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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

PRODUÇÃO DE FRUTOS DE OITICICA NA FAZENDA ARACATI.

Benedito Vasconcelos Mendes

Na segunda metade do Século XIX, cinco espécies de plantas nativas da região semiárida nordestina começaram a ser exploradas economicamente, pelos habitantes da região e deram grandes contribuições para a melhoria da economia regional. O extrativismo da carnaubeira (Copernicia prunifera), produtora de cera; do algodão mocó (Gossypium hirsutum var. Marie-Galante), produtor de algodão fibra longa; da oiticica (Licania rigida), produtora de óleo; da maniçoba (Manihot piauhyensis e Manihot glaziovii), produtoras de borracha e do caroá (Neoglaziovia variegara), produtor de fibra, foi de grande importância para o desenvolvimento do Polígono das Secas. Estas plantas nativas da Caatinga foram destacadas fontes de divisas para o Nordeste. Foi a partir do final do Século XIX que ocorreu a expansão da cultura e da exportação do algodão mocó no Nordeste e o aproveitamento extrativista da carnaubeira, maniçoba, oiticica e, por último, do caroá. Ainda no Século XIX, a maioria destas plantas industriais começaram a ser exploradas em larga escala. Até então as atividades econômicas tradicionais no sertão nordestino eram a criação de gado e a produção de goma e farinha de mandioca e de rapadura e cachaça. Estas atividades extrativistas vegetais foram muito importantes para o Nordeste brasileiro porque, com exceção da fibra do caroá, os outros novos produtos foram destinados ao mercado externo. 

A oiticica, cujos frutos são ricos em óleo secativo, de largo emprego industrial, ocorre de maneira espontânea nas margens aluviais dos rios e riachos intermitentes da região semiárida nordestina. É nativa das matas ciliares dos rios secos do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. É uma planta xerófila, oleaginosa, de folhas perenes, de copa gigantesca, esgalhada, de tronco ramificado, de folhas coriáceas, quebradiças e de nervuras salientes, que produz fruto com semente em forma de amêndoa, riquíssima em óleo. Os frutos quando amadurecem se desprendem dos ramos e caem no solo. Embora seja de crescimento lento, ela é usada como Árvore ornamental, pois sua folhagem sempre verde e densa, de folhas pouco caidiças, conferem a esta planta uma beleza singular, além de produzir uma sombra ampla e refrescante. 

O óleo da oiticica é secativo e muito usado na indústria de tintas automotiva, tintas para impressora jato de tinta, vernizes, cosméticos, sabão, biodiesel e outros produtos. 

Meu avô, nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro (meses da queda dos frutos) encarregava à Dona Lourdes, mulher do vaqueiro Sales, para organizar a coleta dos frutos de oiticica, nas árvores localizadas nas aluviões do Rio Aracatiaçu. Dona Lourdes, toda manhã, após a ordenha das cabras, saía com um grande grupo, formado pelas mulheres dos vaqueiros e seus filhos adolescentes, para às margens do rio, para coletar frutos de oiticica. Cada coletor levava uma grande cuia de cabaça e alguns sacos de juta vazios. A apanha de frutos de oiticica na Fazenda Aracati era um evento singular, por proporcionar um ambiente descontraído e alegre. Era considerado pelos participantes mais um momento de distração e entretenimento do que de execução de um trabalho. As mocinhas criavam coragem e tiravam brincadeiras e flertavam com os meninos de suas idades, com quem conviviam diariamente, na mesma fazenda. As mulheres adultas alcovitavam os namoros das jovens, cantavam modinhas sertanejas e mangavam uma da outra. Os meninotes disputavam quem apanhava mais amêndoas de oiticica. Este trabalho de coleta era um momento de brincadeiras e divertimento. Às nove horas era o momento da merenda. Todos sentavam nos galhos baixos das oiticicas e comiam queijo de coalho com rapadura, feita no Sítio Frecheiras da Serra da Meruoca. O alimento era levado em um bornal por Dona Lourdes. O momento da merenda também era divertido. As mocinhas, com as cabaças d’água de beber, escolhiam a quem oferecer a primeira caneca de água. O oferecimento da água era considerado um sinal de simpatia e, a partir daí, todos ficavam sabendo quem a moça pretendia namorar e a descoberta desta novidade era motivo para muitas piadas e brincadeiras. Todos cantavam “Com quem será, com quem será, com quem será que (fulana) vai casar ?...Vai depender, vai depender, vai depender se (sicrano) vai querer”. 

Ao término do período de coleta, a grande quantidade de frutos de oiticica coletada era ensacada, pesada e depois levada à Sobral, para ser vendida na CIDAO - Companhia Industrial de Algodão e Óleo S/A. A CIDAO de Sobral e a Brasil Oiticica, localizada em Fortaleza, constituíam as duas maiores indústrias produtoras de óleo de oiticica do Ceará. O sabão preto, sabão caseiro ou sabão da terra, de uso doméstico, usado para lavar louças, roupa ou para higiene pessoal, às vezes, era feito com óleo de oiticica. Minha avó preparava uma mistura de cinza vegeta com água (água de cinza) e colocava dentro de uma grande panela de barro, adicionava óleo de oiticica e deixava ferver por duas horas, para formar o sabão. Para preparar o sabão caseiro, minha avó também usava óleo de babaçu e óleo de mamona. O sabão feito com óleo de oiticica e com óleo de mamona tinha cheiro desagradável, diferentemente, de quando se usava óleo de babaçu, que dava um sabão de odor agradável.

Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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