Por João de Sousa Lima
Manuel Araújo Lima, “Seu Novinho”, nascido em 13 de dezembro de 1926, é mais um dos sertanejos nascidos às margens do Riacho do Navio, em Conceição, hoje pertencente a cidade de Flores, Pernambuco.
Toda essa ribeira Pernambucana foi sempre passagem de cangaceiros. O pai de Seu Novinho era o senhor Luiz Gonçalves de Lima, apelidado por “Luiz Maroca”, que foi em sua infância e juventude, grande amigo do cidadão Félix, que viria a ser o famoso cangaceiro Félix da Mata Redonda.
Maroca era casado com Amélia.
Certa vez apareceu Lampião na casa de Maroca. O cangaceiro vinha com mais de vinte componentes em seu grupo, entre eles seus irmãos Antônio e Livino. Em frente à casa de Maroca, quando Lampião o avistou, já trazendo informação quem era o dono daquele roçado, perguntou:
- É aqui a casa de Manuel Araújo?
- É sim, tá falando com ele!
Nesse momento o cangaceiro Félix da Mata Redonda olhou e disse:
Que Manuel Araújo que nada, ai é meu amigo Luiz Maroca, assim eu não ia nunca saber que era você. Os dois se abraçaram. Luiz indagou a Félix:
- Mais Félix, que vida miserável é essa?
- Essa é que é a vida do homem, respondeu Félix!
Os cangaceiros foram se achegando e Lampião perguntou:
- Luiz tem ai um boi pra nós?
- Tenho sim!
- Então mate um hoje à noite que amanhã eu trago alguém pra tratar e te pagar!
Os cangaceiros foram procurar um local para se arranchar e Luiz passou a noite temendo a chegada da polícia. Alta madrugada, Luiz, sem conseguir dormir, foi matar o boi e ele mesmo retalhou o animal e cozinhou uma parte. Ao amanhecer Lampião retornou com seu grupo e já encontrou uma parte do animal pronto para comer.
Lampião pagou o boi e levaram para servir de alimento durante o trajeto, no caminho que estavam viajando.
Tempos depois, Lampião, mais uma vez apareceu na casa de Maroca e nesse dia encontrou a esposa Amélia sozinha, a mulher não pôde esconder o medo. Lampião a mandou se tranquilizar, dizendo que ninguém faria nada de mal contra ela e seus filhos. Nesse dia Lampião estava montado em um cavalo que era de Teodório, tio de Amélia. Pouco tempo depois Maroca chegou em casa e foi conversar com Lampião. O cangaceiro perguntou:
- Maroca você tem aí uma coalhada pra dar a esse meu povo?
- Tenho sim!
A coalhada foi servida. Depois os cangaceiros entraram no roçado de milho e vieram com várias espigas que assaram e comeram. Passaram a noite farreando e um cangaceiro tocando vialejo (realejo ou gaita de boca).
Quando o dia amanheceu o cangaceiro Antônio, irmão de Lampião, perguntou se Maroca teria uma rede pra emprestar a ele e Maroca foi buscar e quando a entregou ao cangaceiro, Antônio falou:
- Arme a rede Maroca!
- Armo nada, pois se ela cair você vai se queixar de mim!
Antônio riu e foi armar a rede. Os cangaceiros descansaram e depois seguiram rumo ignorado.
Dias depois Lampião apareceu outra vez na roça de Maroca e aproveitando a oportunidade, o sertanejo foi conversar com o cangaceiro. Nessa conversa, Maroca aproveitou da amizade com o afamado chefe de grupo e pediu:
- Lampião eu tenho um cunhado chamado Aristides e ele tem uma desavença com seu tio Zé Paulo e eu gostaria que o senhor não fizesse mal nenhum a ele!
- Deixa de besteira Maroca que briga de vaqueiro se acaba no mato!
A palavra dada era honra empenhada. Aristides nunca sofreu nenhum mal por nenhum cangaceiro.
Nas imediações das terras de Maroca existiam mais dois coiteiros que davam segurança a Lampião, o Galdino Leite e Dorotheu do Ingá. Em uma das passagens de Lampião, ele mandou Galdino ir às fazendas de Manuel Rodrigues e Neco Pinto buscar dinheiro e assim ele fez. Dias depois a polícia passou na casa de Galdino e o espancou durante horas.
O grupo de Lampião mais uma vez pisou o terreiro de Maroca e dessa vez só estava em casa Leopoldina, que trabalhava na residência e era meio amalucada. A mulher correu e deixou a casa abandonada. Os cangaceiros Chá Preto e Zé de Delfina foram vasculhar os baús. Lampião mandou que os cangaceiros saíssem de dentro do casebre e todos ficaram aguardando o dono chegar a sua morada pra servir alguma coisa para os cangaceiros matarem a fome.
Maroca recebeu uma missão de Lampião, trazida por seu tio Zé Paulo, que era pra ele ir arrecadar com uns fazendeiros locais, uma quantia em dinheiro, pois Lampião estava precisando e esperando. Maroca arrecadou e mandou o valor estipulado por Lampião, entregando o montante a Zé Paulo. O tempo passou e um dos cangaceiros que conhecia bem Maroca, passou em sua casa e disse:
- Maroca Lampião vai te matar, pois você não mandou o dinheiro que ele pediu!
Maroca passou dias angustiados e se valeu da amizade com Félix da Mata Redonda e pediu pra que ele o levasse com segurança até a presença de Lampião. Félix o levou e quando chegaram em uma residência onde eles estavam arranchados, Félix foi falar com Lampião e voltou e deu a noticia:
- Ele tá ali dentro escrevendo uma carta e vem já falar com você!
De repente Lampião apareceu na porta, desceu o batente e foi na direção de Maroca.
- É segredo o que você quer falar comigo Maroca?
- É sim!
- Eu mandei o dinheiro que o senhor pediu e soube que o senhor quer me matar!
- Eu não mandei pedir nenhum dinheiro a você! E como vou te matar?
- Foi seu tio Zé Paulo que falou!
- Se preocupe não que vou resolver, pode ficar tranquilo!
- Eu até trouxe outro dinheiro caso o senhor precise!
- Guarde aí com você que está bem guardado!
Maroca retornou pra casa, pro calor de sua morada, para o amor de Amélia. Morreu já velho, cuidado pelo filho Manuel Novinho.
Quando criança o Manuel Novinho via em sua casa os cangaceiros, passando em seu terreiro os homens de alpercatas ferradas que deixaram marcas profundas nas areias das caatingas diversas do nordeste.
Hoje, 17 de outubro de 2019, eu, Flávio Motta, Marta Tavares, Edileusa Pires e Fabiane Guerra, equipe do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso e Casa da Cultura de Paulo Afonso fomos conversar com Manuel Novinho.
Com seus 93 anos de vida, Manuel Novinho relembra fatos, recorda momentos, conta histórias, encanta quem o ouve. Dele e de seu filho Climério, um amigo de longas datas e um dos mais produtivos agentes culturais da região, ganhei de presente um pequeno punhal que os cangaceiros deixaram em suas terras pernambucanas.
Os fatos marcantes que assinalaram a trajetória de sua família nuca deixaram de povoar suas recordações, nunca fugiram de suas falas.
História oral de importante valor para a compreensão de um episódio que tão profundamente marcou a história do nosso povo Nordestino.
João de Sousa Lima
Membro do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso
Membro da SBEC – Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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