Por Aécio Cândido
Prof.
Dr. Aécio Cândido, ao lado do filhinho João Marcelo
A Rua 25 de
Janeiro, no ponto em que nós morávamos, era centro da cidade. Algum conterrâneo
mais abalizado na geografia de Cuité e em seu traçado urbano pode contestar,
com quilos de argumentos, esta minha tese. Já aqueles que partilharam comigo a
vizinhança, as brincadeiras na rua sem calçamento e os banhos de chuva nas
biqueiras torrenciais hão de concordar com a tese, em nome dessas lembranças e
das marcas suaves que elas deixam na alma.
Professor Aecio
Candido dando um show de interpretação no espetáculo Chuva de Bala no
País de Mossoró
A Rua 25 de
Janeiro ia do Bar de Zé Vitalino à casa de Seu Jorge, o fotógrafo mais famoso
da cidade, sucedido depois por Severino Palmeira. Após o bangalô de Seu Jorge,
começava a Rua do Louro, e aí todos concordam, creio, que já não era mesmo
centro da cidade, até porque todo um lado da rua era tomado por sítios, roçados
e pelo campo de futebol. Era uma rua ímpar, de uma só linha de casas. De lá,
cruzando nossa calçada, vinham Pai Véi e Liga, duas figuras muito conhecidas de
todos. Pra nós que brincávamos na rua, vinham de muito longe.
Professor Aecio
Candido dando um show de interpretação no espetáculo Chuva de Bala no
País de Mossoró
O limite leste
da Rua 25 era o Bar de Zé Vitalino, posteriormente Bar de Biléu, que continua a
ser hoje, meio século depois, a única rodoviária que a cidade conheceu. Após o
Bar de Zé Vitalino, vencida a distância de um único e curto quarteirão,
chegava-se à Rua João Pessoa. E esta, com lembranças ou sem lembranças infantis
a arregimentar partidários, era, inquestionavelmente, centro da cidade. Era a
rua da igreja e era o berço de possíveis vereadores, prefeitos e deputados, de
advogados e altos comerciantes, embora o celeiro dessa nobreza republicana
fosse mesmo a Praça Barão do Rio Branco, mais um quarteirão à frente, e um
trecho preciso da Rua 15 de Novembro.
Prof.
Dr. Aécio Cândido e o filhinho João Marcelo
Algumas casas
da Rua 25 de Janeiro tinham os quintais cercados por avelós ou pendão de agave.
Mas as fachadas geminadas, todas elas de alvenaria, ainda que algumas de tijolo
cru, não mostravam os fundos das residências e, portanto, não comprometiam a
classificação espacial: a rua fazia parte do centro da cidade. Até o início dos
anos 1960 houve por trás de nossa casa um matadouro de gado – a matança, como
se chamava. Aí, o cheiro azedo e agressivo de tripas sendo lavadas, o borbulhar
da água quente nos alguidares de barro à espera dos miúdos para escaldá-los e a
latomia dos cachorros disputando algum rebotalho de carne embrulhavam os estômagos
mais sensíveis. Nessas imediações também houvera, em tempos mais longínquos, um
cemitério, confinando com o terreno onde depois seu João Dósio construiria
alguns currais. Eles, com suas porteiras de estacas bem fornidas, boas para
subir e para descer, eram nosso domínio para a brincadeira de “Mãos ao Alto” e
para as guerras de carrapateira. Em busca de esconderijo, ao cruzarmos, na
carreira e aos saltos, uma dessas porteiras, não raro encontrávamos pela frente
o cocô quente das vacas e nele deslizávamos. Era também nas porteiras onde se
amarrava, como castigo, os derrotados nos “tiroteios” com baleeira. A
brincadeira era dura e meio perversa. Algumas dessas lembranças quase me levam
a dar razão a um amigo que repete, sempre que pode, uma das conclusões
antropológicas de seu pai, velho coronel do sertão cearense: “Ninguém me tira
da cabeça que o bicho mais parecido com gente é menino”.
Localização
geográfica do município de Cuité - Estado da Paraíba
Na década de
1940, contava minha mãe, a rua abrigava muitas casas de taipa, algumas com teto
de palha. Vinte anos depois, já não restava mais nenhuma nesse modelo, e isso
aproximou a rua da geografia social do centro.
Pra terminar,
uma quase nota de rodapé: nos meus registros sentimentais, Seu Jorge, além de
ponto de referência geográfico e de fotógrafo reconhecido, tinha outro atributo
de destaque: era o pai de Marié, moça elegantíssima, que cruzava as tardes
cuiteenses vestindo surpreendentes conjuntos de saia e blusa.
Vista
panorâmica de Cuité - Estado da Paraíba
A saía, muito
estreita, dava ao andar um compasso contido. Saia estreita era, pra mim, o
nível mais alto de elegância já atingido pela parte feminina da humanidade. E
Marié, assim vestida e equilibrando-se em fenomenais sapatos de salto alto,
parecia saída de uma das revistas de moda que eu via na casa de Celina Amâncio
ou na de minha tia Zélia, costureiras que durante muito tempo cuidaram em dar
graça às moças de Cuité.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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