Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, morreu há 70 anos, no dia 28 de julho de 1938.
Com ele, morreu o ciclo do cangaço. Mas a herança deixada por Lampião tem vida
longa, muito além dos 41 anos vividos pelo Rei do Cangaço.
Luiz Gonzaga
adotou o chapéu de cangaceiro logo no início da carreira e, dele, nunca se
separou. Na Feira de Caruaru, no Agreste pernambucano, o acessório é mercadoria
que nunca falta. Para os artesãos do barro, Lampião e a companheira, Maria
Bonita, são eterna fonte de inspiração: no Alto do Moura, reduto desses
artistas populares, é possível encontrar réplicas dos heroicos vilões em todos
os tamanhos.
A herança
estética do cangaço, que contagiou o Brasil inteiro, é perpetuada pelos
artesãos de Caruaru e também nas semanas de moda de todo o mundo. Na São Paulo
Fashion Week de 2007, o estilista Alexandre Herchcovitch apostou no couro nas
roupas, na bolsa com jeito de cantil, nos cintos, nas sandálias-botas. A
identidade dos cangaceiros ainda estava presente nos lenços em volta do
pescoço.
A vida desses
homens e – em especial – a do chefe máximo deles, o que ficou mais famoso e
certamente um dos mais temidos, foi retratada em livros e em, pelo menos, cinquenta
filmes. A constatação é do pesquisador cearense Marcelo Dídimo Vieira, que fez
tese de doutorado sobre o assunto. “O cangaço é retratado no cinema brasileiro
desde a década de 20, época em que o cangaço ainda estava no seu auge”, afirma.
Glauber Rocha,
cineasta ícone do Cinema Novo, na década de 60, viajou nas asas do cangaço em
Deus e o diabo na terra do sol. E os pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo
Caldas contaram a parte da vida de Lampião que se misturou com a história do
sírio-libanês Benjamim Abraão, no filme O baile perfumado, na década de 1990,
período conhecido como a retomada do cinema brasileiro.
Benjamim
Abraão se infiltrou no grupo, autorizado pelo chefe. Das temporadas que passou
entre cangaceiros, tirou documentos preciosos para pesquisas. Estudiosos
estimam que foram cerca de 70 fotos e um filme que foi apreendido pelo Estado
Novo, do qual restam cerca de onze minutos. Nele, os cangaceiros aparecem
vistosos como faziam questão de estar. Isso se devia à influência do
comandante: Lampião era bom marqueteiro, fazia questão que a imagem do bando ficasse
conhecida.
O historiador
Frederico Pernambucano de Melo acredita que, através da sua liderança, Lampião
conseguia disseminar os padrões da sua estética para outros grupos de
cangaceiros. “O grupo central de Lampião se reunia periodicamente com os subgrupos
que andavam espalhados por todo o Sertão”, explica o historiador.
“Ao mesmo
tempo, a presença das mulheres no início dos anos trinta vai permitir a entrada
de voluntários para a costura e a aplicação desses temas estéticos, que foram
desenvolvidos pelo próprio Lampião”, completa Pernambucano de Melo, que possui
uma coleção de 115 peças que pertenceram a vários cangaceiros.
Entre essas
peças está o bornal – um tipo de bolsa – que Maria Bonita levava no dia em que
foi assassinada junto com o companheiro, em Sergipe. E também o vestido que ela
estava, todo decorado de galões. Os bornais dos cangaceiros eram bordados com
esmero. Os que pertenceram a Lampião são mais um tesouro do colecionador.
Mas não são as
únicas peças do historiador: as luvas do Rei do Cangaço revelam que suas mãos
eram consagradas a Santo Expedito; o chapéu é de 1934, mesmo ano dos óculos que
ele usava para proteger o olho que não era cego, nas andanças entre os espinhos
da caatinga.
ROTA DO
CANGAÇO
O desejo de
muitas pessoas de conhecer os lugares por onde Lampião e seu bando passaram fez
surgir a rota do cangaço. Os turistas são convidados a visitar seis municípios
do Sertão pernambucano onde os cangaceiros fizeram história.
Serra Talhada,
onde Virgulino Ferreira da Silva nasceu, é um dos destaques desse roteiro. Na
cidade, fica o Centro de Estudos e Pesquisas do Cangaço, que também funciona
como museu. O lugar é parada obrigatória para quem quer desvendar os mistérios
da vida dos cangaceiros.
O pesquisador
Anildomá de Souza, coordenador do centro, é apaixonado pela história de
Lampião. Ele acredita que a estética do cangaço que chegou aos dias de hoje
deve-se também a uma característica que muitos poderiam considerar delicada
para um “cabra” como Lampião.
“Ele
trabalhava com muita habilidade no manuseio de uma máquina de costura, no
bordado… E passou a usar isso nas roupas dele, nas armas, nas cartucheiras, nos
bornais… E os outros cangaceiros copiaram”, conta o pesquisador.
Os turistas
que fazem a rota do cangaço visitam, além de Serra Talhada, Triunfo, Santa Cruz
da Baixa Verde, São José do Belmonte, São José do Egito e Afogados da
Ingazeira. O passeio é uma viagem por lugares onde, atualmente, não se corre
mais o risco de ser surpreendido por um bando de homens e mulheres delicadamente
enfeitados e ferozmente motivados a defender os seus interesses a qualquer
custo.
http://ancoradosertao.com.br/heranca-do-rei-do-cangaco-vai-muito-alem-de-sua-morte-em-serra-talhada-pe/
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