Por: Rangel Alves da Costa*
COMO MATAR BORBOLETAS
A que ponto o homem se desumaniza, se rebela contra si mesmo, se insurge contra as belezas da vida, se revolta contra os melhores sentimentos, e por tudo isso procura destruir a si mesmo e ao que encontra ao redor?
Aparentemente, não é coisa de gente normal sair por aí devastando canteiros, destruindo flores, matando borboletas e colibris. Só mesmo a insanidade para querer manchar a tela do entardecer, envenenar a nascente do rio de sua aldeia, erguer muros para impedir a passagem da brisa pela janela.
Seria um absurdo, mas tão verdadeiro como o espanto. Tem gente capaz de tudo, que só vive pensando negativamente, tramando destruições, agindo para que tudo dê errado na vida, torcendo para o pior acontecer.
E faz isto não só perante o mundo do outro como em desfavor do seu próprio mundo. Quem lentamente vai se autodestruindo, seja pelos vícios mundanos ou pela inatividade na preservação da saúde física e mental, certamente orgulha-se da destruição de tudo ao redor.
Tanto faz a vida como o viver. É daqueles que ajuda acumular o lixo nos bueiros e canais, destrói toda forma de vida que esteja no seu quintal ou ao seu alcance, sai por aí jogando bagulho nas ruas, riscando paredes, achando feio tudo que seja bonito.
Tanto faz como tanto fez que a floresta esteja sendo devastada, a natureza destruída, a poluição aumentando assustadoramente, os efeitos dos gases tóxicos se acumulando pelo ar e descendo destrutivamente perante as hortas, jardins e pomares.
O que seria então uma borboleta diante de tudo isso, diante do caos absorvido com gratidão e da satisfação com a má qualidade de vida sob todos os aspectos? O que seria de uma borboleta que inocentemente pousasse no ombro de gente assim, e bem no instante em que o mesmo estivesse de serra elétrica na mão para derrubar o flamboyant que ainda resta no canteiro?
Ora, borboletas são quase nada. São apenas pequenos insetos da ordem dos Lepidópteros, cujas espécies são diurnas e ao pousarem geralmente suas asas ficam em posição perpendicular ao corpo; são insetos alados diurnos, que têm asas membranosas comumente coloridas e se desenvolvem a partir de uma lagarta.
Borboletas são quase nada. Ou são seres cuja metamorfose – pois geradas a partir de lagartas – simboliza a transformação, o renascimento e a imortalidade? Ou um mistério tão profundo abarcando um ser disforme e rastejante para se transformar numa inigualável beleza esvoaçante?
Borboletas não são nada. E nada porque não há nenhuma beleza ou magia no seu passo alado, no seu voo matinal, na sua viagem ao entardecer, no seu pouso e repouso sobre as flores e frutos, na sua amizade com a natureza e a vida. Não há nada ali, nada, absolutamente nada. O que significam cores querendo sorrir?
Nada. E nada porque talvez suas cores sejam insignificantes, seus tons contrastantes não produzam nenhum genial efeito, suas diversas espécies são apenas imaginação do olhar que não aceita qualquer beleza, muito menos inigualável beleza. Mas não há nada ali, apenas uma borboleta soltando versos encantados na manhã sonolenta...
Talvez as borboletas não existam, sejam apenas metáforas. E se acaso existentes será preciso matá-las, destruí-las, dizimá-las. Mas como fazer para matar borboletas, se igualmente às lagartas que lhe deram vida, não morram, apenas se transformem em outros seres alados que continuarão voando alegremente pelo jardim?
Só há uma maneira de matar borboletas, e de modo que elas não se transformem nem renasçam em outras espécies. E é muito fácil fazer isso. Feche sua janela, apague sua luz, apenas sinta a escuridão sem adormecer. Elas podem voltar no sonho.
E no dia seguinte não abra a porta. Não abra nunca mais. O que não aprecia a vida, não vive plenamente a vida, não merece viver. E só mais uma coisa: borboletas também passeiam por cima de túmulos.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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