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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA DE MOSSORÓ - 1ª PARTE

Por Geraldo Maia do Nascimento

A província do Rio Grande do Norte, durante a segunda metade do século XIX, foi assolada por várias doenças que, em pouco tempo, assumiram um caráter epidêmico, ou seja, atingiram uma grande quantidade de indivíduos, como a cólera, febre amarela e a varíola. Essas epidemias geraram além de um grande número de contaminados, uma elevada mortalidade, principalmente entre as décadas de 1850 a 1890. 


O primeiro registro que temos sobre epidemias em Mossoró está no livro “História do Rio Grande do Norte – Ministério da Educação e Cultura – Rio de Janeiro – 1955 – pág. 278”, de Luís da Câmara Cascudo, onde consta que em 1856 o Estado do Rio Grande do Norte foi visitado pela “Cólera Morbo”, uma doença infecciosa e contagiosa aguda, causada pelo Vibrio cholerae, transmitida sobretudo pela água e caracterizada por diarreia abundante, prostração e câimbra. Essa peste deixou um saldo de 2.563 pessoas mortas na província, sendo 75 em Mossoró. Não existia serviço médico nem botica em Mossoró, que é como se chamava a farmácia daquela época, sendo os doentes tratados com ervas e rezas. Natal, capital de província, possuía apenas um médico e uma botica, insuficiente para atender até a própria população, ficando os demais municípios entregues à própria sorte. No período de 1877 a 1879 o município foi mais uma vez castigado com alto índice de mortalidade causada, principalmente, pela terrível seca dos dois sete. Essa seca sacudiu para a cidade de Mossoró, que na época contava com uma população de pouco menos de 8.000 habitantes (dados de maio de 1873), uma multidão advinda dos municípios do Oeste potiguar e das províncias vizinhas da Paraíba e do Ceará, de quase 40.000 emigrantes, aqui chegada quase que por um milagre, nus, famintos e afetados de inchação das extremidades inferiores. A Câmara oficia ao Presidente da Província a 16 de agosto de 1877, a existência de febres intermitentes e biliosas gastro-interites, angina de diversos graus e interites ulcerosas, tendo esta última moléstia vitimado um crescente número de crianças, segundo nos informa o historiador Luís da Câmara Cascudo em seu livro “Notas e documentos para a história de Mossoró – Fundação Vingt-un Rosado – Coleção Mossoroense – 5ª edição – pág. 136. A maioria dessa gente, sem teto que servisse de abrigo, passava os dias e as noites expostas às intempéries do tempo, ao sol e ao relento, resultando numa espantosa mortalidade que atingia a 40 pessoas por dia, de formidáveis epidemias como a beribéri, a febre, o sarampo e posteriormente a bexiga. Diante do exposto, o Presidente da Província mandou para Mossoró, em 1878, o médico Henrique Câmara com uma botica, e em meados de 1879 chegou o doutor Luís Carlos Lins Wanderley como médico em Comissão para atender aos doentes cujo número continuava crescendo, que por aqui permaneceu por alguns meses. Em 1881 chegou a Mossoró o cearense Dr. Francisco Pinheiro de Almeida Castro. Era o que podemos chamar de um homem múltiplo: Médico humanitário, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro na turma de 1880, cidadão boníssimo,  Chefe político de incontestável prestígio em Mossoró e zona Oeste do Rio Grande do Norte e Venerável da Loja Maçônica “24 de Junho” de 1895 a 1900. Foi jornalista e como tal um dos mais assíduos colaboradores do jornalista João da Escóssia na publicação de “O Mossoroense”  jornal esse do qual foi diretor de 1920 a 1922. Era Sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Fez parte da Constituinte de 10 de maio de 1891. Foi Presidente da Câmara Municipal de Mossoró no triênio 1890-1892. Foi representante do Rio Grande do Norte na Câmara Federal, em cujo mandato de deputado veio a falecer em 22 de julho de 1922, aos 64 anos de idade, sem nunca ter saído de Mossoró. Sobre o Dr. Almeida Castro, Câmara Cascudo depõe: “ Havia também o Dr. Castro, valendo uma permanência fenificiente e polimática, médico, orador, amigo forte, cirurgião que a necessidade improvisava, devoto dos magistrais, formulando sempre, mesmo quando seus futuros colegas haviam  rendido às seduções cômodas dos remédios de frasco. Corria a fama curativa de suas receitas. Era forte, possante, simpático, impecavelmente vestido, amando a dança, o discurso, o Cognac”. Foi o Dr. Castro quem trouxe o farmacêutico Jerônimo Ribeiro Rosado de Catolé do Rocha para instalar sua farmácia em Mossoró  em 1890. Já no primeiro quartel do século XX o município foi atacado mais uma vez por uma epidemia. Governava o município o farmacêutico Jerônimo Rosado, que havia assumido a Intendência para o triênio de 1917 a 1919. Foi um administrador dinâmico que, entre outros feitos, fez levantar grande área de cercas e preparar terrenos, que foram doados a agricultores pobres, promovendo assim a primeira reforma agrária do município. Mas foi também nesse ano que se deu a eclosão da “Influenza Espanhola”, ou “Gripe Espanhola”, moléstia terrível do após guerra. A gripe espanhola apareceu no final da I Guerra Mundial e, em menos de um ano, matou milhões de pessoas. A epidemia foi tão severa que nos Estados Unidos, onde um quarto da população foi infectada e 675 mil pessoas morreram, a expectativa de vida caiu 10%. A denominação "gripe espanhola", segundo alguns autores, surgiu na Inglaterra, em fins de abril de 1918. Duas são as principais hipóteses para essa denominação: a primeira partia do pressuposto errôneo de que a moléstia havia se originado na Espanha e/ou lá fizera o maior número de vítimas. Outra explicação afirmava que a Espanha, país neutro durante a Primeira Guerra Mundial, não censurava as notícias sobre a existência da gripe epidêmica, daí a dedução equivocada de que a enfermidade matava mais naquele país. A primeira notícia do vírus da gripe espanhola no Brasil foi de setembro de 1918, logo depois da chegada de um navio com imigrantes vindos da Espanha. Vários deles apresentavam sintomas da gripe. Outro relato dizia que alguns marinheiros sentiram estranhos sintomas a bordo de um navio que ancorou em Recife. O fato é que no início de novembro de 1918 a doença já tinha alcançado vários pontos do Brasil. As cidades portuárias foram as que mais sofreram. No Rio de Janeiro, morreram 17 mil pessoas em dois meses. Os familiares, desesperados, jogavam seus mortos na rua com medo de contrair a doença. As avenidas ficaram cheias de cadáveres e presidiários foram obrigados a trabalhar como coveiros. Os bondes circulavam abarrotados de corpos. Na frente das principais igrejas, milhares de famílias se reuniam para pedir ajuda a Deus. Em São Paulo, foram mais de 8 mil mortes. Entre as vítimas da gripe estava o presidente da República, Rodrigues Alves. Eleito para o cargo pela segunda vez, não pôde tomar posse e morreu no dia 16 de janeiro de 1919. Os médicos, também alarmados, não sabiam o que receitar e indicavam canja de galinha. O resultado foram saques aos armazéns atrás de frangos. Os jornais afirmavam que o tratamento deveria ser feito à base de pinga com limão ou uísque com gengibre. No Rio, o sanitarista Carlos Chagas comandou o combate à enfermidade. Em Porto Alegre, foi criado um cemitério especialmente para as vítimas da gripe espanhola. Em todo o país foram cerca de 300 mil mortos. Em Mossoró, logo após os primeiros casos, o Prefeito mobilizou todos os recursos de assistência disponíveis, quer improvisando isolamento de doentes, quer pessoalmente dirigindo socorros médicos em remédios e alimentos aos pobres abandonados. Dessa forma, salvaram-se vítimas. A quantidade de mortos não foi tão grande, mas muitos dos que escaparam ficaram com sequelas. Foi a maior epidemia da história, uma pandemia. Ao passo que a Primeira Guerra Mundial, de 1914-1918, matou, aproximadamente, 8 milhões de pessoas, a gripe espanhola foi fatal para mais de 20 milhões de seres humanos em todo o mundo. Nada matou tanto em tão pouco tempo. O vírus mutante da gripe assumiu características tão singulares em 1918, que a chamada influenza espanhola, até hoje, apavora quem procura entender o que aconteceu naquele ano.


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