*Rangel Alves da Costa
Escrevi tal texto e gostei muito do que escrevi, por isso mesmo acrescentei mais alguma coisa e o publiquei em jornal impresso. Nada mais é do que a minha palavra para todo aquele que fala comigo, com a certeza de que será ouvido e retribuído seja qual for seu modo de falar ou de escrever.
Então digo: Fale comigo assim mesmo. Em uma casa humilde, erguida no cipó e barro, distante do mundo-cidade, não espero ouvir as palavras refinadas dos grã-finos e anelados. Oi de casa, irei dizer. Oi de fora, irei ouvir.
“Adescupe a probeza seu moço, mai entre, a casa é sua. Vosmicê aceita um tiquinho d’água? Arraste aí esse tamboretim e se assente. Pru má lhe pregunte, mai o que vosmicê vem fazer aqui nesse mundaréu de meu Deus?”.
Seu Totonho, Seu Totonho, doce e singela é a sua palavra. Não há reparo nem conserto algum a ser feito no seu falar, no seu jeito de se expressar. Se eu entendo perfeitamente tudo o que me diz, então por que querer que fale diferente?
Escreva pra mim assim mesmo. Jamais tenha medo ou receio de escrever pelo fato de que não tem letra bonita nem sabe usar direito as palavras. Saiba você que nem a própria Língua Portuguesa entende bem suas próprias regras gramaticais.
Você me enviou uma cartinha assim, lembra? “Pru Deus eu juro qui quiria escreve mió. Mai num sei. Mim adescupe, viu seu moço. Mai eu quiria sabe si o sinhô tinha um livro pra mim ler. Mai um livro qui seja cum mai dezenho qui letra. Eu oio o dezenho e já fico pensano no que as letra diz. Si o sinhô tive mim diga. Argum dia aina vou sabe toda as letra dum livro”.
Lembro-me muito bem de sua cartinha. E lembro bem que não só fui entregar o seu livro como depois retornei para saber o que você tinha lido. Saiba que senti o seu jeito envergonhado quando retornei. Mas saiba também de minha felicidade ao sentir nos seus olhos a imensa alegria de me contar sobre o que havia compreendido.
Eis suas palavras, segundo o seu jeito de pronunciar: “Tudim aprendi no seu livro. As letra é muito difici de juntar, mai dos dezenho eu sei tudim. Vi um galo, adespois vi um sol, adespois vi uma lua. As letra só podia dizê qui tudo acorda no galo e drome na lua. Adespois ainda vi um menino, adespois um homem, e adespois um velho. Entonce as letra só podia dizê que a gente nasce minino e adespois enveiece. Entonce foi ansim que li o livro todim. Se mim preguntar eu digo: é tudo a histora da gente, desna que nasce ao fim”.
Isso mesmo. Tudo a história da gente. E que jeito bonito de você ter compreendido as coisas, que modo tão belo no seu jeito próprio de fazer a leitura. Não possui plena compreensão de leitura, não sabe dar significação às palavras a partir de sua junção, mas demonstrou um esforço imenso de aprender. E que mundo maravilhoso acabou construindo.
Por isso que sempre digo: fale comigo assim mesmo, escreva como sabe escrever, utilize as palavras e letras do jeito que acha melhor. Ora, por que exigir floreios e rebuscamentos se entendo o que quis dizer. Então fale comigo com toda sua força singela de se expressar. Fale comigo com toda humildade da língua.
Fale comigo e pode dizer “pru mode”. Pode dizer: aperreio da molesta, dor de estambo, vôte, vixe, auvore, nóis vai, nóis foi, a gente somos, caralo, caniero, lambisgóia, utriga, meus fi, fiarada, probeza. Pode escrever: Posso Redondo com dois “ss”, voçê com cê-cedilha, mais ao invés de mais, inté no lugar de até. Ora, será que não compreendo qual a intenção da escrita?
Fale comigo e fale assim mesmo, de todo e qualquer jeito. Tem muita gente metida a saber além do que sabe e floreando demais o dizer. Quer enfeitar demais e acaba distorcendo a língua que pode ser encantadora na humildade. Prezo muito quando a palavra nasce com vida, cheirando a gente, traduzindo a pessoa que a pronuncia. Não adianta inventar nada se o bonito no falar é a própria expressão sem rebuscamento.
“Seu Zé, um tiquim, um bocadim. Nada na vida é montão. Tudo na vida é no arranjo do munto ou do quase que se achega como montão”. Por mais que se desejasse, ninguém teve coragem de dizer que João Guimarães Rosa estava errado quando transcreveu a linguagem regionalista do povo nos seus escritos. Ora, se Diadorim e Riobaldo falam de um jeito, entonce por que inventar outro jeito de falar?
Fale, pois, comigo, e de qualquer jeito. Gosto do seu jeito simples, eu aprecio seu jeito tão próprio de ser. Venha, chegue de chinelo pregado em arame, de calça remendada, de camisa faltando botão. Venha descalço, chegue com as mãos endurecidas da foice e da enxada. Venha molhado em suor, chegue com a face avermelhada de sol.
Quem sou eu para dizer que não venha? Se eu preciso que chegue, que fale comigo, então espero que quem chegue seja você. E não o outro enfeitado. Não o outro adornado daquilo que você não é e nem é próprio do mundo que você vive. Então venha. Fale comigo.
Escritor
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