Por: João de Sousa Lima
Moreno e seu
grupo empreenderam uma viagem em direção á Santana do Ipanema, saindo das
proximidades da fazenda Lajeiro do Boi. No percurso, os catingueiros tiveram
que passar nos pastos, fazenda com o mesmo nome do local onde morreram
Eleonora, Serra Branca e Ameaça. Cícero Garrincha e Aristéia seguiam um pouco
na frente do grupo, atravessando as veredas, soltando sorrisos de
contentamento, curtindo a festividade da aparente gravidez, de poucos meses, da
cangaceira.
Moreno, sempre arisco, seguia concentrado no caminho e preparado para as surpresas que pudesse aparecer (e elas sempre apareciam ).
Apesar de cedo do dia, o sol alardeava seus raios trêmulos sobre a terra, castigando os galhos pontiagudos e as folhas secas da caatinga. Os cangaceiros riscavam com suas “percatas” ferradas, os empoeirados atalhos alagoanos.
Os risos de Aristéia disfarçava a triste dor que perpassava a condição de sofrimento da ida bandoleira do cangaço, feito sentença cumprida na solidão e no abandono dos carrascais poeirentos dos materiais lúgubres, que geravam as ações continua de fuga, onde se igualavam atacantes e atacados.
Um pouco mais na frente, fechando a passagem de vereda por onde seguiam os cangaceiros, soldados armavam uma emboscada. Escondidos e protegidos entre as pedras e as vegetações mais salientes, eles aguardavam o momento de atacar os inimigos.
Os cangaceiros seguiam em direção á armadilha, sem desconfiar da cilada armada. Poucos passos depois, na aparente serenidade da caminhada, tiros ecoaram, calando risos e gerando tumultos. Moreno e João Garrincha agacharam-se e retribuíram os disparos, colocando as mulheres em suas retas-guardas, longe dos possíveis ferimentos. Travou-se acirrado tiroteio.
Um pouco á frente de Moreno, um cangaceiro atingido pelos primeiro disparos, agonizava. Poucos segundos depois, o cangaceiro Zé Velho, apelidado de pontaria, dava seus derradeiros suspiros. Um pouco atrás de Zé Velho, Cícero Garrincha, o Catingueira, também tombava crivado por balas.
Aristéia avistou Cícero Garrincha se arrastando, procurando sair do raio de ação dos disparos realizados pelos policiais.
Aos poucos, o matraquear intermitente das armas foram ficando compassados. Os soldados foram silenciando seus armamentos e fugindo do campo de batalha. Zé Velho tombara morto, crivado pelas minúsculas ogivas de chumbo disparadas. Cícero Garrincha levantou-se depois de muito esforço. Suas roupas estavam completamente encharcadas de sangue. Moreno se aproximou de Cícero Garrincha e, junto com João Garrincha, o transportaram para um local mais seguro. Aristéia lembrou-se do velho ditado sertanejo: “Muito riso é prenúncio de muita dor”.
Os cangaceiros seguiram a trilha de volta, buscando socorrer o amigo que cambaleava apoiando nos ombros dos dois fiéis amigos. Com algumas centenas de metros, já exaustos, os cangaceiros pararam. Cícero Garrincha foi colocado em uma sombra e sua camisa foi aberta dando visão ao estrago causado pelo tiro. A caixa torácica foi parcialmente destruída pelos estilhaços de uma mortal bala. Os companheiros assustaram-se diante da visão do ferimento, onde viam o coração pulsando. A respiração ofegante do baleado expulsava jatos de sangue, pelo largo orifício da contusão. O cangaceiro pediu água, Moreno argumentou que água naquele momento causaria danos piores, podendo levá-lo rapidamente á morte. Durvalina tirou de dentro de um dos bornais um vidro de “saúde da mulher” um composto usado quando das cólicas menstruais. Um capucho de algodão foi ensopado por Durvalina na solução e passado nos lábios do moribundo cangaceiro, por seguintes vezes o chumaço de algodão foi embebido no remédio e aliviado a secura dos lábios de Cícero Garrincha, enquanto seu coração arquejava descompassado, expulsando sangue borbulhante cada vez que respirava, sendo assistido por olhares assustados com a gravidade da lesão. Moreno sabia que a morte do amigo era questão de tempo. Cícero Garrincha também pressentiu o momento difícil porque estava passando. Ao lado do cangaceiro, Aristéia chorava sua angústia. Moreno olhou nos olhos de catingueira e perguntou:
- O que você quer que eu faça com sua mulher?
- Faça o que Deus quiser! Se pudé deixe ela com a família!
- Eu deixo!
A respiração de catingueira foi ficando insuficiente, o sangue banhava cada vez
mais as mãos que segurava o corpo inquieto. O coração pulsava frágil e visível.
O cangaceiro apertou com a mão, o braço de Moreno, pendeu a cabeça pro lado e
expirou. As lágrimas rolaram nas faces angustiadas dos companheiros. João
Garrincha assistiu, contrariado, a morte do irmão. Aristéia chorou amargamente
sua perda, ostentando em sua barriga saliente, um órfão prestes a nascer.
Moreno cavou, junto com a ajuda dos amigos, uma cova rasa e enterrou o
companheiro, cobrindo a sepultura, com macambira e xique-xique cactáceos que
enfeitam a paisagem rara do Sertão Nordestino.
Os cangaceiros seguiram outro caminho, inverso ao que vinham seguindo, fugindo de mais uma desagradável surpresa que, por ventura, pudesse acontecer. Ao local do combate, Moreno retornaria quatro dias depois, encontrando só a carcaça do corpo decepado do cangaceiro pontaria. A policia levou a cabeça, deixando o corpo para servir de comida para os bichos famintos das caatingas.
CONTINUA...
João de Sousa
Lima é Escritor, pesquisador, autor de 09 livros. Membro da Academia de Letras
de Paulo Afonso e da SBEC- Sociedade Brasileira de estudos do Cangaço. Telefones
para contato: 75-8807-4138 9101-2501 email: joaoarquivo44@bol.com.br
joao.sousalima@bol.com.br
http://www.joaodesousalima.com
Mendes amigo: Esse é mais um dos episódios ocorridos na vida do casal MORENO e DURVINHA. Tiveram que sepultar em cova rasa um dos companheiros de combate. E o escritor João Sousa Lima é profundo conhecedor da história do cangaço e, especialmente da vida de Moreno e Durvinha. Obrigado a você pela postagem e ao escritor João Lima pela autoria da matéria. Fica arquivada comigo para a elaboração das minhas modestas linhas.
ResponderExcluirAbraços,
Antonio Oliveira - Serrinha