Antônio
Vicente Mendes Maciel (Nova Vila de Campo Maior, 13 de
março de 1830 — Canudos, 22
de setembro de 1897), mais conhecido na História do Brasil como Antônio
Conselheiro, que se autodenominava "o peregrino",[1] foi
um líder religioso brasileiro.[2] Figura
carismática, adquiriu uma dimensão messiânica ao
liderar o arraial de Canudos, um pequeno vilarejo no sertão da Bahia, que atraiu
milhares de sertanejos, entre camponeses, índios e escravos recém libertos, e que foi destruído
pelo Exército da República na chamada Guerra
de Canudos em 1896.[3]
A imprensa dos
primeiros anos da República e muitos historiadores,
para justificar o genocídio[carece de fontes],
retrataram-no como um louco, fanático religioso e contrarrevolucionário monarquista perigoso.
No dia 14 de maio de 2019, a Lei 13.829/19 incluiu Antônio Conselheiro no Livro dos Heróis e
Heroínas da Pátria.[4]
Biografia[editar | editar código-fonte]
Infância e
vida no Ceará[editar | editar código-fonte]
Igreja do Bom
Jesus, em Crisópolis, Bahia, construída por Antônio Conselheiro.
Antônio
Vicente Mendes Maciel nasceu em 13 de março de 1830, na cidade de Quixeramobim,
então um pequeno povoado perdido em meio à caatinga do sertão central
da paupérrima província do "Ceará Grande". Desde o
início da vida, seus pais queriam que Antônio seguisse a carreira sacerdotal,[2] pois
entrar para o clero era
naquela época uma das poucas possibilidades que os pobres tinham para ascender
socialmente. Com a morte de sua mãe, em 1834, a meta de transformar Antônio
Vicente em padre tem seu fim. Seu pai casa-se novamente,[3] e
existem registros de que a madrasta espancava e maltratava o menino severamente[carece de fontes]. Em
1855 morre o pai de Antônio, e aos 25 anos de idade ele é obrigado a abandonar
os estudos e assumir o comércio da família. Malogram de vez quaisquer sonhos
sacerdotais. Estes negócios não vão nada bem, e mais tarde Antônio será
processado devido a não quitação de suas dívidas[carece de fontes].
A Revista
Ilustrada, de Angelo Agostini, veículo de propaganda republicana
durante o Império, retratava Conselheiro de forma caricatural, com
séquito de bufões armados com velhos bacamartes,
tentando "barrar" a República.
Exemplo de como a imprensa da época reagiu ao messianismo.
Em 1857
Antônio casa-se com Brasilina Laurentina de Lima, jovem filha de um tio seu. No
ano seguinte, o jovem casal muda-se para Sobral, onde
Antônio Vicente passa a viver como professor do primário, dando aulas para os
filhos dos comerciantes e fazendeiros da região, e mais tarde como advogado prático,
defendendo clientes em troca de pequena remuneração. Passa a mudar-se
constantemente, em busca de melhores mercados para seus ofícios; primeiro vai
para Campo Grande (atual Guaraciaba do Norte),[2] depois Santa
Quitéria e finalmente Ipu, então um pequeno povoado localizado na divisa entre os
sertões pecuaristas e a fértil Serra
da Ibiapaba. Em 1861 ele flagra a sua mulher em traição conjugal com
um sargento de polícia, em
sua residência na Vila do Ipu Grande. Envergonhado, humilhado e abatido,
abandona o Ipu e vai procurar abrigo nos sertões do Cariri, já naquela
época um pólo de atração para penitentes e flagelados, iniciando aí uma vida de
peregrinações pelos sertões do nordeste.[3]
Peregrinações[editar | editar código-fonte]
Em Sergipe, em
1874, o jornal O Rabudo traz a primeira menção pública de Antônio Maciel como
penitente conhecido nos sertões:
Há seis meses
que por todo o centro desta Província e da Província da Bahia, chegado (diz
ele) do Ceará, infesta um aventureiro santarrão que se apelida por Antonio dos
Mares. O que, a vista dos aparentes e mentirosos milagres que
dizem ter ele feito, tem dado lugar a que o povo o trate por S. Antônio dos
Mares. Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa azul que lhe
serve de hábito a forma do de sacerdote, pessimamente
suja, cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma
espantosa multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez
desbotada e de pés nus; o que tudo concorre para o tornar a figura mais
degradante do mundo.[5]
Já famoso como
"homem santo" e peregrino, Antônio Conselheiro é preso em 1876 nos
sertões da Bahia, pois corre o boato de que ele teria matado mãe e esposa. É
levado para o Ceará, onde se conclui que não há nenhum indício contra a sua
pessoa: sua mãe havia morrido quando ele tinha seis anos. Antônio Conselheiro é
posto em liberdade e retorna à Bahia.[2]
Em 1877,
o Nordeste do Brasil passa pela Grande
Seca, uma das mais calamitosas secas de sua
história; levas de flagelados perambulam famintos pelas estradas em busca de
socorro governamental ou de ajuda divina; bandos armados de criminosos e
flagelados promovem justiça
social "com as próprias mãos" assaltando fazendas e pequenos
lugarejos, pois pela ética dos desesperados "roubar para matar a fome não
é crime". Cresce a notoriedade da figura de Antônio Conselheiro entre os
sertanejos pobres; para eles, Antônio Conselheiro, ou o "Bom Jesus",
como também passa a ser chamado, seria uma figura santa, um profeta enviado
por "Deus"
para socorrê-los.
Com o fim
da escravidão, em 1888, muitos ex-escravos, libertos e
expulsos das fazendas onde trabalhavam sem ter então nenhum meio de
subsistência, partem em busca de Conselheiro.
Arraial de
Canudos[editar | editar código-fonte]
Em 1893,
cansado de tanto peregrinar pelos sertões e então sendo um "fora da
lei", Conselheiro decide se fixar à margem Norte do Rio
Vaza-Barris, num pequeno arraial chamado Canudos.[6] Nasce
ali uma experiência extraordinária: em Belo Monte (como a rebatizou Antônio
Conselheiro, apesar de encontrar-se em um vale cercado de colinas), os
desabrigados do sertão e as vítimas da seca eram recebidos de braços abertos
pelo peregrino, era uma comunidade onde todos tinham acesso à terra e ao
trabalho sem sofrer as agruras dos capatazes das fazendas tradicionais. Um
"lugar santo", segundo os seus adeptos. Durante o período em que
liderou o povoado de "Belo Monte", escreveu os "Apontamentos dos
Preceitos da Divina Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo, para a Salvação dos
Homens",[7][8] que
consiste de uma coletânea de reflexões sobre temas diversos, de matiz
fundamentalmente religioso.
O lugar atraiu
milhares de agricultores pobres, índios e escravos recém-libertos, que
começaram a construir uma comunidade igualitária inspirada
no exemplo da doutrina Católica. Por meio do trabalho
comunitário, conseguiu-se que ninguém passasse fome.
Tratava-se de uma comunidade rural, com uma economia autossustentável, baseada
na solidariedade. A religião era um instrumento da
libertação social[9].
A Guerra de
Canudos[editar | editar código-fonte]
Ver artigo principal: Guerra
de Canudos
Em 1896 ocorre
o episódio que desencadeia a Guerra de Canudos: em 24 de novembro desse ano, é
enviada a primeira expedição militar contra Canudos, sob comando do Tenente
Pires Ferreira. Mas a tropa é surpreendida pelos fiéis de Antônio Conselheiro,
durante a madrugada, em Uauá. Após um combate corpo a corpo são contados mais
de cento e cinquenta cadáveres de conselheiristas. Do lado do exército morreram
oito militares e dois guias. Estas perdas, embora consideradas
"insignificantes quanto ao número" nas palavras do comandante,
ocasionaram o retiro das tropas.[10] Em
29 de dezembro de 1896 tem início uma segunda expedição militar contra Canudos.[3] Assim
como a primeira, esta expedição foi violentamente debelada (vencida) pelos
conselheiristas.
No ano
seguinte tem início a terceira expedição contra Canudos; comandada pelo
capitão Antônio Moreira César, conhecido como "o
Corta-Cabeças", por suas façanhas na Revolução Federalista, no Rio
Grande do Sul. Mas, acostumado aos combates tradicionais, Moreira César não
estava preparado para eliminar Canudos, e foi abatido por tiros certeiros de
homens leais a Antônio Conselheiro. A tropa foge em debandada, deixando para
trás armamentos e munição.
Para os conselheiristas, trata-se de uma prova cabal da santidade do beato de Belo
Monte. Em 5 de abril de 1897 tem início a quarta e última expedição contra
Canudos; desta vez o cerco foi implacável; até muitos dos que se rendiam foram
mortos; eliminar Canudos e seus habitantes tornou-se uma questão de honra para
o exército.[3]
Morte[editar | editar código-fonte]
Em 22 de
setembro de 1897, morre Antônio Conselheiro. Não se sabe ao certo qual foi a
causa de sua morte. As razões mais citadas são ferimentos causados por
uma granada, e uma forte "caminheira" (disenteria).
Em 5 de
outubro de 1897 são mortos os últimos defensores de Canudos, e o exército
inicia a contagem das casas do arraial. No dia seguinte o cadáver de Antônio
Conselheiro é encontrado enterrado no Santuário de Canudos, sua cabeça é
cortada e levada até a Faculdade de
Medicina de Salvador para ser examinada pelo Dr. Nina
Rodrigues, pois para a ciência da época, "a loucura, a demência e o
fanatismo" deveriam estar estampados nos traços de seu rosto e crânio (ver: frenologia).
O arraial de Canudos é completamente destruído.
Em 3 de março
de 1905, um incêndio na antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em
Salvador (BA), destrói a cabeça de Antônio Conselheiro, que lá se encontrava
desde o final da guerra de Canudos, em outubro de 1897.
Suposta
loucura[editar | editar código-fonte]
O diagnóstico
de louco, mais especificamente de portador de uma Psicose sistemática
progressiva (termo equivalente ao delírio crônico
proposto por Magnan) e a paranoia dos
italianos, (referindo-se à Eugênio
Tanzi e Gaetano Riva) por uma célebre autoridade sanitária da época, o
Dr. Nina Rodrigues (1862 - 1906), no qual se
fundamentaram os escritos da época (inclusive de Euclides
da Cunha), ainda hoje se constitui como um entrave para o reconhecimento de
seu mérito como líder comunitário responsável pela organização de mais de 24
mil pessoas em um ambiente extremamente adverso (Martins [11])
e até mesmo como um homem religioso com verdadeiros ideais cristãos.
A pecha
de loucura e fanatismo religioso com os conceitos da
época de psicologia social inspiradas na obra
de Gustave Le Bon (1841—1931) também são
responsáveis por toda uma lógica de interpretação das revoltas sociais como
ocasionadas por influência de uma personalidade psicopática,
a insanidade moral proposta por Henry
Maudsley (1835–1918), num ambiente de ignorância, pobreza ou
degenerescência tal como se designava na época, incluindo entre esses fatores
psicossociais características biológico raciais. (ver Rodrigues [12])
Memorial
Antônio Conselheiro[editar | editar código-fonte]
Há dois centros
culturais relacionados a Antônio Conselheiro e à Guerra de Canudos. Um
localizado em Quixeramobim no interior do Ceará, conta a história
de seu filho ilustre, e está situado no centro da cidade. O imóvel, tombado
pelo Ministério da Cultura em 2006, foi a casa em que Antônio Conselheiro
nasceu e viveu até os seus 27 anos de idade. Após o tombamento, foi criado no
local a Casa de Cultura e Memorial do Sertão Cearense.[13] O
outro centro cultural está situado em Canudos, Bahia,
criado pelo Decreto 33.333, de 30 de junho de 1986, (publicado no Diário
Oficial de 1º de julho) mantido e administrado em parceria com a UNEB.
Lenda[editar | editar código-fonte]
Com o passar
do tempo, a casa de Antônio Conselheiro em Quixeramobim foi se tornando palco
de contos
de assombração. Acredita-se na cultura popular, que a casa abriga espíritos
e que existem tesouros enterrados em vasos de barro. Essas histórias passaram a
fazer parte do folclore local.[14]
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