Por Junior
Almeida
No município
de Capoeiras, Pernambuco existem três comunidades remanescentes de quilombos:
Fidelão, Cascavel e Imbé, sendo que nessa última existe o “pé de serra” e o
“Imbé de cima”. As pessoas do pé de serra são em sua maioria descendentes de
Angola, são negras, com a cor de pele bem mais escura do que os moradores da
parte mais alta do sítio, onde existe até “galegos”. Alguns moradores do pé de
serra são um pouco arredios na convivência das demais pessoas.
Dentro da
comunidade existe até certa rivalidade entre os dois Imbés, que parece não se
misturar, mas existem muito mais coisas em comum, como por exemplo, o gosto por
festas, de dançar e de beber. Tem morador do Imbé que a “pequena” dose de
cachaça que toma é no copo americano cheio até a boca. Toma, enxuga a boca com
as costas da mão, e segue normalmente, como se nem tivesse bebido.
Nas redondezas
desses lugares existem as fazendolas, que utilizam desde que surgiram, a mão de
obra das pessoas do lugar. Homens, mulheres e até crianças. No tempo que não existiam
as ajudas do Governo Federal, muita gente se sujeitava ao trabalho na roça
apenas “pela boia”, que nada mais é do que trabalhar um dia inteiro sem receber
salário, apenas por um prato de comida.
Na festa da
padroeira do Imbé, Santa Quitéria, de tempos atrás muita gente do lugar
aproveitou para atualizar sua obrigações com a Igreja, nas confissões,
batizados e casamentos, mas outras, porém, aproveitaram mesmo foi pra cair na
farra, dançando ao som da tradicional bandinha de pífanos do Imbé e enchendo a
cara nas barraquinhas de bebida e tira gosto. A cana de cabeça também naquele
ano não faltou. Patrocínio de alguns políticos do município. Sobras da última
campanha.
Um morador do
pé de serra que parecia ser o mais animado para os festejos, começou a beber e
dançar no final da tarde da sexta feira, logo após largar o serviço em uma das
fazendas da região. Emendou o sábado, queimando seu dia de serviço no roçado, e
entrou pelo domingo. Foi até tarde da noite tomando todas e mais algumas. Na
segunda feira cedinho o cabra estava com a mãe de todas as ressacas. Não tinha
ânimo pra nada, mas precisava capinar um bom pedaço de terra do seu patrão.
Era
trabalhador do alugado, necessitava disso pra viver. Ganhava pouco, mas esse
pouco lhe servia e muito. Junto com outros peões o sujeito começou cedinho a
“puxar cobra para o s pés”, mas naquele dia a disposição lhe fugia. Ele estava
em tempo de cair de tão grande sua ressaca. De vez em quando queria vomitar,
mas não nada saia. Parecia que o dia iria se comprido pra ele. Para descontrair
os colegas de trabalho, que a essa já estavam de cara feia pela falta de
produção, o cabra começou a contar os detalhes da festa, e foi fazendo graça,
pegando sua enxada como se fosse uma mulher e começando a dançar. Com a boca
imitava o som da banda de pífanos. O beiço virado do sujeito do pé de serra
tocava todos os instrumentos da bandinha num autêntico beatbox.
Sem que ele
visse, o patrão chegou por trás dele, e assistiu toda a sua apresentação. O
fazendeiro, que estava de frente para os outros trabalhadores, cruzou o
indicador nos lábios, pedindo o silêncio dos empregados. Alguns riram, sabendo
que o roceiro dançarino ia se lascar. O animado homem nem se atentou pra nada,
achou que os colegas de roçado riam motivados por suas mungangas.
Ao final do
dia, hora do pagamento, um a um dos trabalhadores iam ao fazendeiro, sentado
sob um frondoso umbuzeiro, receber seu dia de serviço. Na hora de pagar ao
festeiro, o patrão entregou-lhe o pagamento faltando uma parte. Esse estranhou
e perguntou:
Oxente meu
patrão. Tá faltando dinheiro aqui...
Tô descontando
o dinheiro da cota. Você quer passar o dia dançando sem pagar nada, por acaso?
Respondeu o fazendeiro, para a alegria com gosto de vingança do resto dos
peões.
*Figura
meramente ilustrativa pintada por Portinari.
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