Por Ruy Lima pesquisador do cangaço
Até metade do
século XX, aproximadamente, o Brasil foi considerado um país rural. No
Nordeste, principalmente no Sertão, as atividades desenvolvidas no campo eram
de grande importância. O campo era o lugar onde a maioria das pessoas moravam,
trabalhavam e se sustentavam, alguns moravam em grandes fazendas, como os
famosos coronéis e outros em pequenos sítios, como José Ferreira da Silva, que
recebeu do sogro, como presente de casamento, o Sítio Passagem das Pedras, na
zona rural de Vila Bela, atual Serra Talhada, no sertão pernambucano, distante
417 Km do Recife.
José Ferreira da Silva casou-se em 1894, com Maria Vieira
Lopes.
Dona Maria, antes de contrair matrimônio com José, namorava um rapaz que
a engravidou. O sujeito era filho de gente rica, metido a valente, não quis
casar-se.
Curioso é que nos documentos há quatro variações do sobrenome de Dona
Maria.
Maria Vieira do Nascimento (certidão de casamento); Maria Santina da
Purificação (batistério de Livino); Maria Sulena da Purificação (certidão de
nascimento de Virgulino) e Maria Vieira da Soledade (batistério de Virgulino).
O casal teve os seguintes filhos, todos com o sobrenome Ferreira da Silva:
Antônio (filho de Dona Maria); Livino, Virgulino, Virtuosa, João, Angélica;
Ezequiel; Maria; Anália.
O casal teve mais duas filhas: Maria do Socorro e
Maria da Glória, as quais tiveram morte prematura.
Com exceção do filho João e
das filhas do casal, entraram para a vida do cangaço:
Antônio, Livino,
apelidado de “Vassoura”, Ezequiel, o “Ponto Fino” e Virgulino, o célebre
Lampião.
Também tornou-se cangaceiro o Virgínio, viúvo de Angélica, a qual
faleceu de peste bobônica meses após o seu casamento. O cunhado de Lampião
recebeu o apelido de “Moderno”.
De acordo com a sua certidão de nascimento,
Lampião nasceu no dia 7 de julho de 1897, no Sítio Passagem das Pedras, zona
rural de Vila Bela (hoje Serra Talhada), Sertão de Pernambuco (417 Km do
Recife), com o nome de Virgolino.
Entretanto, há uma cópia do batistério
emitido pela diocese de Floresta/PE, onde está registrada a data de nascimento
de Virgolino em 04 de junho de 1898.
Há divergência da data de nascimento de
Lampião nos dois documentos, porém com o mesmo nome: Virgolino (com “o”).
No
livro “Lampião: Memórias de um Soldado de Volante” – página 20, de João Gomes
de Lira, consta uma reprodução dos termos do batistério de Virgulino (com “u”)
da Diocese de Pesqueira/PE paróquia de Floresta/PE, com data de nascimento em
04 de junho de 1898.
Alguns historiadores e pesquisadores consideram a data de
nascimento de Lampião o dia 07 de julho de 1897, enquanto outros, como Antônio
Amaury, Frederico B. Maciel, Frederico Pernambucano de Melo, Nertan Macedo e
Estácio de Lima defendem a data de 04 de junho de 1898.
Quanto ao nome, em
quase todos os escritos sobre Lampião, o seu nome era Virgulino (com “u”), como
ele mesmo assinava nos bilhetes que costumava escrever.
Em algumas obras sobre
o cangaço, o irmão de “Lampião Livino consta como Levino.
Talvez isso diga
respeito à ortografia da época, quando o nome “Lampião” era escrito Lampeão.
José Ferreira e seus filhos eram pacatos e simples homens de campo (caipira,
matuto, como é mais conhecido no Nordeste).
Além da agricultura, a família
vivia do criatório de animais de pequeno porte (galinhas, porco, bode), de
pequena vacaria, de alguns burros e da almocrevia (condução de animais de carga
própria ou de terceiros – geralmente pequenos comerciantes).
Virgulino se
destacava pelas muitas atividades que exercia: caçador, vaqueiro, amansador de
burros, construtor de casas de taipa, de chiqueiro e de cerca, seleiro
(fabricante de selas e selim) currieiro (fabricante de rédeas, cabrestos,
silhas, chicotes, chibatas, peitoral para proteger o peito dos cavalos.
Confeccionava véstias de vaqueiro completas, chapéus e sapatos-de-campo leves.
Comercializava nas feiras das vilas e cidades vizinhas, seus produtos
manufaturados de couro. Além disso, era almocreve, junto com seu pai e seus
irmãos Antônio e Livino, tendo feito várias viagens com a burrama, de Vila Bela
(Serra Talhada/PE) à Estação Ferroviária de Rio Branco (Arcoverde/PE), numa
distância de 160 Km, como também à cidade de Pedra (Delmiro Gouveia/AL),
distante 240 Km de Vila Bela.
A Estação
Ferroviária de Rio Branco, com o nome de “Barão de Rio Branco”, dada pela Great
Western of Brazil Railway, empresa inglesa que administrava as vias férreas de
Pernambuco, era a última da rede ligando Recife ao Sertão. Posteriormente,
prolongou-se até Salgueiro/PE (512 km do Recife). Naquela época, Rio Branco era
distrito de Pesqueira (40 Km de Rio Branco), agreste pernambucano.
Como
almocreves, Virgulino, seu pai e seus dois irmãos, seguiam também para
Pesqueira, para levar para o sertão: da estação ferroviária daquela cidade,
mercadorias despachadas pela central do Recife; de uma mercearia da cidade,
aguardente (cachaça) e, de uma mercearia, sacas de massa do reino (trigo) e as
bolachas “Sertanejas”, muita apreciadas pela pelas pessoas do Interior.
Uma
informação aos nãos nordestinos. Alguns estudiosos consideram “bolacha” e
“biscoito” como sendo a mesma coisa. No entanto, no Nordeste chamamos de
“bolacha” o produto, seja ele doce ou salgado, fabricado, quase artesanalmente,
pelas padarias. O termo “biscoito” chega a ser uma convenção da indústria
brasileira, talvez por ser mais antigo do que “bolacha” na nossa língua,
segundo os etimologistas.
Em 1913, um dos maiores homens de negócios da região,
originário da então vila de Poção, município de Pesqueira (Hoje uma pequena
cidade, cujo principal atrativo é a produção da peças, como colchas, almofadas,
etc. de renda conhecida por Ranascença, de origem europeia), e também um grande
caçador de onças (existiam naquela época) passou para o seu genro duas peles de
onça pintada, que matara na serra do Acaí, em Poção, para serem entregues a um
amigo residente em Rio Branco. A entrega foi feita pelos almocreves Ferreira.
A
almocrevia foi uma das grandes atividades que facilitou a vida de cangaço de
Virgulino. Ele percorreu diversas regiões, parte do agreste ao sertão
pernambucano e o sertão alagoano, muitas das vezes a pé. Conheceu muita gente,
dos mais simples agricultores e comerciantes a grandes e médios proprietários
de terras, os poderosos fazendeiros e coronéis, muitos dos quais tornaram-se
seus “coiteiros”.
Quando tinha cinco anos de idade, Virgulino foi levado por
sua avó, Dona Jacosa, para morar na sua casa, distante apenas cinquenta metros
da casa paterna. O menino admirava a agilidade da sua avó nos trabalhos de
tecer rendas. Talvez tenha sido esses momentos que lhe inspiraram as primeiras
estrofes de “Mulher Rendeira”.
Quando menino, Virgulino gostava de brincar de
guerras com os companheiros, usando batoques e talos de bananeira. Eles se
dividiam em grupos adversos a que dava o nome de Pereiras e Carvalhos (famílias
altamente rivais da região) ou de Antônio Silvino e volante da polícia.
Muitos
anos mais tarde, o velho Terto, seu parente, de Inajá, participante desses
divertimentos, dizia: “Virgulino nasceu para Comandar. Nas brincadeiras de
menino, apesar de ser ele o mais pequeno, era ele o que tinha iniciativa. Se
tivesse no Exército, botava Caxias para trás!” (Lampião Seu Tempo e Seu Reinado
– Frederico Bezerra Maciel)
Não existiam escolas públicas naquelas terras
desamparadas. Havia, sim, os mestre escola que ensinavam, mediante contrato e
hospedagem, durante períodos normalmente de três a quatro meses, nas fazendas.
Lampião aprender a ler e escrever com algumas limitações, com o um desses
professores. Os irmãos Antônio e Livino não tiveram oportunidade de frequentar
regularmente a escola, devido os seus trabalhos no campo, por serem mais velhos
do que Virgulino.
Virgulino costumava ler a História de Carlos Magno e os Doze
Pares de França e a História de Napoleão Bonaparte em edições simples, talvez
até em cordéis, como aqueles onde os poetas populares exaltavam os heróis da
terra, como os vaqueiros, os cangaceiros, cabras valentes que lutavam até com o
cão (demônio) Ele comprava os folhetos de cordel para ler, decorar e cantar no
pinicado da viola ou na sanfona de oito baixos, da qual já tirava acordes,
desde os nove anos de idade.
Não fosse o destino cruel de Virgulino e dos dois
irmãos, teriam eles constituído lar onde viveriam felizes pelo resto da vida.
Livino namorou uma jovem de cor branca filha de um fazendeiro. Antônio namorou
sua prima legítima Licor.
Virgulino apaixonou-se pela primeira vez por uma
linda jovem chamada Santina. Teve também uma paixão oculta pela sua prima
Gertrudes, irmã de Licor, porém jamais se manifestou em virtude das
perturbações surgidas contra a sua família, provocadas pelo seu vizinho Zé
Saturnino, que terminaram por levá-lo e aos irmãos ao cangaço.
Aos catorze anos
de idade, Virgulino foi conduzido à “zona” (cabaré, zona de meretrício) por
dois amigos, adolescentes como ele e já iniciados, Abel de tal e José Pereira
da Cunha, o qual seria mais tarde o cangaceiro Ventania.
Enviado pelo autor Ruy Lima que é pesquisador do cangaço e outros temas.
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