Por
Cinthia Lopes
Jesuíno
Brilhante de Honório de Medeiros
Um cangaceiro
será sempre anjo e capeta, bandido e herói, como cantou Gilberto Gil na música
O Fim da História. O cangaceiro Jesuíno Brilhante (1824-1879), um dos primeiros
bandoleiros do sertão nordestino de meados do século XIX, nunca foi pintado
nesses tons de contraste. Antecessor de Virgulino Ferreira Lampião, o
norte-rio-grandense nascido em Patu deixou em torno de sim um mito de
generosidade, modelado aos olhos do povo e dos historiadores como um herói
romântico bem apessoado, que saqueava dos coronéis para dar aos pobres.
Um legado
corroborado por Luís da Câmara Cascudo em alguns de seus livros, como “Flor de
Romances Trágicos” (1966), também ressaltado no filme de 1972 do diretor
William Cobbett, “Jesuíno Brilhante, O Cangaceiro”. Mas que agora se descontrói
na nova biografia escrita por Honório de Medeiros “Jesuíno Brilhante, o primeiro
dos grandes cangaceiros” (8 Editora, 309 págs.).
A biografia
sobre a trajetória do cangaceiro de olhos azuis acaba de ser lançada e compõe
com outros dois livros, “Massilon, nas veredas do Cangaço” e “Histórias de
Cangaceiros e Coroneis”, a trilogia do autor acerca do coronelismo e do cangaço
no Rio Grande do Norte. Jesuíno Brilhante encontrou para fechar a trilogia e
foi ao se aprofundar nas pesquisas que se revelou para o autor a imagem
diferente da composição que se tinha dele de “cangaceiro romântico” e “Robin
Hood” do sertão.
No livro,
Honório de Medeiros mostra que assim como outros que vieram depois dele,
Jesuíno aterrorizou, matou por desavença ou encomenda, assaltou e saqueou o
sertão do Rio Grande do Norte à Paraíba. Algumas vezes, havia relato que
saqueava comboios e doava parte aos pedintes para manter a fama de cangaceiro
justo que já andava no boca a boca. Também se casou aos 19 anos com uma parente
de afinidade, Maria Carolina de Castro Lira, filha do primeiro casamento da
segunda mulher de seu pai.
Para encontrar
sua composição “chiaroescuro”, Honório de Medeiros conta que primeiro se
abasteceu de toda a bibliografia e depois trouxe novas fontes pesquisando em
todos os jornais de época tanto liberais como conservadores brasileiros e até
estrangeiros.
“A pesquisa
durou cinco anos. Primeiro fiz a coleta de todo o material já escrito a
respeito dele, depois fiz algo que até então não tinha sido feito, coletei
jornais do Brasil inteiro até do exterior falando sobre Jesuíno. À medida que
eu fui pesquisando, a lenda em torno de seu nome e seus feitos, foi sendo
descontruída, mas não ao ponto de uma destruição do personagem, apenas
situando-o no seu tempo histórico de forma real”, explicou.
Honório
apresenta ao leitor uma biografia de narrativa leve mas em forma de ensaio, na
qual confronta ideias registradas em livros e jornais, pontuando a vida de
Jesuíno Brilhante, seu tempo, seus atos e como as ramificações familiares
determinaram de alguma forma suas escolhas. A biografia é dividida em capítulos
e temas: “A época de Jesuíno Brilhante”, “Vida e morte”, “O outro lado da
moeda”, “À Propósito”, “Um esboço de conclusão”. Cada capítulo é aberto
por uma ilustração que representa um cangaceiro, desenhado por Gustavo
Sobral. Já a capa do livro é um óleo sobre tela do pintor Etelânio Figueiredo.
O jornalista
Vicente Serejo, autor do prefácio, escreve que foi preciso “olhos sem medo,
acesos pela dúvida” para ter a coragem de desmontar uma verdade que perdurou
livre e inquestionada ao longo de décadas.
Ilustração de
Gustavo Sobral
Sertão
pré-Lampião
No
sertão da metade do século XIX as questões políticas se misturavam à vida
da sociedade e era comum a aproximação dos cangaceiros com os donos do poder.
Havia as velhas questões de sobrevivência em jogo, ódio entre famílias,
vinganças, fama e códigos honra. Retratar a figura e o contexto da época foi
uma das preocupações do autor, assim como trazer ao leitor uma análise
minuciosa de suas fontes de pesquisa.
Sob a costura
de datas e registros dos jornais, o autor monta a história a partir de um tio
materno de Jesuíno como fio do novelo que desenrolou na sua entrada no cangaço.
José Brilhante de Alencar Souza, o Cabé, era cangaceiro. Com o casamento da
irmã, Cabé veio da Paraíba para o Rio Grande do Norte e se instalou na fazenda
Cajueiro, próximo ao “Tuiuiú”, a fazenda do pai de Jesuíno de quem agora era
cunhado. O tio é peça dessa história de desavenças familiares dos Alves de Melo
e os Limões a entrada de Jesuíno no cangaço com o assassinato de Honorato
Limão, numa bodega em Patu.
Foi Cabé quem
também descobriu na cidade de Maioridade (antiga Martins) a “Casa de Pedra”,
local que veio a se tornar o refúgio famoso de Jesuíno Brilhante. Como tudo que
diz respeito a Jesuíno Brilhante, também sua morte é controversa, explica o
autor no capítulo “O Fim”:
Morreu no
Riacho dos Porcos, município de Brejo do Cruz, Paraíba, em dezembro de 1879,
quando viajava na companhia de seus dois irmãos e demais membros de seu bando,
e foi surpreendido pela Polícia paraibana guiada pelo Cabo Pedro Limão. João
Brilhante, seu irmão, o sepultou em um local chamado “Palha”. Os emboscadores,
no entanto, não levaram o corpo e anos depois sua caveira é levada por um líder
político mossoroense, doada a uma escola e depois levada pelo Interventor
Rafael Fernandes Gurjão ao médico psiquiatra Juliano Moreira, no Rio de
Janeiro. E não se sabe mais dela.
Explicando
No filme de
William Cobbett, vemos que o diretor usou uma licença poética para explicar a
entrada de Jesuíno no cangaço. “Não foi para vingar a morte do irmão, mas
qualquer que tenha sido o motivo, podemos situar como consequência de uma época
de um código de honra brutal típico do sertão arcaico e das relações políticas
existentes naquele período”.
Já sobre
Câmara Cascudo ter reforçado a lenda do gentil-homem cangaceiro, o autor
explica que “existiam laços de amizades entre a sua família de Caraúbas e a família
de Jesuíno Brilhante. Ele tinha um carinho pela história desse cangaceiro.
Cascudo se apegou as histórias que chegavam aos seus ouvidos dizendo sobre as
ações meritórias e heroicas do cangaceiro”.
Quanto à
tentativa de criar um estado paralelo livre de coronéis, para o autor é “uma
história infundada, pois não existe nenhum registro que possa sequer sugerir a
existência desse estado paralelo sertanejo ou de uma sociedade livre de
coronéis”, contou.
Honorio de
Medeiros é escritor e advogado, bacharel em ciências jurídicas e sociais pela
UFRN, Mestre em direito e tem outros livros publicados em áreas como
filosofia e direito.
O livro pode
ser encomendado por emailmariasenna1958@gmail.com
Cinthia Lopes
- Típico Local
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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