“Não sou
cangaceiro por maldade minha, mas pela maldade dos outros” Disse Lampião
quando foi entrevistado pelo jornalista José Alves Feitosa do Jornal “A
NOITE”, de Recife-PE. Essa entrevista foi publicada pelo Jornal Cearense “O
POVO”, no dia 04 de junho de 1928. Lá se vão 80 anos.
Claro que eu
não poderia deixar esse fato histórico passar desapercebido aqui no Cultura
Nordestina, então, fiz questão de reproduzir fielmente essa relíquia para
vocês!
Vale à pena ressaltar na entrevista, o estilo do português da época e o modo de vida do cangaceiro mais famoso de todos os tempos.
Confira
o arquivo
original que foi publicado no Jornal O POVO.
Episódios
romanescos da vida do quadrilheiro famoso
A reportagem de profunda sensação, que hoje inserimos, vai proporcionar aos leitores do Jornal A NOITE a oportunidade de ouvir a palavra de um quadrilheiro famoso, terror das polícias e flagelo das populações sertanejas.
A reportagem de profunda sensação, que hoje inserimos, vai proporcionar aos leitores do Jornal A NOITE a oportunidade de ouvir a palavra de um quadrilheiro famoso, terror das polícias e flagelo das populações sertanejas.
Os dados e as
informações sobre que escrevemos nesta reportagem, foram colhidos do próprio
Lampião pelo senhor José Alves Feitosa, que há semanas, no alto sertão, com ele
conversou demoradamente.
Oferecendo
à A NOITE essas notas interessantíssimas, o Sr. Feitosa,
ofertando-las, nós, aos nossos gentilíssimos leitores, a quem não queremos mais
poupar o prazer curioso de sentir um bocado da psicologia pitoresca e da vida
romanesca do jaguar terrível dos sertões.
No pé da serra
Caia sobre o
crepúsculo sobre o escampado árido e esbrazeado daquele recanto sertanejo do
estado do Ceará, ao pé da serra do Araripe: o engenho de rapadura Boa-Vista, a
cinco léguas da cidade de Missão Velha, quando o Sr. José Alves Feitosa ali
chegou.
Um crepúsculo
doloroso, sertanejo, manchando a paisagem de sombras e difundindo uma
melancolia por tudo... Gentis e acolhedores, os senhores de engenho o
receberam, prodigolisando-lhe o conforto de uma hospedagem, onde ele repousaria
de uma viagem exaustiva.
Ali foi que se
aproximou de Lampião. Este assomara, à porta, desarmado, fitando o
recém-chegado, que o interpelou logo:
- É o Capitão
Virgulino Ferreira?
- As suas ordens.
- Já o conhecia através de fotografias.
- Há! Foram esses retratos, de que o Sr. fala, que me inutilizaram. Se não tivesse deixado fotografar-me, seria desconhecido e já poderia ter desaparecido, sumindo-me no mundo, indo-me para longe, ganhar a vida tranquilamente, sem atribulação dessa angústia constante de ser perseguido...
- E o senhor é perseguido? Dizem na capital que a polícia...
- ... Não persegue porque sou amigo dos oficiais. É verdade, mas ainda assim, as traições, o Sr. compreende. No ano passado, Isaias Arruda, meu grande amigo, político cearense, surpreendeu-me numa localidade deste estado com um cerco policial terrível, de que me livrei não sei como. Estas causas são o que magoam... Uma traição, o diabo! Gosto dos oficiais e odeio os chefes de polícia. Não é verdade que eu haja emboscado, para matar ao Dr. Eurico de Souza Leão. Ignorava que esse chefe de polícia viajava, naquele tempo, pelo sertão. Se soubesse, com franqueza eu teria aventurado...
- Como foi
assassinado o seu irmão?
- É invenção, ele não foi morto. Está são, vivo e bolindo. Aquilo foi brincadeira só pra atrapalhar.
- E Sabino?
- A mesma coisa. Está vivo no Riacho do Navio, á frente de alguns homens. Vou encontrar-me agora com ele.
- Disse-me a pouco que se pudesse abandonaria o cangaço...
- Sim, porque eu não vivo a vida do cangaço por maldade minha. É pela maldade dos outros, dos homens que não tem a coragem de lutar corpo a corpo como eu e vão matando a gente na sombra, nas tocaias covardes. Tenho que vingar a morte dos meus pais. Era meninote quando os mataram. Bebi o sangue que jorrava do peito de minha mãe e, beijando-lhe a boca fria e morta, jurei vingá-la. É por isso que de rifle às costas, cruzando as estradas do sertão, deixo um rastro sangrento na procura dos assassinos de meus pais.
Adendo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
"O que Lampião falou sobre a morte da sua mãe não é verdade. Segundo os escritores e pesquisadores dona Maria Sulena da Purificação não foi assassinada por ninguém. Devido as pressões contra seus filhos e contra o patriarca da família o José Ferreira da Silva, ela não suportando enfartou e faleceu".
Continua Lampião: - Não ficou no
assassinato de meu pai e de minha mãe, a maldade dos homens, a quem deve a
sociedade responsabilizar pelos seus crimes. Os meus
inimigos, que não tem coragem de matar-me, assassinaram cruelmente os meus
parentes, como há pouco mataram uma tia minha e duas irmãs. É por isso que sou
cangaceiro. Não sei quando hei de deixar os horrores desta vida, onde o maior
encanto, a maior beleza seria extinguir a maldade daqueles que roubaram a vida
de minha mãe, de meu pai e de minhas irmãs.
Adendo:
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"Mortes das suas irmãs eu nunca ouvi falar que algumas delas foram assassinadas. Mas isso será comprovado com os escritores". -
Lembrando que eu não estou dizendo que não é real, apenas nunca tomei conhecimento.
Lembrando que eu não estou dizendo que não é real, apenas nunca tomei conhecimento.
Dizendo isso
Lampião afastou-se tomando o chapéu. Despediu-se de nosso informante. À porta,
um seu companheiro o arreou, isto é, entregou-lhe as cartucheiras e o
mosquetão, um fuzil Mauser cortado na extremidade do cano.
Apertando as
mãos hospitaleiras de Rosendo, o dono da rústica engenhoca, o monarca
sanguinolento dos sertões, tomou as estradas poeirentas para as incertezas de
seu destino.
Diante da
narrativa de Lampião cheia de episódios romanescos e impressionantes como
aquele em que há a cena comovente e soberba do juramento sobre a boca morta de
uma mãe, quem ousará atirar a primeira pedra sobre o quadrilheiro imortalizado
nas crônicas sangrentas do sertão?
A vida...
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