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quinta-feira, 11 de maio de 2023

A SAGA DE CHICO CHICOTE E O FOGO DAS GUARIBAS

 Por Manoel Severo


Todos que pesquisam o fenômeno do cangaço, dedicam boa parte de suas vidas à intermináveis andanças nordeste à dentro e a fora; depoimentos, lembranças, mistérios, risos, lágrimas e muitas histórias, acabam sendo fundamentais na construção da memória daquele que foi um dos mais marcantes períodos de nosso sertão. Emoções se repetem a cada nova empreitada, amigos se reúnem, planejam, estudam, especulam, se cercam de cuidado, zelo e determinação, ao final: Fragmentos da história da vida de um tempo e de um lugar, começam a se formar.

Hoje trazemos mais uma vez um dos episódios mais marcantes da historiografia do cangaço...Uma das maiores tragédias acontecidas no sertão do Cariri foi sem dúvidas a que tombou um dos homens mais destemidos e valentes de toda região: Francisco Pereira de Lucena, o famoso Chico Chicote. Nascido em 7 de janeiro de 1879, filho mais jovem do Capitão Francisco Pereira de Lucena , se destacava dos demais irmãos pela rebeldia e total desapego á autoridade constituída. Homem de reconhecida força física, chamava a atenção por sua altura e feições alvas, e ainda, pela maneira de falar: falava sempre muito alto, quase aos gritos . Era uma figura singular e que só com o fato de sua presença, já incutia medo às pessoas.

Chico Chicote era tido como desordeiro contumaz; quando bebia quase sempre acabava se envolvendo em problemas. Por seu temperamento difícil ,já tinha sobre seus ombros vários crimes e um número sem fim de inimigos. Dentre esses se destacava a família Salviano, mentora da tragédia de Guaribas.Entre Chico Chicote e Lampião sempre houve um respeito mútuo , apesar da distância; Lampião que até ali não tinha inimigos no estado do Ceará, acabou sendo o álibi perfeito para o início da trama que daria cabo a vida de Chico Chicote.

Flagrantes de Visitas do Cariri Cangaço a Guaribas de Chico Chicote

Virgulino sempre que passava pelas terras do cariri cearense, vinha pelos lados de Jati, Porteiras, Brejo dos Santos , Jardim e Missão Velha, para as paragens do poderoso Cel Santana, da fazenda Serra do Mato. Em uma dessas oportunidades seus cabras acabaram matando e se alimentando de animais do rebanho do também coronel Pedro Martins de Oliveira Rocha, da fazenda Cacimbas de Brejo dos Santos. Diante do acontecido o líder cangaceiro mandou informar ao referido coronel que o autor do morticínio de seus animais teriam sido homens de Chico Chicote e não de seu bando.

Ato contínuo o Coronel Pedro Martins mandou chamar  à sua fazenda , Chico Chicote, que refutou as acusações, desmascarando a acusação infundada lhe imputada por Lampião. A partir dali nascia mais um inimigo de Virgulino Ferreira; o primeiro em terras do cariri cearense. 

Mesmo depois do incidente; pelo menos por duas vezes os coronéis do cariri tentaram a aproximação de Chico Chicote e Lampião; uma das vezes o próprio coronel Pedro Martins através de seu genro, Antonio Xavier, quis promover este encontro na fazenda Crioulo, também em Brejo dos Santos, Chico Chicote lá não apareceu. A outra oportunidade foi na Fazenda Serra do Mato do Coronel Santana, quando ao saber que ali se encontrava Sabino Gomes, Chico Chicote não desceu nem de seu cavalo. Era do conhecimento de todos a rixa entre os dois; entretanto foi a partir dessa rixa que se arquitetou o trágico fim de Chico Chicote.


Quando nos aprofundamos no episódio da morte de Chico Chicote, começamos a desvendar os meandros da  selvagem política dos primeiros anos da república velha. Na verdade uma espetacular trama envolvendo correntes políticas de alguns das principais cidades do cariri, viriam trazer um tempero especial ao combate de Guaribas. Explico: O irmão de Chico Chicote, era o prefeito de Brejo Santo, Quinco Chicote, e por muitas vezes precisou usar toda a força política e ainda amargar alguns desabores em função da ação truculenta do irmão rebelde. Em determinado momento lideranças de Brejo Santo enviaram telegrama ao Presidente do Ceará; Moreira da Rocha; com queixas contra Chico Chicote, e pediam providências às forças do estado. Ato contínuo o mandatário maior do estado designou a volante do tenente José Bezerra, estacionada em Jardim, para atender ao pleito lhe enviado.

Monumento em memória de Antônio Gomes Granjeiro

Na verdade começava ali o esboço de uma das maiores atrocidades da história do cariri. É importante mostrar outros personagens; ou, vítimas; desse bem tramado plano. Primeiro vamos nos deter em Antônio Gomes Granjeiro, de tradicional família sertaneja e amigo fiel de Chico Chicote; sua propriedade, o sítio Salvaterra; seria  a primeira parada da volante assassina de José Bezerra. O Tenente havia partido de Brejo Santo dizendo aos quatro ventos que iria em perseguição a Lampião, que de fato se encontrava ali perto, também na Serra do Araripe; Entretanto naquela madrugada do dia 1 de fevereiro de 1927, a volante seguiu direto para o sítio Salvaterra, com o intuito de efetivar o primeiro "acerto" daquela fatídica empreitada: Matar Antônio Gomes Granjeiro; crime encomendado pela família Salviano, inimiga de Chico Chicote e que se encontrava sob a proteção do poderoso Zé Pereira de Princesa.

Cercaram a casa de Antônio Gomes Granjeiro pouco antes do alvorecer, dali levaram o dono da propriedade e mais os companheiros, Louro, Joaquim de Barros e Aprígio, todos violentamente mortos, degolados e queimados, a poucos quilômetros de Guaribas. A primeira etapa da empreitada a que foi contratado Zé Bezerra, estava cumprida.

Mais uma vítima seria assassinada covardemente pelas costas nesta manhã tenebrosa de fevereiro, no cariri cearense. Antônio Marrocos (foto ao lado), o Nêgo Marrocos, era cobrador de impostos em Macapá, atual Jati, na época município de Jardim. Ali mantinha antiga rixa com lideranças políticas locais que aproveitaram a oportunidade para também "peitarem" o tenente Zé Bezerra e acabar com a vida do referido inimigo. Depois de passarem no Salvaterra, foram a casa de Marrocos e praticamente o induziram a acompanhar a malta "oficial" até a propriedade de Chico Chicote, uma vez que o mesmo mantinha boas relações com Marrocos. Era o começo da manhã daquele dia e ao se aproximarem de Guaribas, Zé Bezerra deixou o grosso da tropa, composta por cerca de 70 homens e partiu junto com Marrocos, o tenente Veríssimo e com o sargento Antônio Gouveia e ainda o corneteiro Louro, de encontro a Guaribas.

Quando os moradores de Chico Chicote avistaram o pequeno grupo, avisaram ao patrão: "É o Nêgo Marrocos!" Naquele momento o segundo "acerto" da empreitada seria efetivado: O tenente Veríssimo imediatamente disparou um tiro de revolver nas costas de Antônio Marrocos, que ainda permaneceu vivo por algumas horas no cenário do grande combate. Ao ouvir aquele primeiro tiro, Chico Chicote voltou rapidamente com os seus para dentro de casa; começava ali um dos mais ferozes combates da era do cangaço, em terras cearenses.

 Guaribas, testemunha muda da selvageria do sertão...

A manhã daquele primeiro de fevereiro de 27, avançava nas Guaribas. A força comandada pelo tenente José Gonçalves Bezerra, após o assassinato do grupo de Antônio Gomes Granjeiro em Salvaterra e Antônio Marrocos no terreiro de Chico Chicote, iniciava um dos mais terríveis cercos da história do cangaço.

De dentro de casa, acompanhado apenas pela esposa, Dona Geracina, da filha Josefa, do filho Vicente Inácio, e os cabras Sebastião Cancão e Mané Caipora; Chico Chicote numa das resistências mais célebres do sertão, sustenta uma verdadeira chuva de bala de seus oponentes, que mantinham Guaribas quase que totalmente cercada.

O tenente Zé Bezerra ordena avançar e antes mesmo que o corneteiro Louro pudesse fazer soar o instrumento, foi mortalmente atingido por um balaço vindo da arma de Sebastião Cancão. A fuzilaria se fazia ouvir por todos os recantos daquele sovaco de serra; Lampião estacionado a poucas léguas dali, no local chamado Malhada Funda, na serra do Araripe, ouviu o combate, mas não daria retaguarda a um inimigo confesso: Chico Chicote.

 Cariri Cangaço em Guaribas...

A refrega continuava feroz, de dentro da casa a reação dos sitiados era impressionante, chegando a dá a impressão que havia um verdadeiro exercito na defesa; dona Geracina e a filha Josefa se desdobravam na refrigeração e carregamento das armas; do lado de fora, dois moradores de Chico Chicote, Zé Francisco e Fiapo; chegavam e davam uma retaguarda, atacando a força volante pelos flancos e conseguindo algumas baixas na tropa de Zé Bezerra.

Na vila de Porteiras a repercussão do cerco a Guaribas já havia chegado. Os muitos amigos de Chico Chicote se organizaram para auxiliar na defesa do lugar, achavam que o mesmo estava sendo atacado por Lampião e seus homens e partiram para as Guaribas para atacar o cangaceiro. Eram dez horas da manhã quando o grupo partiu de Porteiras, entre os cerca de 50 homens sob o comando do cabo Cesário,dentre esses, um grande amigo de Chico Chicote, Antônio da Piçarra.

O grupo de Porteiras sustentava o fogo na defesa de Chico Chicote, pelas quatro da tarde o fogo recuou um pouco e Antônio da Piçarra chamou Chico Chicote para romper o cerco e vir se refugiar ao lado da tropa, no que foi rechaçado pelo sitiado, ele ficaria ali até a morte.

Uma hora depois, outro componente do plano , se evidenciaria. Chegava no campo de batalha a volante pernambucana de Arlindo Rocha e  a volante paraibana do tenente João Costa; a esses se somavam homens do poderoso Zé Pereira (foto ao lado), comandados por Sinhô Salviano, terrível inimigo de Chico Chicote e protegido do coronel de Princesa. Com a chegada do reforço das volantes o fogo intensificou, já eram mais de 10 horas de combate ferrenho, àquele momento o grupo de Porteiras percebeu que combatia forças policiais e não o bando de Lampião, supostamente atacante das Guaribas; ali, o grupo recuou e acabou deixando Chico Chicote entregue a seu próprio destino.

Depois de um fogo cerrado de 31 horas de bala e com apenas Manel Caipora, Sebastião Cancão e Vicente Chicote, cai a resistência de Chico Chicote que é encontrado morto, ainda em posição de tiro. Virgulino a tudo ouviu, pois estava a pouco menos de uma légua do acontecido, mas não participou: “Se fosse amigo ia da uma retaguarda...” teria afirmado o rei dos cangaceiros.

Manoel Severo
Curador do Cariri Cangaço
Fontes - Revista Itaytera  Volume 16 - Otacílio Anselmo; Cordel - A Tragédia das Guaribas, Maria do Rosário Lustosa da Cruz; entrevista Memorialista Napoleão Tavares Neves.

http://cariricangaco.blogspot.com/2017/02/a-saga-de-chico-chicote-e-o-fogo-das.html

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