Por Sálvio
Siqueira
No tempo do
cangaço, havia em todo e qualquer recanto da vasta região do sertão nordestino
a ‘matéria prima’ para os bandos de cangaceiros. Em primeiro lugar estava o
vaqueiro. Homem destemido, valente e que foi forjado na própria dureza da
região. Em segundo, seria qualquer catingueiro vítima de maus tratos sofridos
pelos jagunços dos ‘coronéis’ ou pelos próprios homens metidos por dentro de
uma farda que representava a “Lei” da região.
Não havia
condições para os magistrados exercerem suas funções devido o poder central
dominante estar centralizado nas mãos dos políticos governantes. Aquele que
começa a tentar impor a lei era, automaticamente, transferido para um lugar
distante a pedido de algum ‘Manda-Chuva’ local. Os poderes eram centralizados
em um só, no governante e seus correligionários. “Mandava quem tinha poder e
obedecia quem tinha juízo”, porém, de quando em vez aparecia malucos que não
baixavam a cabeça para as determinações dos poderosos.
Com o
alastramento do banditismo rural, muitos daqueles que eram bandidos,
bandoleiros ou mesmo procurados pela justiça poderiam se alistar como
contratados do governo para darem combate aos bandos. Dessa forma, sem ter como
fazer uma triagem nos homens que apareciam para serem contratados pelo governo,
através dos vários comandos de volantes que tinham seus Quartéis Generais
improvisados em várias cidades estratégicas, diariamente. João Gomes de Lira,
saudoso volante nazareno em entrevista relatou que não tinham sequer instruções
para conhecerem a arma que seria sua ‘ferramenta de trabalho’ daquele momento
em diante, aliás, referiu que não havia instrução alguma. Entregavam-se a
vestimenta, a arma e a munição e lá estava um novo combatente das Forças
Públicas estaduais.
No primeiro
meado de 1912 nasceu um cidadão chamado Manoel Marques da Silva, na pequena
Santa Brígida, BA. Ele era filho do casal Jacó Marques da Silva e dona Jovina
Maria da Silva. Casal pobre que vivia na labuta diária.
Na família desse baiano brotou vários combatentes de sangue no olho. Homens corajosos que não temiam a morte. Um de seus tios, “Elias Marques”, combateu cangaceiros até ser abatido na batalha da Maranduba, município de Poço Redondo, SE, em 1932, pelo bando de Lampião. Morreu nos braços do próprio filho “Procidônio”, que também era volante.
Desde sua tenra idade que Manoel Marques da Silva ganhou a alcunha de Mané Véio. Desde cedo que demonstrou ser um cabra valente que não temia a nada. O escritor Alcino Alves Costa, em seu “Lampião Além da Versão – Mentiras e Mistério de Angico”, 3ª edição, 2011, referindo sobre a infância dele, nos revela: “O baianinho, desde criancinha, era chamado pelo carinhoso apelido de Mané Véio. Era magricela, esguio, alto, de boa presença e com uma conversa fluente; porém genioso e malcriado ao extremo.”
Em 1927, mais
taludinho, pois já tinha seus 17 anos de idade, o jovem de Santa Brígida
resolve entrar para a Força Pública baiana para dar combate aos cangaceiros que
estavam aterrorizando aquela região. Para os jovens daquela época, em
determinados anos de seca, só havia dois caminhos para eles seguirem na
tentativa de sobreviverem: o cangaço ou a volante. Mané Véio ingressou na Força
Pública sob o comando do tenente Francisco Moutinho Dourado, por todos
conhecido como tenente ‘Douradinho’. Depois dessa ‘escola’ com o tenente
Douradinho, Mané Véio passa a prestar seus serviços ao comandante de volante
sargento Adolfo e, por fim, passa a exercer sua função comandada pelo conhecido
tenente Liberato de Carvalho. Tendo feito sua ‘escola’ militar sob o comando desses
grandes comandante, e conseguido sobreviver, Mané Véio estava pronto para tudo
que viesse encará-lo.
Manoel Marques
se casa com a jovem Cidália. Cidália era da mesma Santa Brígida. O casal gerou
um filho e lhe deram o nome de Abílio Marques. Mané Véio era, segundo
pesquisadores, bastante mulherengo, não podia ver um rabo de saia. Esse era o
grande motivo que, depois de certo tempo, as brigas tornaram-se rotina na
moradia do casal. Uma das ‘namoradas’ de Manoel Marques, a jovem Pureza, fez a
sua cabeça virar totalmente, tanto que logo ocorreu a separação entre ele e
Cidália. Mesmo estando separado, Manoel Marques não deixou de fornecer o que
mãe e filho precisavam. Quando tinha que sair em alguma missão, não sabendo
quando seria seu retorno, Mané deixava incumbido um de seus parentes, João
Silva, encarregado de prestar toda e qualquer assistência que eles precisassem.
E sempre que retornava acertava as contas com João, seu parente.
Cidália era
uma baiana cor de canela, faceira, de corpo exuberante. Devido a isso tudo,
começa a aparecer no volante de Liberato de Carvalho a desconfiança. Após ver
cair um bilhete do bolso de seu parente, João Silva, Manoel Marques coloca na
cabeça que era um bilhete de Cidália. Ele agora achava que seu parente tinha
algum chamego com ela. Sem dar noção de seu pensamento desconfiado, Mané Véio
se despede do parente e vai até sua morada, pegou seu mosquetão e saiu à
procura da mãe de seu filho.
Naquele tempo,
as vizinhas se juntavam e iam todas para beira de um regato, açude, cacimba ou
caldeirão com a roupa que tinham que lavar. Naquele dia, Cidália e algumas
mulheres, suas vizinhas e uma irmã chamada Zafira, estavam na fazenda Cajueiro
justamente lavando as roupas. Manoel Marques logo é notado pelas lavadeiras
seguindo em direção as mesmas. Apesar de estar com sua arma nas mãos, nada
desconfiam as mulheres, pois ele era um militar e sempre andava armado. Cidália
também o vê e nada desconfia. Quando nota o que estava para acontecer, já era
tarde...
Mané Véio nada
disse as mulheres, tão pouco falou alguma coisa para sua ex-mulher. Apenas
parou um pouco para manobrar seu fuzil. Nessa altura dos acontecimentos
Cidália, conhecendo como era violente e determinado aquele homem, sabia o que
ele iria fazer. Não pestanejou e, levantando-se rapidamente, correu e tentou
esconder-se usando o corpo da sua irmã como proteção. Infelizmente, os corpos
se protegiam, porém, o rosto de Cidália ficou a mostra. O volante, já com a
bala na agulha, levou a coronha da arma ao ombro, fez mira e disparou. Um tirou
certeiro transformou o rosto da jovem num amontoado de carne e ossos disformes.
E seu corpo vai de encontro ao chão, já sem vida.
Segundo
autores, aquele crime abalou sertão baiano já tão acostumado com tantas vidas
ceifadas violentamente. A população do interior baiano queria que as
autoridades tomassem providências, mesmo porque Cídália pagou por uma conta,
crime de traição, que não fez. Ela jamais havia ficado com outro homem, mesmo
depois da separação. Porém, como tudo se arruma nessa vida, a própria
corporação a quem pertencia tratou de dar um jeito para livrar Manoel Marques
da Silva, o Mané Véio, da prisão.
Mané Véio dana-se dentro do mato e vai se esconder num pé de serra chamado “Serrote do Galeão”, e, numa gruta nas pedras dessa serra, uma caverna, passa vários meses escondido. “Embrenha-se na mataria e fica um ano escondido no Serrote do Galeão, enfurnado numa gruta que hoje é conhecida como “A toca de Mané Véio”.” (AA. Pg 335, 2011).
Seus
comandantes conseguem fazer a sua ‘transferência’ para outro Estado. Conseguem
fazer com que ele migre para o Alagoas, vá até Santana do Ipanema e seja
admitido na Força alagoana no II Batalhão comandado pelo tenente José Lucena, o
qual o envia direto para servir na volante comandada pelo pernambucano tenente
João Bezerra da Silva aquartelada em Piranhas, AL.
A coisa foi muito bem arquitetada pelos militares. Ele troca de nome e passa a ser conhecido em Piranhas e região como Antônio Jacó. Com a sequência dos embates, torna-se admirado pelo comandante e seus companheiros, ganhando o respeito de ambos. Coragem e valentia nunca lhe faltaram.
Segundo o
pesquisador/historiador Alcino Alves Costa, o saudoso "vaqueiro" de
Poço Redondo, SE, foi Antônio Jacó quem matou o famoso cangaceiro Luiz Pedro de
Siqueira, conhecido por Luiz Pedro Cordeiro, devido 'Cordeiro' ser o nome do
sítio em que nascera, propriedade de seus parentes no Estado de Pernambuco e o
cangaceiro 'Mergulhão", Antonio Juvenal da Silva, na grota do Riacho
Angico, na fazenda Forquilha, município de Poço Redondo, SE, na manhã do dia 28
de julho de 1938, ficando com os espólios de ambos.
“(,,,)Chegou a
hora. O dedo aciona o gatilho. O estampido da arma estronda. A bala atinge o
coração do cangaceiro. Algo inesperado está acontecendo. Contra toda expectativa
o bandido continua caminhando, dando a impressão que não foi atingido e, ainda
mais assustador, o facínora faz menção de puxar uma arma do coldre. Neste
instante os dois valentões já estão frente a frente.
Mané Véio é rápido. Dar o segundo tiro. Dessa vez bem em cima do umbigo. O assecla cai de lado. Não faz movimento algum. Parece até que caiu morto. Sem perder tempo o matador corre e inicia o saque. O morto era Luiz Pedro (...). Talvez o último remanescente das grandes estrelas dos tempos de Pernambuco.
O homem de Santa Brígida está abismado com o luxo e a riqueza do bandido. Além dos anéis e alianças que abarrotam e enfeitam seus dedos, carrega em seu corpo um número vultoso de lenços e jabiracas, tudo da mais refinada qualidade.
Apressado e sem querer que os outros companheiros cheguem, o baiano corta as munhecas do facinoroso, arrancando os lenços e as jabiracas, colocando tudo dentro de seu bornal. Revira os bolsos e bornais do assecla e encontra uma quantidade muito grande de dinheiro e uma lata cheia de ouro. Ao ver tanta fartura, tanto dinheiro, tanto ouro, dá gritos de alegria e felicidades (...). Soldado não caçava cangaceiro para proteger a sociedade, a caça tinha um único objetivo, os pertences dos bandoleiros (...).” (AA.pg 336 a 337, 2011).
Na sequência
dos acontecimentos, o comandante João Bezerra ordena que todos os soldados
coloquem o que encontraram com os cangaceiros mortos na grota do Riacho Angico
em determinado local. Manoel marques nega-se a colocar e duvida que alguém
venha e retire o espólio que conseguiu. Logicamente que aquela falta de
obediência do baiano teria resposta nada agradável. Então, sabedor do que
poderia lhe acontecer, junta tudo que é seu e ‘pica a mula’ em direção a novas
terras, indo se esconder em território goiano. Depois de algum tempo, tendo se
casado novamente com uma jovem goiana chamada Maria Bosco, resolve seguir para
São Paulo capital.
Já na capital
Bandeirante, Manoel Marques da Silva, o Mané Véio, ou ainda o Antônio Jacó,
torna a mudar de nome, passando a chamar-se de Euclides Marques da Silva. Esse
nome ele tirou de um irmão que já havia morrido, passando a residirem no famoso
bairro da Liberdade. Isso tudo à custa dos espólios dos cangaceiros.
Dessa nova
união nasceu um casal de filhos, Jacob e Jovina. O tempo passa, mas o gênio
violento e enciumado do baiano da Santa Brígida não mudou. Começa, novamente, a
desconfiança com a fidelidade da nova esposa. Então começam as brigas dentro de
casa onde o ex-volante começa a maltratar a esposa. Não suportando mais, Maria
Bosco separa-se dele e pede o desquite. Solução mais que cabível, porém, para
ela, naquele momento foi a mais errada a ser tomada.Em vez de pensar no que
tinha feito para que seu casamento fosse por ‘água abaixo’, ele bitolou com a
ideia de traição e que aquela mulher deveria morrer.
Antônio
Marques da Silva, agora Euclides Marques, tinha um irmão que morava em são
Paulo chamado Josafá Marques da Silva. Entrando em contato com ele, o
‘contrata’ para que mate Maria Bosco. Acertam preço e fecham o acordo.
“Tudo aconteceu naquele dia em que Maria Bosco da silva e sua filha Jovina Marques da Silva, de 16 anos de idade, retornavam de um açougue onde haviam comprado carne para o almoço. Mãe e filha vinham pela Rua Pirapitingui, no bairro da Liberdade, em São Paulo. De repente foram brutalmente atacadas por Josafá que disparou três tiros, dois em dona Maria Bosco e um em sua filha Jovina. Maria Bosco morreu no local e sua filha Jovina no hospital. A tragédia foi total. Jovina foi também mortalmente ferida. Mãe e filha foram ceifadas desse mundo em virtude de uma decisão monstruosa de um louco.” (AA.pg 33, 2011)
Euclides
Marques da Silva, o Manoel Marques da Silva, ou Antônio Jacó, ou ainda Mané
Véio faleceu em 09 de janeiro de 2003, com 92 anos de idade, na cidade goiana
de Pires do Rio na companhia da sua terceira esposa, também goiana, dona Nori
Alves Marques da Silva. (Lampiãoaceso.com).
Alguns escritores, pesquisadores e historiadores têm Manoel Marques da Silva, o Antônio Jacó, ou Mané Véio, ou ainda Euclides Marques, como um verdadeiro herói pela sua valentia demonstrada contra os cangaceiros. Nós não conseguimos seguir esses estudiosos nessa concepção. Pelo contrário, o que o volante fez caçando e abatendo bandoleiros nas brenhas sertanejas, quando ele era um soldado militar da Força Pública baiano ou mesmo alagoana cumprindo seu dever, não lhe dava o direito de agir tão atrozmente contra mulheres indefesas e, por consequente, contribuir para o assassinato da própria filha... Em nenhum lugar do mundo.
Fonte Ob. Ct.
Foto Lampiãoaceso.com
Cangaçonabahia.com
"Derrocada do Cangaço", de Felippe de Castro
“Piranhas no tempo do Cangaço”, de Gilmar Teixeira
Foto Lampiãoaceso.com
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"Derrocada do Cangaço", de Felippe de Castro
“Piranhas no tempo do Cangaço”, de Gilmar Teixeira
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