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quinta-feira, 24 de maio de 2018

DA MARANDUBA A JUAZEIRO (UMA INACREDITÁVEL HISTÓRIA CANGACEIRA)

*Rangel Alves da Costa

Naqueles idos de 32, ano do famoso Fogo da Maranduba, em cujo mês de janeiro as volantes comandadas pelo baiano tenente Liberato de Carvalho e pelo pernambucano Manoel Neto, arremeteram contra o bando de Lampião acoitado nos arredores da Fazenda Maranduba, sendo aquelas derrotadas pela astúcia estratégica do Capitão, o até agora pouco conhecido aconteceu. E com consequências realmente inacreditáveis.
Pois bem. Rumbora. Àquela época as terras da Fazenda Maranduba, na povoação sergipana e sertaneja de Poço Redondo (então distrito de Porto da Folha), pertenciam à família Soares, tendo sua matriarca Dona Maria da Invenção Soares o seu comando, ainda que sua residência familiar fosse situada em Curralinho, nas beiradas do Rio São Francisco. Sua residência ficava numa das esquinas da Rua da Frente, defronte ao rio, nas proximidades da capelinha de Santo Antônio.
Era, na verdade, uma vida dividida entre Curralinho e Maranduba, passando temporadas num ou noutro lugar. Mas seus filhos homens, dentre os quais Lé Soares, Pedro Soares, Josias Soares e Antônio Soares, nomes ainda hoje afamados pelo tino vaqueiro e pelas proezas na lida da terra e do gado, geralmente permaneciam mais tempo na propriedade familiar, na Maranduba. Não se sabe muito bem se já eram conhecidos de Lampião e seu bando, mas a verdade é que no dia do famoso fogo, a 9 de janeiro, um dos filhos de Dona Invenção estava no lugar errado e na hora errada. Seu nome: Antônio Soares.
Quando Lampião chegou às terras da Maranduba o sol já estava alto. Depois de pernoitar nos arredores da Fazenda Queimada Grande (sem saber que a volante de Liberato de Carvalho estava por perto, pois o comandante baiano havia passado a noite na casa da fazenda, de propriedade de seu irmão Piduca da Serra Negra), o bando seguiu em direção às terras de Dona Invenção, certamente apenas como passagem rumo aos limites baianos. A parada foi para o descanso e o preparo do regabofe. Os cangaceiros sequer imaginavam que em tão pouco tempo seriam surpreendidos não por uma tropa volante, mas por duas.
Estrategicamente precavidos, espalhados debaixo de umbuzeiros, encobertos por tufos de matos e arvoredos sertanejos, mesmo assim foram surpreendidos com os assombros que começaram a surgir nas sombras distantes: os homens das volantes. Corre e corre, toma posição defensiva e de ataque, protege-se, espera-se um momento ideal para atacar. Só havia um problema: Antônio Soares estava ali. O filho de Dona Invenção estava reunido com um dos grupos cangaceiros debaixo de um umbuzeiro quando as volantes chegaram. Foi quando Maria Bonita gritou: “Corre Tonho Soares!”.
O grito de Maria Bonita e o eco do nome Tonho Soares tiveram consequências devastadoras. Aquele nome seria cobrado muito caro pelas volantes, principalmente pelo ódio escorraçado e derrotado do comandante Liberato de Carvalho. E assim porque, não conseguindo superar e vencer as forças cangaceiras, o comandante baiano prontamente lançou seu ódio sobre a família Soares, dona da Maranduba. Acreditava-se que a presença de Antônio Soares junto ao bando era a comprovação de que a família dava apoio e guarida ao bando do Lampião.
Com efeito, assim que Liberato de Carvalho chegou a Curralinho transportando em redes os feridos da batalha, a primeira providência tomada foi mandar que seus comandados prendessem todos os filhos de Dona Invenção. Mas queria um troféu chamado Antônio Soares. Este, porém, não estava. Fugindo da batalha foi parar nas terras de Canindé. Os irmãos Soares então foram levados presos em canoas até Canindé, mas forçosamente liberados após não terem encontrando a caça maior. Aqueles não interessavam, apenas Antônio, aquele mesmo avisado por Maria Bonita: “Corre Tonho Soares!”.
E daí em diante entra o inacreditável da história. Avisado do ocorrido, Antônio Soares permaneceu escondido na mata por mais de ano. Todo rasgado, faminto, barbudo e cabeludo, parecendo um bicho. Comia do que encontrava no mato e do bicho que conseguia matar. Calçava chinelo feito de couro de boi morto na caatinga e adormecia nos escondidos. Até que um dia recebeu uma inesperada visita. Avistou um pássaro estranho pairando no alto e sentiu algo como uma revelação. Teria que ir urgentemente a Juazeiro do Norte, pois Padre Cícero lhe esperava.
E foi. Andando pelo meio do mato, mas chegou à sagrada terra nordestina já muito entrado o ano de 33. Sem se importar com a aparência que causava espanto às pessoas, postou-se numa praça e ali ficou imaginando o que fazer. De repente viu um padre de batina escura se aproximar e logo percebeu que era o Padre Cícero. As primeiras palavras do padre: “Você é Antônio Soares, não é?”. Espantado com aquele reconhecimento, só tomou prumo de si quando Padre Cícero colocou dinheiro em sua mão e pediu para que providenciasse logo a mudança naquela aparência, comprando roupa, fazendo o cabelo e a barba e se alimentando.
Depois disso, já no encontro marcado para o dia seguinte, ouviu do padre: “Tome aqui esse dinheiro e agora já pode retornar. Tem dinheiro suficiente para que dê esmola a quem precisar até a chegada ao seu destino. Mas não vá para outro lugar. Volte para as terras de onde veio, para a casa de sua família”. Então Antônio Soares retornou a Maranduba e nela viveu sem ser mais incomodado por ninguém.

Escritor
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