Por Zozimo LIMA*
Recordo com saudade, outubro, início da botada dos engenhos de açúcar bruto. De usina, no meu tempo de menino, só se conhecia a do Topo e a Várzea Grande do Dr. Tomás. O resto, cerca de 60, era movido a vapor, cavalos e força hidráulica.
Eu ficava trepado na almanjarra, rodada a cavalo, do engenho Muquem, de seu Norberto, pai de Zé Ferreira, advogado em Aracaju.
Também fazia o mesmo no engenho Cotia do meu tio Ioiô Barbosa. O açúcar bruto era gostoso e eu o tirava da caixaria onde ficava exposto ao sol.
O cabaú era uma delícia. Às vezes, quando eu tirava, com os moleques, do tanque, encontrava um rato morto. Mas menino não estava ligando a essas porcarias.
O melado, fervendo, nas seis tachas, tinha cheiro especial. O mestre de açúcar, conhecedor do “ponto”, trazia-o para nosso apetite, cozinhado com pedaços de abóbora ou batata doce. A cana no “picadeiro” era empurrada nas moendas, por mulheres, para trituramento. Saía o bagaço do lado oposto.
E o caldo azedo, em cabaça, arrolhada com capuco de milho, era um regalo para o paladar e um veneno para o fígado de quem o tinha avariado.
O senhor de engenho de chapelão meio desabado, sapato roló, de couro de bode mal curtido, chicote curto à destra, fiscalizava o peso da cana na balança, indo, depois, auxiliar a marcação dos sacos com o nome do engenho e do proprietário. Fui pesador de cana no engenho Campinhos do finado Zé Ferreira, meu padrinho de crisma, quando por Sergipe, andou, em visita, o arcebispo D. Thomé.
Ficava ao lado do engenho o alambique, muito frequentado pelos amantes da “teimosa” e pelos comboieiros portadores de ancoretas camufladas para iludir a fiscalização. Havia comboieiros que vinham comprar mel para o fabrico da cachaça. Traziam borrachas de couro para condução do cabaú.
Era uma festa o início da moagem. Na casa-grande as matronas e sinhazinhas auxiliadas pelas cozinheiras, antigas escravas ou filhas destas, preparavam saborosos doces de todos os feitios para os visitantes, que eram muitos.
Se na casa havia moças bonitas, em idade de casar, os filhos dos vizinhos, senhores de engenho, apareciam constantemente, sempre bem vestidos, montando cavalos arreiados com apuro, de botas russianas, estribos, bridas e esporas de prata.
Era o namoro sem agarramento, à distância, na presença dos pais, tios e primos. A moça, de rosa nos cabelos, olhar magoado das heroínas dos romances de Feuilet, e o rapaz, bem-falante, desembaraçado, pernóstico, com verbos no plural e o sujeito no singular, contava histórias de trocas de cavalo, lobisomens, apojadura de bezerros de vacas leiteiras e projetos de aumentar os partidos de cana.
Bons tempos aqueles em que Sergipe tinha engenhos a cavalo, a vapor e à roda d’água. Nunca mais comi doce de coco, de leite, sequilhos, olhos de sogra e bom bocado fabricados por aquelas delicadas sinhazinhas dos engenhos que precederam a instalação das usinas devastadoras e absorventes.
Gazeta de Sergipe – 22.08.1973
*Jornalista e escritor
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Do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho
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