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quarta-feira, 5 de julho de 2017

A MORTE DO CANGACEIRO “VASSOURA”


Lampião, naquele tempo, antes de tomar chegada em algum local, estudava-o em todos os seus ângulos. Essa preocupação do “Rei do Cangaço” tinha bastante lógica, pois, de qualquer uma das trilhas ou estradas existentes, poderia surgir uma tropa para dar-lhe combate. Sabedor dos acessos ao local ordenava para parte dos seus homens fazerem piquetes e prenderem quem quer passassem. Nessa atitude tomada pelo chefe, notamos a preocupação de Virgolino em ‘segurar’ alguém que os visse, para que o mesmo não fosse levar a informação até seus perseguidores.


Era o mês de Santana de 1925, já no decorrer do seu 4º dia quando, estando entre os municípios de São Serafim, hoje Calumbi, e Triunfo, ambas em solo pernambucano, acampado na serra dos Caititus, sob a proteção de dois fazendeiros, major Luca Donato e o major Ernesto, o primeiro dono da fazenda Carro Quebrado e o outro da fazenda Saco dos Bois, Lampião resolve enviar dois de seus famosos bilhetes de extorsão para dois distintos moradores da região.

Naquela época, esses protetores de Lampião eram pessoas influentes e de grandes posses naquela ribeira.

“(...) Os dois (majores Luca Donato e Ernesto), além de senhores de engenhos eram representantes políticos no Município de Triunfo. Nas terras do major Ernesto morava 60 famílias trabalhando para ele, entre Calumbi e Triunfo (...).” (“A Maior Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 1ª Edição. Paulo Afonso, BA, 2017)



Quando estava acoitado nessa serra, Serra dos Caititus, Lampião se valia de uma construção natural em uma das grandes rochas que lá existem, uma caverna na pedra, a qual fora denominada, pelas pessoas da redondeza, de ‘Casa de Pedra’. São de grande valor esses locais com esconderijos naturais, já existindo, não havia necessidades de se modificar nada, não mexiam em nada, portanto, não deixavam sinais da sua passagem. Escondiam-se bem e estavam protegidos.


Pois bem, os bilhetes foram escritos dentro da ‘Casa de Pedra’ e enviados para os senhores que moravam em locais diferentes, mesmo que tinham seus acessos por uma única estrada. Um morava no sítio Saco dos Bois, Matias Moreira, e o outro no sítio Melancia, que era o senhor José Calu. Tanto um, como o outro, negaram-se a enviarem as quantias ‘solicitadas’ pelo cangaceiro mor do Vale do Pajeú das Flores.

O segundo deu o silêncio como resposta, já o primeiro, envia um recado um tanto desaforado para o solicitante:

“- Diga a ele ( Lampião), que se ele quiser dinheiro, vá trabalhar como eu trabalho! Eu não tenho dinheiro para bandido não!” (Ob. Ct.)

A par da situação, das respostas negativas dos dois, Lampião resolve levantar acampamento e ir fazer-lhes uma visita pessoalmente. O senhor Matias, do sítio Saco dos Bois, não estando em sua moradia naquele momento, escapa do ‘castigo’ e o “Rei do Cangaço” segue de estrada afora, rumando para o sítio Melancia onde morava José Calu.


O Sítio Melancia situava-se próximo à cidade pernambucana de Flores. Então, Virgolino manda que uma parte de seus homens fizesse um piquete na estrada e que não deixassem passar ninguém. Nem quem iria em direção à cidade nem quem dela viesse. Cercando a casa, adentra-a com seus ‘cabras’ encontrando o dono, José Calu, dentro dela. Aí as coisas começam a ficar ‘escuras’ para o lado da vida de Calu. Na fase de interrogatório, no cacete brabo mesmo, José responde que não havia enviado o que fora pedido por não possuir a quantia. Nesse momento, Lampião manda que seus homens dispam as calças do roceiro, amarrem seu saco escrotal com uma tira de couro e o penduram num ‘brabo’ que havia no meio da sala.

Havia, naquela época, um boato de que José Calu mantinha relações sexuais com sua filha, Maria Barbosa, e Lampião saiu da casa dele dizendo a quem encontrasse pelo caminho, que só fizera aquilo, mandar amarrar ele dependurado pelo ‘saco’, por esse motivo. Apesar de ter sido um grande mentiroso em sua longa vida reinando o cangaço, parece que esse detalhe sobre Calu e sua filha tem lá suas verdades. Não que Virgolino tenha ido exclusivamente dar uma lição em um pai que abusava sexualmente da filha, mas por ele não ter lhe enviado o que pedira. José Calu era pai de três filhos, dois homens e uma mulher.


Um dos homens, Manoel Barbosa do Nascimento era pai de dona Maria Vanusa Barbosa de Brito, a qual tem o seguinte diálogo com o pesquisador/historiador Lourinaldo Teles Pereira Lima, Louro Teles:

“- Dona Maria Vanusa, existe um boato que Calu abusava da filha! É verdade?” (pergunta Teles)

A neta de José Calu responde:

“- É, realmente havia essa história!”

O pesquisador torna a perguntar:

“- É verdade que Lampião pegou José Calu para dar-lhe uma lição porque ele tinha feito mal a própria filha?”

“- Não! Ele queria apenas dinheiro.” (respondeu dona Vanusa)

No momento em que Lampião e sua caterva aplicavam o castigo em José Calu, sua filha, Maria Barbosa, conhecida por todos da região como Maria Calu, encontrava-se presente. Lampião percebe que a menina estava usando um par de brincos de ouro. O “Rei do Cangaço” quer os brincos, porém, a menina não os entrega, então ele arranca-os na marra, com força, fazendo um estrago enorme nas orelhas da inocente.

A entrevistada, Maria Vanusa, cita que sua tia, Maria Calu, ficou com as orelhas rasgadas pelo resto da vida. O avô materno de dona Maria Vanusa Barbosa de Brito, Manoel Barbosa, era cangaceiro e fazia parte da horda sangrenta de Lampião naquele momento. Sendo um dos sobreviventes do cangaço, relatou como as coisas ocorreram. Aqui pra nós, achamos que foi Manoel Barbosa que disse para Lampião que José Calu, era possuidor de dinheiro. Sabedor de que ele não possuía grana, tinha a certeza que seria aplicado o castigo nele. Isso tudo pelo boato que todos comentavam sobre o abuso sexual.


Em várias obras sobre o tema, encontramos os relatos de que José Calu veio a falecer devido aquele castigo aplicado por Lampião, quando da sua ida ao Juazeiro do Norte, CE, fazer uma visita à ‘Padim Ciço’, no entanto, sua neta, Maria Vanusa, afirma que seu avô, só veio a óbito muito tempo depois, de complicações ocorridas totalmente diferentes as que estão escritas em tais obras.

Após deixar Calu dependurado pelo saco, Lampião toma o rumo das Roças Velhas onde estava a sua espera sua ‘mulher’, a alagoana Maria Ana da Conceição. Ao chegar no sítio Tenório, Lampião acampa e envia um mensageiro dar uma olhada onde mora sua amada, afim de evitar encontros desagradáveis com alguma volante.


Havia um casebre de taipa, casa erguida com varas e barro, e é nessa casa que o “Rei do cangaço” arma a sua rede. A cabroeira se entretém com jogos de cartas, contando suas aventuras ou mesmo dando um cochilo na sombra de alguma árvore frondosa que tinha próximo ao terreiro.

Vinda das bandas da cidade de Princesa Isabel, PB, uma volante, comandada pelos sargentos Cícero de Oliveira e José Guedes, estavam nos rastros da cabroeira. Seguindo sinais e informações, chegam ao sítio Melancia, sabem e veem o que fizeram os cangaceiros naquela casa. Os moradores fornecem-lhes as informações de qual rumo haviam tomado à caterva. A volante entra de mata adentro em busca dos sinais que os levariam ao bando de cangaceiros.


Chegando a determinado local, por ser uma volante paraibana, não atinam no sentido correto que foram informados. O sargento José Guedes oferece então pagamento em dinheiro para um rapaz morador da região, Pedro Ferreira de Sousa, conhecido pela alcunha de Pedro Benedito, que encontram no sítio Saco do Romão, para que esse os guie até onde estão acampados os cangaceiros. O rapaz se prontifica em guia-los, porém, dispensa o pagamento em dinheiro e diz para o comandante que quer apenas uma arma e munição para brigar junto à tropa contra o bando de Lampião. O Sargento ordena para que lhe deem um rifle e um bornal de bala. De posse do material bélico, Pedro Benedito se põe no caminho, servindo de guia para a coluna.

O rapaz/guia coloca a tropa em cima do bando de cangaceiros no sítio Tenório. Os comandantes dividem a volante em duas, uma parte fica sob as ordens do sargento José Guedes e, a outra parte, segue comandada pelo sargento Cícero de Oliveira. O plano seria a primeira guarnição, com o comandante Cícero, iria atacar de frente e a outra se colocaria na retaguarda, por trás do casebre, colocando os cabras de Lampião entre dois fogos. Um imprevisto ocorre infelizmente, o sargento Cícero é atingido no frontal, testa, e tomba sem vida. Mesmo assim, o sargento Guedes consegue tomar a casa dos cangaceiros. Porém, esses o fazem ficar alojado dentro do casebre sem ter chance alguma de sair com seus homens. Esse tiroteio teve seu início já à tardinha e prolonga-se por toda noite.


A coisa fica feia para o lado da Força, que sofre uma baixa a cada instante. Pedro Benedito, o rapaz /guia, tendo gasto toda sua munição contra os cangaceiros, resolve então sair de estrada afora a fim de encontrar ajuda para o sargento José Guedes. Teve sorte, talvez o sargento José Guedes, mais do que o rapaz, pois logo se encontra com a volante comandada pelo tenente Higino José Belarmio. Faz um breve relatório deixando o comandante a par da situação. O tenente ordena para aqueles que estivessem portando rifles, que repartissem sua munição com aquele rapaz. Fazendo uma ‘vaquinha’, entregam, mais ou menos, cem cartuchos para aquele valente destemido que não tinha medo de Lampião com seus cangaceiros. Pedro Benedito torna a servir de guia para uma volante na trilha da guerra contra os bandidos que assolavam a região do Pajeú das Flores.


Ao chegarem junto ao casebre onde a tropa paraibana, ou o que restou dela, comandada pelo sargento José Guedes, os homens comandados pelo tenente Higino Belarmino abrem fogo nos cangaceiros que estavam em volta da casa. O tiroteio fica intenso. A espoleta cortando, o fumaceiro cobrindo e os gritos dos homens que si digladiam, assola no pé da serra.

Os nordestinos, desde muito tempo atrás, têm o costume de brigarem, lutarem, soltando pilhérias, gritando palavrões ou cantando alguma toada, com dois intuídos previstos: um seria não esmorecer e dar coragem aos companheiros e, o outro, é com certeza uma tentativa de desmoralizar seus adversários. Naquele ferrenho embate, o cangaceiro “Vassoura”, Livino Ferreira, irmão de Lampião, em determinado momento encontrando-se debaixo de um umbuzeiro e, perto desse passava uma cerca de faxina, essa cerca é montada com sua madeira em pé, varas, mourões e estacas são colocadas em uma vala previamente aberta, xingava os adversários e, de quando em vez, subia na cerca para proferir esses palavrões.

O jovem Pedro Benedito, por estar próximo ao local onde se encontrava “Vassoura”, escutava com maior clareza o que ele dizia. Não se fazendo de rogado, Pedro começa a retrucar os palavrões ditos pelo cangaceiro.

“(...) No meio aos tiros Livino Ferreira ficou próximo onde estava Pedro Ferreira de Sousa:

- Prepara pra morrer sangrado, macaco safado!

- Chega pra levar tiro, ladrão de bode safado! Respondeu Pedro.

- Tu tá pegado é com Livino Ferreira, corno safado! 

- É Ferreira com Ferreira. Você aqui tá é pegado com Pedro Ferreira de Sousa!

Livino retrucou:

- Traz tua mãe, corno!

- Traz tua irmã que é mais nova! (diz Pedro) (...).” (Ob. Ct.)

Pedro Benedito, Pedro Ferreira de Souza, foi um dos personagens que fora entrevistado pelo autor da obra citada. Referindo ainda sobre essa brigada, cita que, em determinado momento, um chega perto da cerca e dele se arrastando, nesse instante, “Vassoura”, que sempre subia na cerca para atirar ou gritar palavrões, se mostra um alvo completo. O soldado cobriu-o pela mira do fuzil e, apertando com cuidado o gatilho da arma possante, faz fogo. O projeto passa por entre as estacas, numa brecha, da cerca e penetra na axila do cangaceiro, adentrando seu tórax que, ao receber o impacto da bala, despenca de onde estava e dana-se numa moita de macambiras ficando calado e quieto.


Nesse momento, nessa baixa sofrida pelos cangaceiros, os cabras ficam malucos. O fogo torna-se mais acirrado e a coisa endurece, tanto para a Força como para o bando de Lampião. Uma equipe é formada e, protegida pelos demais, que estão dando cobertura com fogo contínuo, vão até a moita de macambira e retiram o ferido de dentro dela. Esses homens já sabem o que farão com o companheiro ferido. Levam ele por entre a mata cerrada da caatinga para um local determinado. O irmão do ferido, o chefe Lampião, se incumbe de tentar desorientar os homens da volante, fazendo com que o presigam, deixando a trilha do ferido sem ser seguida, na tentativa de salva-lo.

Lampião manda trazerem uma senhora chamada Espericiosa Teles para cuidar do ferimento, porém, essa nada pode fazer. O tiro fora fatal.

Há 92 anos, em cinco de julho de 1925, tombava sem vida um dos cangaceiros mais valentes, malvado e traiçoeiro que o Pajeú tinha gerado em suas entranhas, Livino Ferreira da Silva, cangaceiro que tinha a alcunha de “Vassoura”, irmão do terror do sertão, Virgolino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião... Nas quebradas do Pajeú das Flores.

Algumas obras literárias trazem em suas entrelinhas que o corpo de Livino Ferreira é enterrado em determinado local e depois arrancado e transferido para outro lugar. Seus ossos teriam sido colocados na mesma catacumba, feita sob encomenda de Lampião para seu primo José Paulo que fora assassinado covardemente pelo sargento Clementino Quelé, num cemitério no sítio Santana, próximo ao povoado de Caiçarinha da Penha, no município de Serra Talhada, PE.

Fonte “A Maior Batalha de Lampião” – LIMA, Lourinaldo Teles Pereira. 2017
"De Virgolino a Lampião" - Vera Ferreira e Antônio Amaury
Fotos Ob. Ct.
João De Sousa Lima

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