Por Antonio Corrêa Sobrinho
HÁ 100 anos,
1917, em Belmonte, Pernambuco, no tempo de Antonio Silvino preso, Virgulino
virando Lampião, cangaceiros por todos os cantos e recantos do sertão.
Um caso que
diz da gente, da gente brasileira. Uma história verdadeira, curiosa,
interessante: "Sinhô" Pereira e Luiz Padre no banco dos réus,
julgados e condenados em processo criminal.
Um cavalo que
levaram sem permissão do dono, subtraíram, roubaram, mas que depois até
devolveram.
Uma sentença
que só lendo, uma aula de direito, uma decisão incontestável.
Percebam que o
autor da sentença também é um Pereira, Felisberto dos Santos Pereira. Era este
juiz parente dos réus? Quem souber me diga.
Amigo é que não
era.
Contra Sinhô
Pereira e Luiz Padre e seus asseclas aplicou, além de multas e penas, em
desfavor destes meliantes o nada democrático princípio de que “aos amigos, os
benefícios da lei; aos inimigos, os rigores da lei.”
JUIZ MUNICIPAL
DE BELMONTE
Crime de
furto. Elementos que o integram. Conceito da contrectatio. O arrependimento do
agente e consequente entrega do objeto furtado não desnatura o crime de furto.
Despacho de Pronúncia – Vistos, etc. – Dos presentes autos verifica-se, com exuberância de provas, que um grupo de cangaceiros, composto de 13 indivíduos, sob o mando dos já tristemente célebres Luiz Padre e Sebastião Pereira, vulgo “Senhor”, todos armados a rifles, no dia 14 de junho do corrente ano, de 3 para 4 horas da tarde, apareceram em a casa de José Feijó de Medeiros, sita na fazenda Boa Vista deste município, e de onde, ao se retirarem, conduziram um cavalo tirado, sem ciência do dono, do cercado da fazenda Mameluco, ali próxima e propriedade do major José Florentino de Araújo; que o grupo, todo ou na sua maioria, desafeto daquele major, atualmente residente na Vila do Bom Nome, deste município, na sua ausência dirigiu-lhe pilhérias e insultos, declarando-se abertamente seu inimigo e conduzindo do mesmo major um outro cavalo subtraído, como o primeiro, da fazenda Poços no município de Vila Bela; que o animal furtado neste município pertencia à fábrica do “Mameluco” e era da entrega do vaqueiro Miguel Cândido da Cruz, testemunha neste processo, e que, pode se dizer, assistiu ao furto sem nenhuma reclamação fazer; que três testemunhas oculares das cinco que foram inqueridas, à revelia dos réus, contam o fato em todos os seus detalhes, sem omitirem a mínima circunstância, etc.
Por este procedimento criminoso foi todo o grupo, que se compõe dos indivíduos Luiz Padre, Sebastião Pereira, vulgo “Senhor”, Augusto Firmino, vulgo Sereno, Vicente Marina, Raimundo Moraes, Antônio Paixão, José Gomes, Antônio Sales, Antonio Grande, Deodato Chico e mais os apelidados por Gazineta, Mão de Grelha e Vereda, denunciado como incurso no art. 330 combinado com o art. 331, nº 4, do Código Penal, articulando contra os referidos denunciados a promotoria adjunta as circunstâncias agravantes do artigo 39, parágrafos 2º, 6º e 13º do mencionado código.
Do inquérito policial às fls. 2v. consta a avaliação do animal furtado ao qual os peritos deram o valor de 150$000, confirmado pela prova testemunhal, no sumário de culpa, visto com, nos termos do art. 405 do Código Penal não pôde o arbitramento ser feito à vista do próprio animal subtraído. À fls. o Ministério Público opinou pela pronúncia dos réus nos termos da denúncia. O que tudo visto e bem examinado:
Atendendo a que o direito de propriedade tem encontrado da parte da legislação de todos os países a mais segura garantia, desde os mais remotos tempos, a começar dos Romanos, e está hoje, no Brasil, plenamente consagrado pelos parágrafos 17 do artigo 72 da Constituição de 24 de fevereiro de 1891, equivalendo isto a um desmentido solene ao paradoxo do revolucionário Proudhon: “A propriedade é um roubo”; atendendo a que o Código Penal no seu artigo 330 conceitua o crime de furto como sendo a subtração par si ou para outrem, de coisa alheia móvel, contra a vontade do seu dono, e no artigo 331 considera ainda como crime de furto sujeito às penas do artigo anterior, tendo-se em vista o valor do objeto, apropriar-se alguém em proveito próprio ou alheio de animais de qualquer espécie pertencentes a outrem; atendendo a que a graduação da pena de acordo com o artigo 330, parágrafo 4º, acrescida da respectiva multa de 5 a 20% para os crimes desta espécie, obedece à regra estabelecida pelo artigo 3º do decreto nº 121, de 11 de novembro de 1892: atendendo a que pela Lei nº 629, de 28 de outubro de 1890, art. 2º, nº II, são inafiançáveis os crimes de furto de animais , e mesmo inferiores a 200$000, desde que tenham sido furtados nas fazendas, pastos ou campos de criação ou lavoura; atendendo a que ainda nos termos do artigo 2º do referido decreto 121, a presente ação penal foi iniciada sob representação do ofendido, major José Amaro; atendendo a que a avalição do animal furtado foi feita regularmente, quer no inquérito policial, quer no juízo da culpa onde esse valor (150$000) foi deduzido da prova testemunhal, visto não ter sido possível fazer o arbitramento direto e à vista do animal furtado que continua em poder dos denunciados (Código Penal, art. 405, parágrafo 1º); atendendo a que são três os elementos do crime de furto: a) a subtração ou apropriação; b) cousa alheia; c) intenção fraudulenta (animus furandi), e que estes três elementos se acham todos concretizados no caso dos autos; atendendo a que a contrectatio, elemento essencial do furto, se verifica com a tirada da cousa do poder do seu legítimo possuidor e compõe-se de dois momentos: a apprehensio e a amotio de loco ad locum completados pela ablatio. (Machado Soares, “Código Penal Comentado”, pag 507, nota 505 ao artigo 331); atendendo a que na espécie sub judice está demonstrado que os sumariados tiraram do cercado da fazenda Mameluco um cavalo ali existente e sem o consenso do dono, levando-o consigo, embora prometendo que o mandariam trazer dentro de poucos dias; atendendo a que, conforme se expressa o Dr. José Higino, o furto tem lugar sempre que houver a tirada da coisa do poder do possuidor para o do delinquente; atendendo a que o animus furandi deduz-se da circunstância de saberem os sumariados que se apropriavam do que não era seu, contra a vontade do respectivo proprietário, atendendo a que, embora dissesse a 3ª testemunha, João Terto Alves Sobrinho, ter sabido que o animal furtado fora, há poucos dias, entregue a um filho do major José Amaro, esse fato, mesmo que seja verídico, não desnatura a figura delituosa do furto, pois, ensinam Chaveau et Helie in “Teoria do Código Penal”, vol. 5º, nº 1717, que o arrependimento do delinquente e a consequente restituição do objeto furtado, não implica no desaparecimento do crime; atendendo a que três testemunhas de vista assistiram à consumação do crime referido na denúncia e conheceram pessoalmente a diversos dos sumariados, ouvindo dizer que o restante deles eram o mesmo constante deste processo, menos o de nome Antonio Sales, que elas unanimemente dizem (oculares e auriculares) não fazia parte do grupo; atendendo a que nos autos vê-se que os sumariados Sebastião Pereira, vulgo “Senhor” e Luiz Padre com os demais companheiros resolveram o crime de cuja execução se encarregou Augusto Firmino, vulgo “Sereno”, que foi quem trouxe à casa de José Feijó o cavalo desejado; atendendo a que, conforme fazem ainda certo as testemunhas, todos os sumariados combinaram com o furto, pois, do grupo não partiu um protesto, não houve uma réplica à ação criminosa anteriormente deliberada, e da Boa Vista saíram todos conduzindo o animal furtado; atendendo a que a circunstância do ajuste prévio entre os sumariados está bem caracterizada, desde que está patente dos autos que eles ali não se achavam acidentalmente reunidos, até consigo já traziam um outro cavalo furtado nos “Poços” e de propriedade do referido José Amaro de quem se confessaram inimigos; atendendo a que a tirada do animal foi praticada pela portaria do cercado, não havendo, portanto, violência à pessoa, ou emprego de força contra a coisa, característica do crime de roubo; atendendo, finalmente, ao mais dos autos; julgo procedente a denúncia de fls. 3, para pronunciar, como pronuncio, os sumariados Luiz Padre, Sebastião Pereira, vulgo “Senhor”, Augusto Firmino, vulgo “Sereno,” Vicente Marina, Raimundo Moraes, Antonio Paixão, José Gomes e Antonio Grande, Deodato Chico e mais os indivíduos apelidados de Gazineta, Mão de Grelha e Vereda, incursos no artigo 330 combinado com o artigo 331, nº 4, tudo do Código Penal, acrescido da respectiva multa, e os sujeito à prisão e livramento, e improcedente quanto ao sumariado Antonio Sales a quem impronuncio à falta de provas de sua criminalidade no fato delituoso.
Espeça-se mandado de prisão contra os réus que se acham ausentes. Custas pelos réus e pela municipalidade, proporcionalmente.
Da presente decisão recorro ex-ofício para o doutor juiz de direito da comarca a quem o senhor escrivão faça os presentes autos conclusos, dado o prazo legal, cumprindo no mais o seu regulamento.
Belmonte, 30 de julho de 1917.
Felisberto dos Santos Pereira
O presente
despacho foi confirmado pelo dr. Juiz de direito, em 9 de agosto do corrente
ano.
Imagem dos
primos Sinhô Pereira e Luiz Padre
Fonte: "Diário de Pernambuco" - 28/09/1917
Fonte: "Diário de Pernambuco" - 28/09/1917
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