Por Rangel Alves
da Costa*
Morrer e ter o
poder da ressurreição, do renascimento, eis uma das buscas maiores da
existência. Ao ser humano é impossível de acontecer, num retorno como a mesma
essência do que foi em vida, mas conta a lenda que a fênix renasceu das
próprias cinzas. Tal ave mitológica vivia quinhentos anos e depois se deixava
queimar, totalmente calcinar, para novamente ressurgir de seus restos.
A fênix, pois,
vivia por ciclos de vida e após seu prazo existencial se deixava consumir pelo
fogo. Com existência tão longa, porém reconhecendo-se mortal a cada período de
vida, ela mesma alimentava a fogueira assim que pressentia estar chegando o seu
fim. Depois deixava que as chamas tomassem conta de seu corpo, a tudo
abrasando, até que somente restasse o pó de sua outrora imponência. Mas nas
cinzas a sua espiritualidade e seu ânimo para levantar da morte a um novo ciclo
de vida, e assim eternamente.
Mas a
simbologia da ave lendária que renasce dos próprios restos possui analogia com
muitas outras situações de morte e renascimento, de perda e reconquista, de
partida e retorno, de adeus e reencontro. Mas muito mais. Significa a
imortalidade da alma, a esperança que nunca tem fim, a recompensa ante os
obstáculos, as chances que a todos são dadas perante situações difíceis de
vida. Alguns povos veneram no sol a ave sagrada: todo dia morre para renascer
na manhã seguinte.
Contudo, é nas
cinzas, nos restos calcinados da fênix, no pó surgido do abrasamento, que está
todo esse mistério do renascimento e ressurreição. Ora, a cinza nada mais é que
o pó restante de uma combustão completa de um corpo, de um objeto, de algo. É o
resíduo encontrado logo após algo ser completamente consumido pelas labaredas.
É a porção tida como insignificante logo após uma imensa fogueira ser
totalmente queimada. Assim com a floresta inteira cujo fogo consome a
imponência e depois restará somente o pó. E neste o adubo para brotar uma nova
planta.
A ave queima,
a fogueira queima, a floresta queima, tudo queima e tudo se transforma em
cinzas. Com o ser humano acontece o mesmo. Não há nada cuja imponência possa,
no instante seguinte, já estar transformada em cinzas, em escórias, em restos,
em partículas à espera da ventania para se dissipar pelo ar. Mas o vento nem
tudo leva. Apenas um fragmento que reste já será suficiente para o renascimento
da vida. Apenas uma migalha que reste e já terá força suficiente para a
ressurreição. E assim porque a vida renasce em si mesma, pela força interior que
possui.
Nações, povos,
sociedades, famílias e pessoas, também podem renascer das cinzas. Há uma fênix
em cada um que se faça merecedor da ressurreição. Assim porque a autoflagelação
para a nova vida da ave mitológica não se dava como cumprimento de destino ou
sina, mas pelo merecimento da continuidade. A fênix simbolizava o
encorajamento, a força, o trabalho, a perseverança e a persistência. Não parava
cruzando os céus em labuta constante, não descansava enquanto o trabalho do dia
não estivesse feito, não admitia um só instante sem fazer algo útil. Daí o
merecimento da continuidade.
Seria o Brasil
uma grande fênix cujo padecimento de agora se reverteria em renascimento para
uma nova era de duradouras conquistas? Ou seria o Brasil apenas uma ave que se
autoflagela pensando em ressurgir, mas com um passado que não permite uma nova
chance? Ou ainda simplesmente uma fogueira que arde dolorosamente e sem
perspectiva de que suas cinzas possuam qualquer serventia para o amanhã? A
verdade é que há uma força tamanha na ave Brasil, uma propensão tamanha ao voo
cada vez mais alto, que retomaria seu pulso de vida mesmo que nem cinzas
restassem da coivara se alastrando voraz.
O Brasil é
fênix e pássaro encantado, é ave real de mais belo canto. Desde seu surgimento
como terra de gente que vem sendo explorado, submetido, aviltado, ferido na
alma. Contudo, nunca se quedou aos ataques, nunca calou seu canto nem deixou de
voar. Além do homem e sua ambição, muito além de todo o mal que possa surgir,
bem além dos usurpadores e saqueadores de suas riquezas, está o seu destino de
grandeza e de progresso. E certamente não será uma crise, ainda que volumosa e
torturante, que vá escurecer o seu céu de voo e conquista.
De toda essa
crise restarão as cinzas. Mas não do país, da nação, da terra brasileira, mas
tão somente dos vis caçadores que quiseram retirar da ave real até sua última
pena, até o seu último canto e sopro. Mas não conseguiram pelo céu bem mais
alto do que alcança a mão humana. Eles, os espoliadores de um país inteiro, nem
incólumes nas cinzas restarão. O sal da história cuidará para que seus restos
não assombrem mais. E então, a fênix/pátria renascida de todo o mal, alçará seu
voo ante o céu do seu povo.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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