Ramon Ribeiro repórter.
Publicado originalmente no jornal TRIBUNA DO NORTE, no Caderno VIVER, primeira página.
Em 1944 não era comum se ver aviões no céu de Riachuelo, no agreste potiguar. Na época a cidade pertencia ao município de São Paulo do Potengi. O número de habitantes era pequeno e os moradores viviam nas fazendas espalhadas pela região. O vaqueiro Chico Inácio era um deles. No dia 10 de maio daquele ano, esse trabalhador realizava as atividades habituais em suas terras quando avistou uma aeronave cruzar o céu. A novidade chamou sua atenção, mas havia algo estranho. A aeronave – um hidroavião PBY-5A de uso da Marinha dos Estados unidos soltava fumaça. O vaqueiro não só notou que havia algum problema como assistiu subitamente a aeronave vir ao chão, um pouco mais à frente de onde estava, levantando uma bola de fogo. Chico Inácio cavalgou até o local do acidente. Foi o primeiro a chegar. E o que encontrou o marcou para sempre.
O acidente deixou dez mortos, todos americanos e integrantes do Esquadrão de Patrulha VP-45, da Marinha dos EUA. Com a explosão da aeronave os corpos dos oficiais ficaram aos pedaços. Mas os moradores da região tiveram a sensibilidade de reunir as partes das vítimas e dar o devido sepultamento no cemitério da cidade, onde lá permaneceram até 1947, quando houve a transferência para os EUA dos restos mortais dos 214 militares americanos enterrados em solo potiguar.
A história da queda do Catalina em Riachuelo foi resgatada com detalhes pelo historiador Rostand Medeiros no seu mais novo livro: “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”. A obra integra a coleção “A participação do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial” lançada na semana passada pela editora Caravela Selo Cultural.
Em razão da pesquisa do historiador potiguar, os diplomatas americanos Daniel Stewart e Stuart Beechler, do Consulado Geral dos Estados Unidos em Recife, foram até Riachuelo para conhecer as histórias locais sobre o acidente. A visita aconteceu no final de março e na ocasião ficou acertada com a Prefeitura do município a realização de um evento de caráter educativo em memória dos militares mortos e em homenagem aos riachuelenses pela sensibilidade de enterrar seus corpos.
Segundo Rostand, o evento irá ocorrer no próximo dia 10 de maio, exatamente 75 anos depois da tragédia. Além de representante do consulado americano, estará presente a Banda de Música do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil. Na ocasião será feito o descerramento de uma placa com o nome dos dez militares mortos.
“O pessoal da cidade teve uma boa atitude em relação aos que morreram. Foi o que mais chamou a atenção dos americanos, a forma como aquele povo humilde cuidou da situação. Por isso eles querem vir à Riachuelo enaltecer esse fato”, diz Rostand em entrevista ao VIVER. “Riachuelo era uma cidade muito pequena, com poucos habitantes. Mas a população se uniu para encontrar os pedaços dos corpos e levar até o cemitério percorrendo uma distância de 20 km de carro de boi, para dar um enterro digno à tripulação”.
Segunda Guerra para além da capital potiguar
Por ter assistido aqueda do avião e ter sido o primeiro a chegar no local da tragédia, o vaqueiro Chico Inácio foi durante muito tempo uma das principais fontes de informação sobre o fato. Mas, já falecido, suas memorias são contadas pelos riachuelenses que nunca deixaram essa história ser esquecida.
No entanto, ainda há na cidade testemunhas vivas do acidente, como Seu José Lourenço Filho, de 90 anos. Foi uma das fontes principais da pesquisa de Rostand, que ainda contou com fontes bibliográficas e acesso a documentos oficiais da Marinha Americana.
De acordo com o historiador potiguar, a história referente a participação potiguar na Segunda Guerra Mundial é muito centrada em Natal e em Parnamirim. Nesse sentido ele buscou com o livro narrar fatos que aconteceram nas cidades do interior.
“Quedas de aviões aconteceram várias. Uma notória foi em Ipanguaçu, com um avião inglês, em que morreram três pessoas. No local do acidente a população colocou um cruzeiro que até hoje existe. Mas é fato que a maioria das quedas era no mar. Na praia de Muriú, por exemplo, caiu uma B-17”, lembra Rostand, que atenta para como cada localidade trata dessas memórias. “Em Natal e Parnamirim, como são cidades que se desenvolveram muito, essas histórias perderam um pouco de força. No interior, não. Você indo lá você vê que elas permanecem e são lembradas até pelos jovens”.
Nas 366 páginas de “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte”, o leitor vai se deparar com vários outros tipos de histórias. O autor detalha o fim da guerra a partir da ótica dos mossoroenses; traça o perfil do motorista do presidente Roosevelt em visita à Natal; descreve as manifestações políticas durante o período da Guerra. “As manifestações de rua eram muito expressivas. Luiz Maranhão era um dos mais inflamados”, diz Rostand. Outra história, uma das mais curiosas, é a de “Jock”, um papagaio potiguar adotado como mascote pelos americanos, chegando inclusive a voar nos combates nos céus da Europa. “Sobrevoo: Episódios da Segunda Guerra Mundial no Rio Grande do Norte” está a venda na livraria Cooperativa Cultural, na UFRN, e pode ser encontrado no valor de R$ 60,00.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário