Por Honório de Medeiros
Honório de
Medeiros, Bárbara e Manoel Severo
O coronelismo
e o cangaço, tão característicos de certo período histórico do Sertão
nordestino brasileiro, mais precisamente de meados do século XIX a meados do
século XX, são manifestações do Poder, de como ele é obtido, mantido e até
mesmo combatido, em intrincada trama, ao longo do processo histórico.
A forma como o
Poder é instaurado diz respeito a fatores circunstanciais, tais quais o avanço
tecnológico ou cataclismos ambientais, mas a essência, qual seja a presença da
imposição da vontade de alguns sobre outros, permanece a mesma desde que o
Homem surgiu na face da terra.
As narrativas
acerca do coronelismo e cangaço devem ser analisadas levando-se em consideração
o fator de "ocultamento" próprio da atuação dos que detêm o Poder.
Nesse sentido, escrever, dizer, omitir, acrescer, manipular, enfim, tudo isso e
mais, cumprem o papel de narrar como os fatos ocorreram a partir da perspectiva
de quem pode impor sua percepção das coisas e dos fenômenos, em detrimento da
verdade.
Bando de
Lampião em Limoeiro do Norte, CE em 1927
Sempre
tratamos o coronelismo e o cangaço pelo “como” os fatos aconteceram, até mesmo
de forma folclórica, no sentido negativo do termo, mas precisamos nos indagar
acerca de suas causas e intenções e suas relações com o Poder. Quem critica o
estudo do Cangaço, mesmo de forma oblíqua, tratando-o como algo menor dentre os
epifenômenos da cultura sertaneja, hostiliza a História e não entende o que é o
Poder.
Não houve
manifestações violentas do Coronelismo no Sertão nordestino sem um
entrelaçamento com o banditismo rural; não houve Cangaço sem Coronelismo.
Acrescentemos a esses ingredientes o fanatismo messiânico e teremos um
ponto-de-partida concreto e verossímil para a real história da época dos
coronéis e cangaceiros. O ponto-de-partida é o cangaceiro, começando com
Jesuíno Brilhante, o primeiro dos grandes, a história dos coronéis do Cariri
cearense, e a vida do mítico Padre Cícero do Juazeiro.
No Rio Grande
do Norte é difusa, porém persistente, a concepção de que seus coronéis eram
homens afastados da violência, bem como é persistente a concepção de que o
cangaço, excetuando a invasão de Apodi, por Massilon, e Mossoró por Lampião,
tratados como “pontos fora da curva”, pouca relevância teve em nosso Estado.
Arte de
Eduardo Lima
São
"esquecidas" as relações dos coronéis com José Brilhante, o “Cabé”; a
do Coronel João Dantas com Jesuíno Brilhante; a invasão de Martins; a invasão
de Apodi e sua relação com coronéis apodienses; a invasão de Mossoró e sua
relação com coronéis paraibanos e cearenses; a morte de Chico Pereira e sua
relação com o coronelismo paraibano e potiguar. O mesmo ocorre quanto a
“hecatombe de 1918” em Pau dos Ferros, verdadeira briga entre coronéis
potiguares, semelhante àquelas travadas entre seus congêneres do Cariri
cearense.
As invasões de
Apodi e Mossoró são indissociáveis, e se constituem em epicentro de um processo
político que durou aproximadamente dez anos, terminando tragicamente na famosa
eleição de 1934-1935, na qual houve o assassinato do Coronel Chico Pinto e o de
Otávio Lamartine, filho do ex-governador Juvenal Lamartine, e dizem respeito a
disputas políticas entre famílias senhoriais do Sertão paraibano e potiguar.
Todas essas
atividades violentas protagonizadas por cangaceiros estão conectadas com o
coronelismo. Todas elas são faces da disputa pelo Poder Político.
O cangaço, por
si somente, é a história do último suspiro dos desbravadores do Sertão
nordestino, nossos ancestrais, aqueles mesmos que disputaram a terra contra
índios ferozes, palmo a palmo, sangue a sangue, a ferro e fogo, numa guerra
longa, cruel e esquecida por todos. A guerra dos bárbaros.
O cangaço é a
história de homens que resolveram se vingar de uma injustiça; de homens que não
aceitaram ser escravos e optaram por fazer das armas meio-de-vida; de homens
que optaram por sobreviver SEM LEI E SEM REI, em uma liberdade absoluta, uma
liberdade de fera, aquela liberdade anterior ao surgimento do Estado, da qual
nos falou Hobbes em O Leviatã.
O cangaço é a
história de rebeldes, certos ou errados. Podemos subjugar rebeldes. Podemos
condenar rebeldes. Podemos matar rebeldes. Mas não podemos impedir que a
memória de suas existências nos provoque. Podemos não aceitar os rebeldes, mas
podemos tentar compreendê-los, tenham sido cangaceiros, coronéis, ou fanáticos,
e em os compreendendo, aprendermos as lições da história.
Honorio de
Medeiros, pesquisador e escritor
Conselheiro
Cariri Cangaço
Natal-RN
23/11/2019
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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