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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

OXENTE, VÔTE!

*Rangel Alves da Costa

Tá estranhando, vôte! Estranhe não, pois vôte é gíria sertaneja para expressar espanto, surpresa, admiração. Vôte, o que foi isso? Vôte, o que foi aquilo? Assim o expressar de um povo.
Segundo os dicionários, vôte é uma interjeição que manifesta certa rejeição, repugnância a alguma coisa. Mas também para exprimir assombro, repulsa, perplexidade. Utiliza-se vôte, por exemplo, quando se está diante de algo inesperado.
“Vôte, já vi de tudo, mas gato latindo é a primeira vez!”. “Vôte, quem já viu dizer que muié casada namorasse com outro homi?”. “Vôte, mulher mijar em pé é a primeira vez que vejo!”.
“Comer cuscuz com feijão? Vôte!”. “Chegar com o corpo quente, suado e logo beber água fria? Vôte! Vai querer adoecer”. “Chupar melancia e depois beber leite? Vôte, num vi dizer. Quer estuporar”.
E assim por diante. Mas vôte também faz lembrar o oxente tão caipira. E assim por que oxente também expressa surpresa, admiração, espanto. Ou ainda oxe, que também denota admiração perante algo. Na surpresa surge o “oxe!”.
“Oxente, homi, quem já viu dizer plantar roça e meia e não colher nem um saco de feijão?”. “Oxente, muié, vê se deixa de besteira e vista uma saia florida pra ir pro forró”. “Saiu aquela hora e ainda não voltou? Oxe!”.
“Oxe, vai-te pra lá com sua ousadia!”. “Oxente, cabra, tá me desconhecendo, é?”. “Já chega metendo a mão no pote sem ter permissão. Oxe! Quem já viu dizer?”. “Quem já viu dizer tanto querer ser dono sem minha permissão? Oxente, se assunte homem!”.
Quem é nordestino ou sertanejo deve estar acostumado com o palavreado local. Gírias, regionalismos, caipirismos, tudo faz parte do linguajar próprio de um povo. E nenhum erro há em si, vez que costumeiro modo de expressão.
O vôte, o oxe e oxente, dentre muitas outras expressões populares, tornam-se linguística e gramaticalmente aceitas. No contexto da morfologia, há que observar-se que tais expressões são surgidas a partir de outras da norma culta.
Por sua vez, no contexto da fonologia, tem-se que os sons produzidos por tais palavras, bem como os elementos que a constituem, fazem parte de acertos ortográficos contidos em outras palavras.
Falar oxe, oxente ou vôte, não significa, contudo, pronunciar palavras diferentes daquelas existentes na língua padrão ou na norma culta. Não é o caso de dizer “adevegado” ao invés de advogado, de falar “própio” ao invés de próprio. Nada disso.
Tais expressões também não se ajustam ao conceito de regionalismo, pois não se está trocando uma palavra por outra, como “arretado” ao invés de bom ou legal, como “aluado” ao invés de abobado ou desajuizado. Ou ainda “mangar” ao invés de zombar.
Verdade que muitos autores as colocam como regionalismos. Entretanto, considerando que regionalismo é tido como criação linguística ou falar próprio de determinada região, não se ajusta a tal conceito apenas um arranjo de palavras, como acontece, por exemplo, em “vixe”.
O termo vixe, como substituto de virgem, soa como corruptela fonética ou variação popular. Expressa também espanto, surpresa. É geralmente utilizado quando alguém quer dizer “Virgem Maria” após uma frase que expresse um sobressalto: “Ainda nessa idade e já fazendo isso, vixe Maria!”.
Quem é nordestino ou sertanejo também está acostumado a ouvir um “eita. Tal interjeição logo indica admiração, espanto ou satisfação, perante um acontecimento. “Eita, e agora?”. “Convidou meio mundo de gente pra festa de aniversário e não matou sequer uma galinha. Eita!”.
Daí que o vixe, o eita, o oxente, o vôte e oxe, são de uso tanto correntes como corretos perante populações inteiras. As pessoas estão tão acostumadas com os seus usos que compreendem perfeitamente cada expressão e também os assimilam no falar cotidiano.
Trata-se, apenas de ajustamentos ou arranjos da língua a situações peculiares. Ajustamentos por que o “vôte” surgiu como arranjo ou assimilação de “vou te dizer”. Ao invés de falar “Vou te dizer que está errado”, apenas diz “Vôte, tá errado!”.
O mesmo ocorre com o “oxente”, originário que é de “oi gente”, “ei gente”, “aí gente”. Assim, ao invés de dizer “E aí gente, não tá vendo isso não?”, simplesmente diz: “Oxente, não tá vendo isso não?”.
Há situações em que tais expressões são ainda modificadas, afeiçoando-se ao um rearranjo no arranjado. Muitas pessoas vão além do “vixe” para o “viuje”. Então dizem: “Mesmo sendo casada se mete a namoradeira, viuje!”.
Mas assim o falar de um povo, na sua língua que é tão inteligível como sua palavra e na liberdade com que lhe é permitido falar. E não há que estranhar nada. Estranhar por quê? Oxente!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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