboinha, diretor gerente da estrada de ferro, distribuiu homens armados em pontos estratégicos. Ao seu lado, estavam o engenheiro Lafaiete Tapioca, o comerciante Raimundo Leão de Moura e os militares Severino França, Clóvis de Araújo e o sargento Pedro Sílvio, além de nove funcionários.

A quarta trincheira de defesa da cidade de Mossoró, em 1927, foi montada nos armazéns da firma Tertuliano, Fernandes & Cia - http://amantesdeclio.blogspot.com.br/2015/08/

Outra trincheira foi montada na empresa Tertuliano Fernandes & Cia. Na igreja matriz, estavam posicionados o dentista Antônio Brasil, com um binóculo, e dois policiais. No ginásio Diocesano, outros quatro homens; mais quatro na torre da igreja do Sagrado Coração de Jesus e oito no Mercado Central.

Mercado Central de Mossoró - http://aluisiodutra.zip.net/arch2011-01-01_2011-01-31.html

Seis atiradores se deslocaram para a parede divisória das águas do rio. Piquetes menores foram dispostos no prédio da Mesa de Rendas do Estado, no Grupo Escolar Eliseu Viana, no Grande Hotel, na residência de Ezequiel Fernandes e na Cadeia Pública.

Grande Hotel de Mossoró - http://jotamaria-hmpb.blogspot.com.br/

Os tenentes Abdon Nunes, Laurentino Morais e João Nunes ficaram responsáveis pelas patrulhas nas áreas mais abertas. Coube ao vigário da matriz, Padre Mota corrigir as trincheiras. Encontrou diversos problemas e chegou a dissolver a da Caieira, redistribuindo os homens.

Padre Mota com Juscelino - http://www.tomislav.com.br/o-padre-visionario-que-aprimorou-sua-cidade/

ÚLTIMA TROCA DE BILHETES

Passavam de duas da tarde e Formiga não chegava. Os cangaceiros não podiam mais esperar. Mesmo sem notícias do intendente, precisavam seguir. Às margens do rio Mossoró, próximo ao Estreito, o capitão voltou a perder a paciência com Massilon.

“Você disse que o rio estava seco. A viagem está atrapalhada! Nada está dando certo”, reclamou. Massilon pouco respondeu. Atravessaram o rio com água na cintura.

Na outra margem, Sabino usou os reféns como escudo humano. Antônio Gurgel ia na frente, 

“Você é o nosso ministro da guerra”. Sentenciou. 

Coronel Antônio Gurgel - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Pouco adiante, perceberam a aproximação de um cavaleiro. Era Formiga com a resposta de Rodolfo.

Ao saber do conteúdo Lampião amassou e jogou fora o papel. Alarmou aos comparsas que iriam mesmo tomar Mossoró. 

“Vamos atacar! É vergonhoso chegar tão perto e voltar sem fazer uma tentativa”, destacou, conforme Sérgio Dantas.

Kiko Monteiro, Vera Ferreira e Sérgio Dantas

Lampião parecia apreensivo. Desconfiava do fracasso e fez nova tentativa com Rodolfo. Escreveu de próprio punho outro bilhete.

Antônio Gurgel disse que ali disse uma de suas frases mais célebres. 

“Cidade de mais de uma igreja não é lugar para cangaceiro”. (Lampião).


" Cel Rodolfo

Estando Eu até aqui pretendo drº. Já foi um aviso, ahi pº o Sinhoris, si por acauso rezolver, mi, a mandar será a importança que aqui nos pede, Eu envito di Entrada ahi porem não vindo essa importança eu entrarei, ate ahi penço que adeus querer, eu entro; e vai aver muito estrago por isto si vir o drº. Eu não entro, ahi mas nos resposte logo.

Capm Lampião."

Bilhete de Lampião - Fonte: http://blogdosenadinho.blogspot.com.br/2009/12/cel-rodolfo-estando-eu-ate-aqui.html

Ao receber a mensagem de Lampião, coronel Rodolfo Fernandes fez como antes e compartilhou com outros em seu gabinete. Recebeu apoio dos presentes. Após conversa longa com o tenente Laurentino de Morais e Sabóia Filho, escreveu, também de próprio punho, a resposta ao cangaceiro. Mais uma vez foi inflexível.

"Virgulino Lampião,

Recebi seu bilhete e respondo-lhe dizendo que não tenho a importância que pede e nem também o comércio. O Banco está fechado, tendo os funcionários se retirado daqui. Estamos dispostos a acarretar com tudo que o Sr. Queira fazer contra nós. A cidade acha-se, firmemente inabalável na sua defesa, confiando na mesma.

a. Rodolfo Fernandes Prefeito
13.06.1927"

Caminhada para o ataque

No saco, a dois quilômetros de Mossoró, os reféns foram acomodados na casa de Joaquim Soares. Antônio Gurgel, Manoel Barreto e Formiga em um quarto; dona Maria José Lopes e o coronel Joaquim Moreira no outro.

Dona Maria José Lopes - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Na preparação para a guerra, o plano original tinha sofrido um contratempo. Embriagado demais, Jararaca não possuía mais condições de comando. Com isso, restaram apenas três frentes: A de Sabino, a de Massilon e a do Próprio Lampião.

O cangaceiro Jararaca preso em 1927 na cadeia pública de Mossoró - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Oito homens, sob o comando do cangaceiro Félix (da Mata), foram destacados para vigiar os reféns, esperar os resgates, cuidar dos animais e combater qualquer resistência.

O cangaceiro Félix da Mata Redonda - Quem a coloriu eu não tenho a mínima ideia - http://blogdomendesemendes.blogspot.com

No terreiro, Lampião dava as últimas orientações antes de partirem. 

“Sabino, você prenda logo o coronel Rodolfo Fernandes, porque assim ele arranjará o dinheiro”, disse.

O céu estava cinzento naquela tarde, não havia vento e da terra subia um mormaço insuportável. Apesar de motivados, havia sobressalto de preocupação.

Amadeu Lopes, Pedro José, Azarias Januário, Júlio Soares, Joaquim germano, Guilherme de Melo, Belarmino de Morais, Sancho Amaro, Geraldo Oliveira e o filho, reféns menos importantes presos durante a jornada no alto Oeste, foram colocados na frente como escudos humanos.

Pouco minutos de caminhada, os homens de Sabino invadiram a mercearia de Antônio Domingos. Abandonada desde o dia anterior. Mas à frente, violaram a residência de Luiz Firmino, também vazia de gente.

Ex-integrante da extinta Guarda Nacional, Firmino mantinha em casa uma farda limpa e engomada da corporação. Ao encontrá-la, Sabino se livrou das roupas velhas e se enfiou no casaco. Ficou parecendo um militar.

Igreja de Nossa Senhora da Conceição - http://telescope.blog.uol.com.br/sociedade/arch2010-03-01_2010-03-31.html

Passaram pela caieira, onde Padre Mota tinha desfeito a trincheira, e, por volta das três e meia da tarde, alcançaram o bairro Alto da Conceição. Uma sentinela atirou para cima avisando da entrada dos cangaceiros e fugiu.

Com o susto, os bandidos reagiram, mas atiraram à toa. Os reféns, que estavam mais à frente, aproveitaram o momento de tensão para escaparem em direção ao rio. Não foram seguidos.

Continuaremos amanhã com o título:
"INVASÃO E RESISTÊNCIA: A HORA FATAL"

Fonte: Jornal De Fato
Revista: Contexto Especial
Nº: 8
Páginas: 26, 27, 28, 29 e 30.
Ano: 6
Cidade: Mossoró-RN
Editor: José de Paiva Rebouças
E-mail: josedepaivareboucas@gmail.com
Ilustrado por: José Mendes Pereira

http://blogdomendesemendes.blogspot.com 

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