Benedito
Vasconcelos Mendes
Na segunda
metade do Século XIX, cinco espécies de plantas nativas da região semiárida
nordestina começaram a ser exploradas economicamente, pelos habitantes da
região e deram grandes contribuições para a melhoria da economia regional. O
extrativismo da carnaubeira (Copernicia prunifera), produtora de cera; do
algodão mocó (Gossypium hirsutum var. Marie-Galante), produtor de algodão fibra
longa; da oiticica (Licania rigida), produtora de óleo; da maniçoba (Manihot
piauhyensis e Manihot glaziovii), produtoras de borracha e do caroá
(Neoglaziovia variegara), produtor de fibra, foi de grande importância para o
desenvolvimento do Polígono das Secas. Estas plantas nativas da Caatinga foram
destacadas fontes de divisas para o Nordeste. Foi a partir do final do Século
XIX que ocorreu a expansão da cultura e da exportação do algodão mocó no
Nordeste e o aproveitamento extrativista da carnaubeira, maniçoba, oiticica e,
por último, do caroá. Ainda no Século XIX, a maioria destas plantas industriais
começaram a ser exploradas em larga escala. Até então as atividades econômicas
tradicionais no sertão nordestino eram a criação de gado e a produção de goma e
farinha de mandioca e de rapadura e cachaça. Estas atividades extrativistas
vegetais foram muito importantes para o Nordeste brasileiro porque, com exceção
da fibra do caroá, os outros novos produtos foram destinados ao mercado
externo.
A oiticica, cujos frutos são ricos em óleo secativo, de largo emprego
industrial, ocorre de maneira espontânea nas margens aluviais dos rios e
riachos intermitentes da região semiárida nordestina. É nativa das matas
ciliares dos rios secos do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. É uma
planta xerófila, oleaginosa, de folhas perenes, de copa gigantesca, esgalhada,
de tronco ramificado, de folhas coriáceas, quebradiças e de nervuras salientes,
que produz fruto com semente em forma de amêndoa, riquíssima em óleo. Os frutos
quando amadurecem se desprendem dos ramos e caem no solo. Embora seja de
crescimento lento, ela é usada como Árvore ornamental, pois sua folhagem sempre
verde e densa, de folhas pouco caidiças, conferem a esta planta uma beleza
singular, além de produzir uma sombra ampla e refrescante.
O óleo da oiticica é
secativo e muito usado na indústria de tintas automotiva, tintas para
impressora jato de tinta, vernizes, cosméticos, sabão, biodiesel e outros
produtos.
Meu avô, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro (meses da queda
dos frutos) encarregava à Dona Lourdes, mulher do vaqueiro Sales, para
organizar a coleta dos frutos de oiticica, nas árvores localizadas nas aluviões
do Rio Aracatiaçu. Dona Lourdes, toda manhã, após a ordenha das cabras, saía
com um grande grupo, formado pelas mulheres dos vaqueiros e seus filhos
adolescentes, para às margens do rio, para coletar frutos de oiticica. Cada
coletor levava uma grande cuia de cabaça e alguns sacos de juta vazios. A
apanha de frutos de oiticica na Fazenda Aracati era um evento singular, por
proporcionar um ambiente descontraído e alegre. Era considerado pelos
participantes mais um momento de distração e entretenimento do que de execução
de um trabalho. As mocinhas criavam coragem e tiravam brincadeiras e flertavam
com os meninos de suas idades, com quem conviviam diariamente, na mesma
fazenda. As mulheres adultas alcovitavam os namoros das jovens, cantavam modinhas
sertanejas e mangavam uma da outra. Os meninotes disputavam quem apanhava mais
amêndoas de oiticica. Este trabalho de coleta era um momento de brincadeiras e
divertimento. Às nove horas era o momento da merenda. Todos sentavam nos galhos
baixos das oiticicas e comiam queijo de coalho com rapadura, feita no Sítio
Frecheiras da Serra da Meruoca. O alimento era levado em um bornal por Dona
Lourdes. O momento da merenda também era divertido. As mocinhas, com as cabaças
d’água de beber, escolhiam a quem oferecer a primeira caneca de água. O
oferecimento da água era considerado um sinal de simpatia e, a partir daí,
todos ficavam sabendo quem a moça pretendia namorar e a descoberta desta novidade
era motivo para muitas piadas e brincadeiras. Todos cantavam “Com quem será,
com quem será, com quem será que (fulana) vai casar ?...Vai depender, vai
depender, vai depender se (sicrano) vai querer”.
Ao término do período de
coleta, a grande quantidade de frutos de oiticica coletada era ensacada, pesada
e depois levada à Sobral, para ser vendida na CIDAO - Companhia Industrial de
Algodão e Óleo S/A. A CIDAO de Sobral e a Brasil Oiticica, localizada em
Fortaleza, constituíam as duas maiores indústrias produtoras de óleo de
oiticica do Ceará. O sabão preto, sabão caseiro ou sabão da terra, de uso
doméstico, usado para lavar louças, roupa ou para higiene pessoal, às vezes,
era feito com óleo de oiticica. Minha avó preparava uma mistura de cinza vegeta
com água (água de cinza) e colocava dentro de uma grande panela de barro,
adicionava óleo de oiticica e deixava ferver por duas horas, para formar o
sabão. Para preparar o sabão caseiro, minha avó também usava óleo de babaçu e
óleo de mamona. O sabão feito com óleo de oiticica e com óleo de mamona tinha
cheiro desagradável, diferentemente, de quando se usava óleo de babaçu, que
dava um sabão de odor agradável.
Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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