Por Jerônimo
Dix-huit Rosado Ventura
Escolhi esta
foto, devido ao grande teor de sentimento que ela traz consigo. Representa o
momento em que, muitos anos depois de lá ter estado pela última vez, meu irmão
entrava na casa da Fazenda Bamburral, de propriedade do meu avô, localizada em
Governador Dix-Sept Rosado, Rio Grande do Norte.
Ele era assim:
puro sentimento. Era diferente. Diferente de tudo e de todos. Trilhou o seu
próprio caminho, não dando ouvidos aos paradigmas sociais vigentes.
Contentava-se com muito pouco. Um jardim (sua paixão), animais por perto e
uma companheira para amar e partilhar do seu mundo único.
Desde pequeno,
aprendi a amar e respeitar o meu irmão mais velho. De inteligência muito acima
da média, fugia aos padrões habituais, para o que quer que fosse. Tinha vontade
própria.
A despeito de
sempre ter sido muito afável, no colégio, não deixava que nenhum encrenqueiro
mexesse com nossa mãe, comigo ou com nossas irmãs. Era e sempre foi um xerife.
Acostumei-me a viver sob sua proteção, achando-me o cara mais descolado do colégio.
Quem ousaria me atacar, sabendo que eu era o irmão do Mário?
Mário
Sérgio Rosado Ventura
Tinha uma
maneira de ser muito peculiar. Era o preferido da minha mãe, do meu avô, da
minha avó, das minhas tias. Como conseguia? Não sei. Confesso que nunca tive
inveja, apenas constatava o fato, já que minha admiração por ele superava
qualquer sentimento vil.
Há cerca de
dez anos, estive em sua casa em Friburgo. Era uma noite de inverno, ele me
levou a um cômodo da casa, abriu um armário e começou a me mostrar várias fotos
da nossa infância. Uma das caixas continha os pertences do nosso avô Dix-Huit,
falecido há alguns anos. Abriu-a e retirou a carteira de senador dele. Olhamos
um para o outro e choramos abraçados, visualizando de imediato todo um passado
que tivemos juntos, meu avô, ele e eu.
A vida nos
afastou. Ele foi para Friburgo e eu para o Rio Grande do Norte.
Fumava, era tatuado, gostava da noite, surfava e andava de skate. Mesmo
sendo o oposto do que sou, construímos desde a infância, um liame, que nunca
mais se desfaria.
Jerônimo Dix-huit Rosado, dona Naide e Liana Maria a primeira filha - Jornal de Fato
Há dois dias,
fui surpreendido com a notícia de sua morte. Eram quatro horas da manhã, quando
minha irmã Liana me enviou uma mensagem dizendo que o estado físico dele havia
se deteriorado. Estava internado desde a noite anterior, com hemorragia
digestiva. Levantei-me e me dirigi ao computador para comprar a passagem para
ir a Friburgo. Poucos minutos depois, nova mensagem de voz, dizendo que ele
tinha falecido. Veio uma sensação de desconforto, um mal-estar, aquela dúvida,
quando nos perguntamos se estamos mesmo acordados.
Ele se foi.
Agora restava-me somente ir ao Rio para estar com minha mãe e irmãs. Morando distante, não haveria tempo de chegar ao enterro.
Aquela sensação de opressão foi aumentando, à medida que falava com familiares e amigos. E se manteve até o dia seguinte, quando fui ao cemitério visitar o seu túmulo. Nosso tio Carlos, nossa tia Gracinha e eu colocamos flores e choramos a sua passagem para outra esfera.
Ele se foi, deixando minha mãe desolada e todos nós com muita saudade.
A morte é inexorável para todos nós. Mas a sensação de perda, especialmente quando vem de forma abrupta, o seu peso, veio a desmoronar o raciocínio teórico que eu havia edificado. Foi muito maior do que imaginava. Acredito que aquela imagem de nós quatro, irmãos criados para ultrapassar os dédalos da vida, ruiu, deixando a parte lúdica que trazíamos conosco desde a tenra infância de lado e impondo-nos a falibilidade e efemeridade de nossa passagem terrestre.
Meu mano partiu e deixará saudades para sempre. Irmãos são pessoas que se somam, formando uma unidade. Nós quatro não formamos mais uma unidade, pelo menos nesta nossa passagem telúrica, mas permanecerá a unidade anímica, de espíritos que traçaram os seus destinos para conviver, aprender e se amar mutuamente.
Jerônimo
Dix-huit Rosado Ventura
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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