Uma das
precursoras dos movimentos pela conquista dos direitos das mulheres no Brasil
viveu um século antes da promulgação do voto feminino.
Dionísia de
Faria Rocha, que se tornaria conhecida pelo pseudônimo Nísia Floresta
Brasileira Augusta, nasceu em Papari, no interior do Rio Grande do Norte, em
1810.
Numa época em
que a vida das mulheres estava circunscrita basicamente à esfera doméstica,
como esposas e mães, Nísia foi um ponto fora da curva. Foi do Rio Grande do Norte
para Pernambuco, para o Rio Grande do Sul, para o Rio de Janeiro.
Viveu anos na
Europa, onde transitava por círculos de intelectuais com nomes como Almeida
Garret, Alexandre Herculano, Alexandre Dumas, Victor Hugo e Amandine Dupin -
que se apresentava como George Sand, pseudônimo masculino que usava para
assinar seus livros, algo que não era incomum naquela época.
Teve 15 livros
publicados e escreveu uma tradução livre da obra Vindication of the Rights of
Woman, da escritora inglesa Mary Wollstonecraft, intitulada Direitos das
Mulheres e Injustiça dos Homens.
Vanguardista,
Wollstonecraft chegou a publicar um livro em resposta aos escritos do filósofo
Jean Jacques Rousseau, que afirmava, em Émile, ou da Educação, que a mulher,
por ser intelectualmente inferior ao homem, deveria receber uma educação
superficial, com ênfase maior na educação moral.
Ainda que não
repetisse o discurso de rompimento da intelectual inglesa, Nísia defendia que
as mulheres tivessem acesso à mesma educação que os homens.
Foi professora
e fundou, em 1838, no Rio de Janeiro, um colégio para meninas com um currículo
que ia bem além das aulas de corte, costura e boas maneiras previstas na lei. O
programa do Colégio Augusto incluía latim, francês, italiano e inglês - tanto
gramática quanto literatura -, geografia e história.
Apesar de não
ter eliminado as aulas de "prendas femininas", o fato de dar às
meninas instrução bem mais ampla que o comum da época fez da escola alvo de
duras críticas dos jornais cariocas durante os 18 anos em que esteve em
funcionamento.
Na edição de 2
de janeiro de 1847 do jornal O Mercantil, um comentário sobre os exames finais
em que várias alunas haviam sido premiadas com distinção alfinetava:
"trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os
maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos". O trecho foi
destacado pela pesquisadora Constância Lima Duarte, professora da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), em sua tese de doutorado (Nísia Floresta: Vida
e Obra).
As escolas praticamente
não existiam no Brasil colônia, muito menos o ensino obrigatório - a educação
estava nas mãos da igreja Católica, que em seus conventos e seminários
lecionava a poucos alunos.
Com a vinda da
Corte para o Brasil, em 1808, o ensino começa a se difundir no país,
especialmente entre as famílias ricas, que costumavam contratar professoras
estrangeiras (francesas e portuguesas, principalmente) para que ensinassem aos
filhos dentro de casa.
A primeira
grande legislação sobre educação só é promulgada depois da independência, em
1827, durante o período do Primeiro Império. É ele que estabelece que o ensino
para meninos e meninas deveria ser diferenciado.
Em matemática,
por exemplo, os cursos para meninas só deveriam cobrir as quatro operações
básicas - somar, subtrair, multiplicar e dividir -; enquanto aqueles para
meninos incluíam geometria, frações, proporções, números decimais. A lei só
unificaria os currículos quase 30 anos depois, em 1854.
A pesquisadora
Mônica Karawejczyk, que há 15 anos estuda a questão do voto feminino no Brasil,
pontua que Nísia não chegou a defender o voto feminino.
"Ela
pedia outras coisas porque aquela era uma época em que a mulher não tinha
direito a quase nada. Só em 1827 tiveram direito ao ensino primário, e mesmo
assim não era igual [ao currículo masculino]."
A educação,
entretanto, é um grande catalisador das transformações que aconteceriam nas
décadas seguintes - e, por isso, o ativismo de Nísia e de outras mulheres nesse
sentido é considerado fundamental para os avanços que vieram depois.
"No momento em que a mulher tem acesso à educação, quando começa a ler, se instruir, começa a querer outras coisas: 'Por que ele tem direito e eu não tenho?', 'Por que ele pode fazer Medicina e eu não?' A partir daí, começa a haver uma maior conscientização sobre essas questões", ressalta a pesquisadora, autora do livro Mulher Deve Votar?: o Código Eleitoral de 1932 e a Conquista do Sufrágio Feminino Através das Páginas dos Jornais Correio da Manhã e A Noite.
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