No fim do
século 19, o Cangaço era um movimento social contra a pobreza, até que tudo
mudou nas mãos de Lampião.
ANDRÉ
NOGUEIRA PUBLICADO
Jesuíno e
Corisco - Reprodução
No final do
século 19, nasceram diversos grupos de bandoleiros que transitavam pelo sertão
como criminosos, combatendo o poder dos coronéis e recrutando os mais carentes
aos seus bandos. O cangaço — formado por bandidos que fazem parte do imaginário
nordestino até hoje — mudou bastante através das décadas.
Muito do que
se conhece e se fala do cangaço é equivalente ao que foi o começo do fenômeno,
representado por Jesuíno Brilhante. Mas a figura mais famosa do folclore
nordestino, o capitão Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi um importante
ponto de virada do fenômeno.
Lampião
dominou o Nordeste a ponto de quase formar um império, e mudou muito as
práticas conhecidas do cangaceirismo, como o auxílio aos populares e o combate
aos coronéis. Essas mudanças fortes foram transmitidas ao seu sucessor,
Corisco, o último grande cangaceiro.
Entenda as
grandes diferenças do mundo do cangaço, do início ao fim, quando o governo
federal realmente conseguiu investir no combate aos
bandoleiros.
Entrada no
Cangaço
Jesuíno
Brilhante: Jesuíno Alves de Melo Calado era filho de fazendeiros do Rio
Grande do Norte. Um dia, em 1871, seu irmão, que transitava na cidade de Patu,
foi acusado e duramente agredido por homens que o acusavam de ter roubado uma
cabra que, porém, lhe pertencia. Após o caso, Jesuíno entrou para a vida de
bandoleiro como forma de combater a injustiça contra os menos poderosos.
Corisco: Na
época em que o cangaço já era mais disseminado, muitos o viam como forma de
fugir de sua vida anterior. Cristino Gomes da Silva Cleto, aos 17 anos, entrou
em uma briga com um homem protegido pelos coronéis de Água Branca (Alagoas) e
acabou matando-o. Fugindo da cadeia e da vingança dos coronéis, entrou para o
grupo de Lampião sob
o nome de Corisco (ou o apelido Diabo Louro).
Representação
de Jenuíno / Crédito: Reprodução
Relação com a
riqueza
Jesuíno: Para
Jesuíno, a maior parte da riqueza foi roubada do trabalho honesto dos mais
pobres, enquanto os mais ricos se corrompiam com o poder que criavam em volta
do próprio dinheiro. Dentro da filosofia do Cangaço, ele era visto como o
gentil-homem, ou seja, vivia de roubos que, depois de afugentada a polícia,
eram repartidos entre os mais pobres. É a partir da ação de Jesuíno que o
banditismo ganhou a fama de Robin Hood sertanejo.
Corisco: Assim
como Lampião, Corisco tinha grande apreço pelas posses dos ricos, roupas
elegantes, armas de qualidade, produtos importados e ostentação. Por isso,
muitas das pilhagens realizadas por seu bando ficavam em meio ao próprio bando,
que usava do dinheiro roubado para melhorar de vida e adquirir produtos nas
cidades. Corisco, por exemplo, adorava um perfume importado que se vendia nas
capitais. Pouco desse dinheiro realmente retornava aos mais pobres.
Corisco /
Crédito: Wikimedia Commons
Aliança com
coronéis.
Jesuíno: Os
coronéis eram vistos pelos cangaceiros como donos da terra e inimigos do bem
estar do povo, pois seu poder de mando e desmando afetava diretamente a
tentativa dos sertanejos de manterem sua vida tranquila. Por isso, Jesuíno
Brilhante se posicionava como inimigo dos coronéis, por ser aliado do povo do
sertão, dos posseiros, jagunços, agricultores e caminhantes.
Jesuíno era
famoso por roubar comboios de alimentos que seriam vendidos pelos coronéis e
distribuir entre os populares. Também foi responsável, entre 1871 e 1879, pela
criação do Estado paralelo sertanejo, que fundou uma sociedade livre de
coronéis.
Corisco: Esse
cangaceiro sabia que, entre coronéis, havia diversas desavenças. Se utilizando
das disputas internas entre as fazendas, Corisco seguiu a tradição lampeônica de
aliança com coronéis como forma de combater outros e, assim, conseguir
benefícios — como suporte de armas importadas ou lugar para acampar de modo
seguro.
Muitas vezes,
os bandos de Corisco foram usados para a segurança de algum coronel que tinha
inimizades com inimigos comuns dos cangaceiros.
Virgulino
Ferreia, o Lampião / Crédito: Wikimedia Commons
Código de
Conduta
Jesuíno: A
posição de Jesuíno era sempre a de apelar para a violência contra o coronel e a
educação para com o povo, com o objetivo também de aprender o que desconhecia
com os sertanejos comuns. Jesuíno teve uma educação privilegiada, mas, em ação,
tentava ao máximo se aproximar da conduta de um agricultor comum, não assumindo
uma posição de autoridade moral, mas a de mais um entre os oprimidos do sertão.
Corisco: As
condutas de Corisco eram muitas. Principalmente porque, na cidade ou nas
grandes fazendas, o homem alto de cabelos loiros fazia uma verdadeira pose de
nobre, tentando passar a ideia de que possuía alguma superioridade intelectual.
Ao mesmo tempo, era um homem extremamente violento com suas vítimas e uma
pessoa marcada pela ironia e pela brincadeira, além do sadismo, em horas
inoportunas.
A História de
Jesuíno é contada em vários cordéis / Crédito: Reprodução
Diversão
Jesuíno: Ele
aprendeu muito com a população que tentava proteger e, além das cantigas de
roda e das brincadeiras em grupo, também conheceu bem jogos populares da época,
brinquedos, jogos de palavra e três-marias. Aprendendo a viver de forma
humilde, Jesuíno conheceu diversas atividades lúdicas que não exigiam muitos
materiais e o integravam à comunidade.
Corisco: Na
linha da vontade de ostentar e ter do bom e do melhor, Corisco aproveitou muito
as inovações tecnológicas de sua época para se divertir. Andar de carro, jogar
plataformas analógicas — equivalentes de época dos videogames —, participar de
festas periódicas na cidade e usufruir de aparelhos eletrônicos em
recém-desenvolvimento eram algumas das formas de diversão do cangaceiro, além,
claro, de jogos de azar e a dança do xaxado.
Maria Bonita e
o bando se divertem / Crédito: IMS
Objetivos
Jesuíno: Seguindo
a imagem de Robin Hood do sertão, Jesuíno Brilhante tinha como principal
objetivo o combate às injustiças que o sertanejo sofria nas mãos do Estado e
dos ricos. Ou seja, o banditismo visava à luta contra os poderosos e a
recuperação das riquezas pelos mais pobres, vistos como frequentemente roubados
e injustiçados, apesar de sua constante honestidade.
Corisco: O
cangaço nunca deixou de ser um movimento social que visava à melhoria da vida
dos mais pobres. Porém, depois de Lampião, esse objetivo se tornou bastante
marginal, perdendo centralidade pela busca de poder pessoal.
Corisco tinha
como objetivo se tornar um homem poderoso, mas também buscava a queda dos
coronéis vistos como injustos e maldosos. A riqueza pessoal e a boa vida
isolada dos circuitos comuns da cidade eram os grandes movimentadores do
cangaço nos anos 1930.
Bando de
Corisco / Crédito: Reprodução
Violência
Jesuíno: Obviamente,
Jesuíno não era contra a violência. O banditismo dele aplicava sem grandes impasses
a violência na prática do roubo e do sequestro, além de que muitas violências
que hoje podemos apontar eram comuns e banalizadas no século 19.
Ao mesmo
tempo, algumas posições do grupo de Brilhante eram consideradas até
progressistas, como a proibição do estupro de mulheres ou a intransigência
contra a violência contra populações pobres. O uso das armas se continha ao
roubo contra coronéis.
Corisco: Algumas
características da conduta da violência foram comuns em todo o cangaço. Por
exemplo, a regra contra o estupro de mulheres se mantinha, mesmo que muitas
vezes ocorresse (segundo os lideres dos grupos, por amor). Porém, o trato com
as populações mais obres por Corisco era muito mais violenta do que o cangaço
do 19.
Quando a horda
de Corisco e Dadá tomava
uma pequena cidade, mesmo de pessoas com pouquíssima riqueza, a população era
tratada com a mesma violência usada contra comboios e trens dos homens ricos.
Muitas vezes, o bando de Corisco tratava com violência pessoas por pura
diversão.
Saiba mais:
Luiz Bernardo
Pericás. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica, São Paulo:
Boitempo, 2010.
Frederico
Pernambucano de Mello. Estrelas de couro: a estética do cangaço
citação, Recife: Ed. Escrituras, 2010.
Frederico
Pernambucano de Mello. Benjamin Abrahão - Entre Anjos e Cangaceiros, Recife:
Ed. Escrituras, 2012
Frederico
Pernambucano De Mello. Guerreiros do Sol - Violência e Banditismo No Nordeste
do Brasil, Recife: A Girafa, 1985.
Matheus,
Moura. Rei do cangaço e os achismos. Sociedade Amigos da Biblioteca
Nacional, Revista de História da Biblioteca Nacional. Fevereiro de 2012.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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