Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho
A SECA E OS
SEUS FLAGELOS
A bandeira dos
Diários Associados pelos sertões do Nordeste
Aníbal
FERNANDES (Enviado especial dos Diários Associados)
O FERREIRO DA
MALDIÇÃO
Numa dessas
notas nós comparamos o sertanejo ao “ferreiro da maldição, que quando tinha
ferro não tinha carvão”. Quem vai a Belém de Cabrobó pode ter disso a certeza.
Belém também sofre da seca. E sofre por outro lado, com a invasão do seu
território por gente que vem dos outros Estados, tangida pelo flagelo, e, quem
diria! pela maneira bizarra como a polícia baiana está realizando a perseguição
ao banditismo.
Ouvimos do
vigário de Floresta, sacerdote dos mais dignos, que não era possível que o
Governo baiano tivesse conhecimento da maneira como isso estava sendo feito.
Belém está
cheia de pequenos fazendeiros baianos, expulsos de suas propriedades, sob
pretexto de perseguição a Lampião.
A história é a
seguinte: a polícia da Bahia quer dar o golpe de morte em Lampião, aniquilando
o “coiteiro”. E na expectativa de que todo o mundo possa vir a ser “coiteiro”
vai expulsando o pessoal de suas terras.
É verdadeiramente
inqualificável o que está acontecendo nos sertões baianos, segundo nos relatou
o vigário de Floresta. Fazendeiros há que perderam gado, lavoura, casas,
deixando tudo nas mãos da polícia. Outros há que estão proibidos de dormir nas
fazendas. E por muito favor podem ir de dia à propriedade, tendo, porém, que
pernoitar na cidade mais próxima.
A mesma
narrativa ouvimos de diversas pessoas, de Belém, onde há muita gente morrendo
de fome, devido à atitude estranha adotada no Estado vizinho.
É claro que na
luta contra o bandido o “coiteiro” deve ser reprimido com energia. Mas não é
despovoando o sertão e tomando conta das fazendas que se consegue esse
objetivo. Isso faz parte das soluções estratosféricas que é preciso evitar.
De sorte que,
aos muitos males que o salteiam, o sertanejo nordestino tem que acrescentar
mais esse.
A seriedade
das fontes, onde colhemos essas informações, deve provocar do Governo da Bahia
uma providência decisiva, modificando-se a maneira de fazer a repressão ao
banditismo e evitando-se assim que inúmeras famílias fiquem na miséria.
O vigário de
Floresta lembrava que as fazendas suspeitas ficassem vigiadas pela polícia, o
que evitaria essa expulsão em massa, que vem refletir entre nós, porque toda
essa gente atravessa o rio e se refugia em Pernambuco, aonde ocorre neste
instante grande parte da população do Nordeste flagelado.
A luta contra
o cangaço não pode ser feita, às cegas, atingindo-se indistintamente a quantos
nada têm que ver com o célebre bandido, que, a despeito de tudo, continua a se
deslocar de um canto a outro, com a sua diabólica mobilidade.
DE FLORESTA A
SALGUEIROS
A estrada de
Floresta a Salgueiros é qualquer coisa de trágico que o nosso carro vence com
uma bravura decidida.
A bandeira dos
Diários Associados rasga as caatingas, atalhos e veredas, por onde a passagem
de um automóvel é verdadeiramente aventurosa. Diversas vezes temos que parar
para tirar o carro de alguma valeta ou para encher os pneus ou para reparar as
câmaras de ar estouradas. A soalheira é terrível. Levas de retirantes nus,
famintos, esfarrapados, vindos de todos os recantos, de Sobral, de Missão
Velha, do Juazeiro, de Inhamuns.
Atravessamos
uma zona, por onde outrora Lampião fazia as suas razias ferozes.
Tapera. Teatro
do drama sinistro, em que pereceu toda família dos Gilos, composta de 17
pessoas, trucidadas pelo bandido, após um embate tremendo, em que refulge toda
a bravura sertaneja. Dezessete heróis que sucumbiram após esgotar o último
cartucho.
Cortamos os
contrafortes da serra do Aripuá e da serra do Umã.
Barra do
Silva. Pobre lugarejo onde estacamos um momento para colher informações. Um
pequeno lavrador conta-nos a sua desdita, apontando-nos aí serra, outrora tão
fértil, e onde as lavouras desta vez não medraram. Não há mais nada. Tudo se
foi com a seca. O gado está vasqueiro, devido também à peste que se pronunciou
o ano passado.
Há fome. A
alimentação do pobre é a macambira e o “bró” do catolé que nem mesmo o animal
bem aceita. E está tudo nu.
Conceição dos
Crioulos é quase um quilombo. Algumas crianças maltrapilhas brincam na rua. O
Dr. Olímpio de Meneses aponta-nos um pequeno tracomatoso. Por toda parte, a
miséria, o abandono, a desolação.
Estamos nos
aproximando de Salgueiros. Grupos de trabalhadores preparam a rodovia
Salgueiros-Vila Bela, que daqui a um mês e meio a dois estará concluída.
Paramos. Perguntamos pelos efeitos da seca. Um trabalhador nos diz que está
tudo arrasado. As lavouras mortas nos campos. Ninguém colheu e “nem mesmo a serra
do Araripe, diz ele, que era quem salvava essa “América de Pernambuco” tem mais
nada.
Agradecemos-lhe
a informação... e a frase.
América de
Pernambuco! Pedaço de “terra desumana”, flagelada, e que é preciso salvar do
desastre para que caminha, e com ela todo este podre Nordeste, tão digno de
melhor sorte.
Em Salgueiros
a seca assola o município todo e por toda a parte deixa o traço de sua
passagem. O comércio está aniquilado. Gente daqui e dali vai abandonando as
suas terras. Pequenos comerciantes já fecharam as portas.
Procuramos
fazer a nossa “enquete”, ouvindo pessoas de todas as classes e de todas as
condições. E, sem distinção, é o mesmo clamor. Um dos maiores comerciantes e
fazendeiros fala-nos com a maior apreensão sobre o futuro do sertão e de Pernambuco.
A pecuária vai desaparecendo. A safra de algodão este ano está perdida. Os
cereais que a maioria dos municípios produzia para o seu consumo têm de vir de
fora. O despovoamento se acentua.
E qual o meio
de ir ao encontro dessa situação? Só grandes trabalhos, serviços de larga
envergadura. Os 450 contos que nos couberam do crédito de 10 mil, aberto
recentemente pelo Governo Federal, e com que estamos fazendo os serviços das
rodagens, não chegam para nada. São uma migalha, uma gota d’água. Daqui a pouco
esse crédito estará extinto. E que vai ser do sertão? Todas as economias se
impunham para atender à crise desesperadora do sertanejo. Porque o Brasil não
faz um sacrifício pelo Nordeste sofredor?
Por que o
país, que gastou 60 mil contos na estrada Rio-Petrópolis, não concentra todas
as suas energias em realizar no Nordeste obras que aí estão se impondo por uma
questão de salvação pública?
Outro
fazendeiro, ouvido sobre os trabalhos em curso, fala-nos sobretudo da situação
lamentável do trabalhador, exausto pelas privações e que não pode dar o
rendimento que se pode exigir de um trabalhador válido e bem alimentado. E a
família desse infeliz, composta na sua maioria de mulher e de cinco ou seis
filhos, às vezes muito mais?
De toda gente
ouvimos o mesmo rosário de lamentações. O mesmo apelo para que transmitíssemos,
por intermédio dos Diários Associados, a todo o Brasil, a angústia do sertanejo
batido por toda a sorte de desventuras e revezes: a seca, a peste, as lutas
políticas, tudo se acumulando numa sucessão interminável, como se para ele não
houvesse jamais um lenitivo ou uma esperança.
Aníbal
Gonçalves Fernandes foi professor, jornalista, oficial de gabinete do governo
Sérgio Loreto, secretário de justiça e instrução, deputado estadual, mas sua
maior paixão foi o jornalismo. Também foi membro da Academia Pernambucana de
Letras e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (fonte:
internet)
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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