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quinta-feira, 24 de maio de 2018

LÍDIA... AMOR E DESDITA DO CANGACEIRO ZÉ BAIANO.

Por José Bezerra Lima Irmão

No segundo semestre de 1931, depois de uma viagem por Alagoas e Pernambuco para se reabastecer de munição, Lampião havia escondido a munição excedente na fazenda Maranduba, perto da Serra Negra, indo descansar nas imediações do povoado Poços, na entrada do Raso da Catarina. Ele conseguira também com seus amigos em Pernambuco algumas armas, porém a maior parte apresentava defeitos. Decidiu então levá-las para o seu amigo Venâncio Teixeira, residente em Olhos d’Água do Sousa, nas imediações de Santo Antônio da Glória – Venâncio era muito bom nesse negócio de armas velhas, deixava-as novinhas em folha.


No caminho, Zé Baiano começou a sentir dor de cabeça. Tinha febre. Tremia de frio em pleno meio-dia. Estava saindo um caroço no pescoço. Não suportava nem o chapéu na cabeça.

Lampião conhecia um velho chamado Luís Pereira, que morava no Salgadinho, ao lado da Serra do Padre. A mulher dele, Maria Rosa (dona Baló), era costureira e já havia feito muitas roupas para os cangaceiros. Lampião pediu ao velho que cuidasse do doente, enquanto o resto do bando prosseguia a viagem.

A casa de Luís Pereira tinha uma sala ampla, 3 quartos, cozinha espaçosa, e no fundo ficava o chiqueiro dos bodes, pegado a um tanque. Zé Baiano passou uns 15 dias ali. O tumor era tratado com remédios dos matos – chás e emplastros de ervas. Era bem cuidado por todos, inclusive pela filha caçula de Luís Pereira, chamada Lídia, uma linda garota de 15 anos. Quando ficou bom, o cangaceiro fugiu com a menina.

Lídia não foi propriamente raptada, mas, muito jovem, não sabia o que estava fazendo, e no mesmo dia, ao perceber a vida que teria pela frente, tendo de dormir nos matos e viver se escondendo como bicho, se arrependeu de ter saído de casa. Mas aí já era tarde.

Zé Baiano fazia de tudo para agradá-la. Cobria-a de presentes. Quando iam comer, ele reservava os melhores pedaços de carne para ela, cortava a carne em pedacinhos e punha-os na boca de sua beldade. Só tinha olhos para ela.

Nada, porém, era capaz de tirar da mente da garota a mágoa por ter sido arrancada do convívio de sua família. Não escondia de ninguém a revolta com o seu destino. No fundo, odiava Zé Baiano, o causador de sua desgraça.

Havia no bando um cangaceiro chamado Ademórcio, que Lídia conhecia desde criança, nascido e criado no Arrastapé. No bando, ele recebera o apelido de Ben-te-vi. Aquele era o rapaz com quem ela gostaria de viver, e se ambos não tivessem sido arrastados para o cangaço poderiam, quem sabe, ter casado, pois seus pais eram amigos. Com o tempo, Lídia e Bentevi passaram a corresponder-se. Encontravam-se às escondidas sempre que Zé Baiano estava viajando.

Lídia Pereira de Sousa foi possivelmente a mais bonita das mulheres que participaram do cangaço. Era uma morena cor de canela, de cabelo liso, rosto bem delineado, lábios carnudos, olhos negros, com uma dentadura que parecia um colar de pérolas.

Um cangaceiro chamado Coqueiro apaixonou-se por ela. Vivia seguindo-lhe os passos. Certo dia, viu-a mantendo relações sexuais com Ben-te-vi. Coqueiro deixou que os dois terminassem o ato. Ben-te-vi vestiu-se, foi embora. Lídia ficou só. Então, Coqueiro apresentou-se, dizendo:

– Eu vi tudo, do cumeço até o fim. E eu quero tamém...

Lídia refugou:

– Vai-te pros inferno, cabra nojento! Nun tá veno qui eu nun me passo pra um canaia da tua marca? Nun seja besta!

– Ou resorve ou vou contá tudo a Zé Baiano... E tem qui sê agora...

– Pode ir contá até pro diabo! Eu já diche qui não, e pronto!

Isto foi na segunda semana de julho de 1934. O bando estava acoitado perto de Poço Redondo, nas Pias das Panelas, junto ao Riacho do Quatarvo, em terras da fazenda Paus Pretos do coronel Antônio Caixeiro. 

Uma imagem inédita na literatura. Foto artística de Antonio Caixeiro quando prefeito. A original não existe, pois fora consumida por um incêndio na década de 70. (Cortesia de Lauro Rocha para o Lampião Aceso) do pesquisador do cangaço Kiko Monteiro.

Lampião tinha chegado de Alagadiço, onde havia matado um filho de Cazuza Paulo. Zé Baiano havia ficado por lá para fazer umas “cobranças” junto a fazendeiros daquela região. Quando ele chegou às Pias das Panelas, Coqueiro decidiu contar o que tinha visto. À noite, os cangaceiros estavam sentados no chão, uns vinte ou trinta, inclusive as mulheres, em volta do fogo onde assavam carne de bode. O delator expôs o que viu, omitindo, porém, a parte que o comprometia. Zé Baiano franziu a testa, os olhos arregalados, como se não estivesse escutado direito, e rosnou para a companheira:

– O qui esse sujeito tá dizeno é verdade, Lida?

– É verdade, Zé – sustentou Lídia, com voz firme. – Só qui esse canaia nun diche a histora toda... Ele dexou de dizê o preço quiizigiu pelo segredo. Ele quiriaqui eu desse a ele tamém, pra nun lhe contá. Se eu tenho quimorrê, qui morra, mais um cabra safado desse nun me come!

Um silêncio de chumbo caiu sobre o acampamento. Zé Baiano ficou olhando para Lampião, aguardando ordens.

Lampião levantou-se, andou de um lado para outro, remoendo o terrível problema. Depois, sentenciou:

– O causo dela aí o cumpade Zé Baiano é qui resorve. Ela é dele, faça o quiacháqui deve fazê.

Fez uma pausa, ajeitou os óculos, e continuou:

– Agora, Coquero e Ben-te-vi é cum a gente mermo. Gato, mate esses cabra!

Gato puxou o parabelo, aproximou-se de Coqueiro e deu-lhe um tiro na cabeça. Coqueiro, colhido de surpresa, não esboçou nenhuma reação. Não teve tempo sequer de pedir clemência.

Chegada a vez de Ben-te-vi, percebeu-se que ele havia fugido. Os cabras queriam ir procurá-lo, mas Lampião mandou que tivessem calma:

Zé Baiano mandou que Demudado amarrasse Lídia num pé de imburana. Ele, que já supliciara tantos homens e mulheres com a sua palmatória de baraúna, de repente estava sem saber o que fazer. Lídia era tudo para ele. Passou o resto da noite acordado, sem falar com ninguém. Quando o dia amanheceu, pegou um cacete, foi até o pé de imburana, desamarrou a mulher e matou-a a pauladas, quebrando-lhe vários ossos. Lídia não emitiu uma palavra sequer, não gritou, nem ao menos gemeu. Como arremate, Zé Baiano esmagou a sua cabeça, como se faz com uma cobra. Sangue e massa cefálica esguicharam pela boca, narinas, olhos e ouvidos.

Depois, sem pedir ajuda a ninguém, o cangaceiro cavou uma cova rasa, enterrou-a e, não suportando mais, chorou.

Junto ao pé de imburana, no sangue coagulado, começou a juntar formigas.

Texto: Livro Lampião – A Raposa das caatingas de José Bezerra Lima Irmão.

Fonte: facebook - Transcrição: Geraldo Antônio de Souza Júnior (Administrador).
Grupo: O Cangaço

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