Por: Geraldo Maia do Nascimento
Há uma corrente de estudiosos que defendem a tese de que Mossoró não surgiu em 1772 com a construção da Capela de Santa Luzia, como consta nos documentos oficiais, e sim setenta anos antes, na Ribeira do Upanema, fundada pelos frades carmelitas que ali habitaram. Particularmente discordo dessa corrente de pensamentos, por não encontrar sustentação nos poucos e confusos documentos existente sobre o assunto.
É muito perigoso contestar um fato histórico sem o embasamento documental. “A história é, sobretudo, uma lição moral. A realidade é a melhor mestra dos costumes, a crítica a melhor bússola da inteligência, por isso, a história exige sobretudo observação direta das fontes primordiais, pintura fiel dos acontecimentos, ao lado disso, a frieza impassível do crítico para coordenar, comparar, de modo impessoal, objetivando o sistema dos sentimentos gerados dos atos positivos”, como nos ensina o mestre Oliveira Viana. O que existe sobre a presença carmelita nas ribeiras do Upanema e Mossoró é o seguinte:
“A 26 de setembro de 1701 o Governador de Pernambuco, Capitão General Dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro, concede ao Convento do Carmo do Recife, terras que nunca tinham sido povoadas no rio Paneminha (Upaneminha ou Upanema), começando nas primeiras águas doces, por cima da salgada, até Olho d’Água que poderia distar três léguas para cada banda do rio”! Este registro é feito pelo historiador Luís da Câmara Cascudo, baseado em fragmentos históricos e tradição oral.
Dos documentos originais de doação das terras dos carmelitas na ribeira do Upanema, não sabemos do paradeiro. Já não se encontram no arquivo do convento, mas estão transcritos em “pública forma” no Livro de Tombo (do Convento do Carmo do Recife). O primeiro é o da página 107, que trata de duas carta de data e sesmarias de três léguas de terra de comprido e duas de largo, meia de cada lado do Rio Paneminha, começando nas primeiras águas por cima da salgada, até o Olho d’Água, sitas no Panema do Ceará e concedidas, a primeira, por um Capitão Mor do Ceará Grande, cujo nome e data se ignora e a segunda, a 1º de setembro de 1701, por Dom Fernando Martins Mascarenhas Lencastro, Governador e Capitão General de Pernambuco e mais Capitanias anexas.
Em 28 de fevereiro de 1706 os Carmelitas requereram um prolongamento de terrenos na mesma ribeira do Panema, dessa vez dirigindo-se ao Governador do Rio Grande, Sebastião Nunes Colares, que concedeu mais três léguas de terra rio abaixo, entestando com a que os religiosos carmelitas já tinham obtidos anteriormente. Este registro está na página 111 do referido Livro de Tombo.
Câmara Cascudo, em sua narrativa diz: “O Rio do Upanema toma nome de Rio do Carmo em seu trecho paralelo a uma serra, prolongamento da Chapada do Apodi, igualmente denominada Serra do Carmo, cerca de 30 Km a leste da cidade de Mossoró. Nessa serra, a tradição unânime fala da existência de “Igreja e Convento” (devia ser residência) dos frades carmelitas”.
Pelo exposto se deduz que os frades carmelitas foram os primeiros povoadores dessa região, instalando aqui uma fazenda de criação de gado. Não era uma missão catequizadora oficial. É ainda o mestre Cascudo quem afirma: “Esses carmelitas possuíam em 1740 três missões indígenas: duas na Paraíba (Baía da Traição e Preguiça e Mantemor, perto de Mamanguape) e uma no Rio Grande, em Gramació (Vila Flor), conforme registrado na página 20 do Livro de Tombo do Convento do Carmo”. Nada há, no Convento do Carmo, sobre o trabalho desempenhado pelos carmelitas em Mossoró. Esses religiosos instalaram-se e permaneceram na região denominada por eles mesmo de “Carmo”, de 1702 até 1845, trabalhando no campo e, com permissão dos párocos do Apodi, prestando assistência religiosa. Nos anos seguintes, outras sesmarias foram sendo concedidas na mesma ribeira e outras fazendas foram sendo instaladas, inclusive a Fazenda Santa Luzia, nas margens do Rio Mossoró, que já existia antes de 1739.
O fato dos carmelitas terem sido os primeiros habitantes da região não quer dizer que os mesmos foram os fundadores da cidade, nem tampouco que a mesma nasceu no Carmo. Com Natal aconteceu do mesmo modo. O marco zero da cidade, que indica o local de fundação, é na Praça André de Albuquerque, em frente à antiga Catedral. Foi ali que construíram a capela e fincaram o Pelourinho, símbolo do poder e da justiça, apesar dos portugueses já habitarem a região há quase dois anos, tendo inclusive construído um forte, o mesmo que se encontra ali até os dias atuais. Não é o Forte dos Reis Magos o marco zero de Natal; não é o Carmo o marco zero de Mossoró.
Mossoró surgiu ao redor da capela de Santa Luzia em 1772, erguida no pátio da fazenda do mesmo nome, nas margens do Rio Mossoró, por isso ficou sendo arraial de Santa Luzia do Mossoró, sendo emancipada como Vila do Mossoró em 15 de março de 1852, através da Lei nº 246, e elevada ao predicamento de cidade em 9 de novembro de 1870, através da Lei nº 620 da mesma data, passando a ser Cidade de Mossoró como permanece até os dias atuais.
A respeito da existência de uma casa de oração no lugar conhecido por “Igreja Velha”, entre Paredões e Barrocas, subúrbios dessa cidade, construída antes da capela de Santa Luzia, o Monsenhor Francisco de Sales Cavalcanti, historiador da Diocese de Santa Luzia diz: “ Esta casa de orações, apesar de ter sido construída de pedra e cal, foi, entretanto, coberta de palha de carnaúba pelo que se desmoronou, sendo depois reconstruída e no seu interior foram sepultados muitos cadáveres, como era costume nos tempos antigos, onde não havia cemitério. Até agora, porém, não se sabe quando nem por quem foi construída e muito menos se tem qualquer notícia de algum ato litúrgico. De 1767 até 1820 os frades carmelitas batizaram em diversos lugares. Nada na mencionada “Casa de Oração”. Não seria um simples oratório particular de uma família abastada, como existem muitos pelo interior?”
O frei Antônio da Conceição, administrador do Carmo, por muitos anos prestou serviços religiosos na região. Ao morrer, já velhinho, foi enterrado no interior da capela de Santa Luzia, como consta em documentos daquela Igreja. É muito pouco provável que se existisse um Convento no Carmo ou mesmo uma Igreja, seu corpo tivesse sido enterrado em outro local que não fosse no Carmo, principalmente sendo ele o administrador da fazenda. Devia ser, do mesmo modo da Igreja Velha, um oratório da casa dos padres do Carmo.
Os frades carmelitas desapareceram desta região em 1845. Porque teriam esses religiosos abandonado suas propriedades? Com quem ficaram os seus bens? Não se sabe até hoje.
Em 1810 Henry Koster, indo para o Ceará, atravessou o arraial de Santa Luzia, “The Village of St. Luzia”. Era um inglês nascido em Portugal e vivendo, desde 1809, em Pernambuco. Tuberculoso, fugia do inverno europeu mas vez por outra atravessava o Atlântico, regressando ao Nordeste, saudoso da terra cujo idioma falava fluentemente. Em Itamaracá, onde possuía engenho, era chamado de Henrique da Costa. Faleceu em 1820, no Recife.
Em 1810 Koster realizou uma jornada fabulosa, Recife a Fortaleza, ida e volta, a cavalo, varando o interior, olhando tudo e tudo registrando com clareza e verdade. “A 7 de dezembro de 1810, às 10:0h da manhã, chegamos ao arraial de Santa Luzia, que consta de duzentos ou trezentos habitantes. Foi edificada em quadrângulo, tendo uma Igreja e casas pequenas e baixas.” A descrição consta no livro “TRAVELS IN BRAZIL”, publicado em 1816 e traduzido para o português pelo historiador Luís da Câmara Cascudo com o título de “Viagens ao Nordeste do Brasil”. Nesse livro Koster descreve o arraial de Santa Luzia do Mossoró com bastante detalhe. Nada menciona sobre a existência de um convento ou outra capela que não fosse a Santa Luzia.
Não há documento nenhum sobre o trabalho que os carmelitas fizeram aqui em Mossoró a não ser o serviço religioso, tendo, para isso, que pedir autorização aos párocos de Apodi, a quem Mossoró era ligada. O próprio Convento do Carmo, de Recife, desconhece esse trabalho. O que ficou da presença dos carmelitas na ribeira do Upanema foram vestígios toponímicos: “Serra do Carmo”, onde estaria edificado o convento ou uma casa de residência; “Rio do Carmo”, que é a porção vizinha à serra do mesmo nome; “Frei Antônio”, nome de um dos frades; “Amaro”, talvez nome de algum religioso e “Lagoa dos Padres”.
Quando me perguntam se Mossoró teria nascido no Carmo, costumo responder que se isso fosse verdade, a cidade se chamaria Carmópolis, Cidade de Nossa Senhora do Carmo ou qualquer nome parecido, menos Mossoró, pois se assim se chama é por ela ter nascida nas margens desse rio.
Geraldo Maia do Nascimento
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