Por João Costa
Ao conhecer e comparar os relatos da história do cangaço que emerge de várias fontes, o simples leitor tem dificuldade em separar fatos e ficção. E isso é bom, porque nos dá escolhas para desenvolvermos simpatias por personagens tão controversos.
O relato a seguir, extraído do livro “Lampião – a Raposa das Caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão é extraordinário.
Após o ataque a Sousa(PB) sob o comando de Livino, Antônio Ferreira e Chico Pereira, ataque este que rendera 200 contos de réis em dinheiro vivo, o bando volta para São José de Princesa, divisa entre Paraíba e Pernambuco, localidade onde Lampião descansava e se recuperava de ferimento sofrido no pé, sob a proteção do coiteiro Marcolino Diniz.
Um constrangimento surge no bando: o cangaceiro Antônio Augusto Correia, vulgo Meia Noite, descobre que havia sido roubado na quantia de nove contos de réis, enquanto dormia.
Raposa velha e conhecedor de todas as manhas Meia Noite suspeitou de Livino e Antônio Ferreira e sentindo-se ludibriado, desencadeou uma tremenda confusão a ponto de Lampião interferir para acalmá-lo.
Pra serenar os ânimos, o próprio Virgulino ressarciu Meia Noite com a mesma quantia que haviam lhe roubado, mas o cangaceiro não ficou satisfeito; seguiu esbravejando e Lampião subiu o tom da conversa: exigiu que Meia Noite entregasse suas armas – o cabra estava brabo demais.
Lampião era tratado por Meia Noite, pelo apelido carinhoso de “Nego Véio”, uma vez que eram companheiros de armas de longa data. Alucinado com esse argumento de entregar suas armas, Meia Noite reagiu.
-“Se tiver homem no meio dessa mundiça, que venha tomar minhas armas! Inclusive você também, Nego Véio, seu filho de uma égua!”, disparou Meia Noite na frente de todo o bando.
Os cabras estremeceram, esperando pelo pior. Virgulino, então, ajeitou o chapelão na cabeça e falou para Meia Noite pausadamente.
- Meia Noite, você é meu amigo, mas não pode abusar... Já lhe dei o dinheiro que você disse que lhe roubaram, não dei? Apois agora eu quero que vá simbora; eu não quero revoltoso no meu grupo!”, foi a reação de Lampião.
- “Vou simbora mesmo e nesse mesmo instante”! Concordou Meia Noite que buscou seus apetrechos, selou um burro e falou pra quem quisesse ouvir.
- “De hoje em diante não preciso mais dessa bosta! Bando de ladrões safados”, disse o cangaceiro se despedindo do grupo.
Meia Noite tinha um grande amor, uma cabocla chamada Zulmira. Deixando o bando para trás, seguiu para o sítio Tataíra, divisa da Paraíba com município de Triunfo(PE) onde morava sua amada. O cangaceiro era tão apaixonado pela namorada que, como prova de amor, ele chamava carinhosamente seu mosquetão de “Zulmira”, o nome da moça.
- Eu tenho dois amores que me socorrem na precisão Zulmira no aconchego e Zulmira meu mosquetão, dizia recorrentemente.
Na noite de 17 de agosto de 1924, Meia Noite foi visto por um agricultor entrando na casa onde Zulmira morava, e este, imediatamente, delatou para a volante que estava estacionada em Princesa.
Despachada sem mais demora, a volante de Manoel Virgolino, com 12 homens, chegou no sítio Tataíra tarde da noite.
O cabecilha bateu à porta dizendo-se com sede e pedindo água. O próprio Meia Noite, imitando voz de mulher, respondeu que “aquela não era a hora de abrir a porta para estranhos”.
O ardil não funcionou e seguiu-se um tremendo tiroteio.
A casa era de taipa e Meia Noite, prevenido, havia perfurado as paredes com vários buracos. De tal maneira que disparava sua arma ora da cozinha, ora do cômodo da frente, depois do pequeno quarto, dando a impressão que havia vários atiradores, mantendo a volante à distância.
No tiroteio cerrado, Meia Noite percebeu a munição escasseando, temendo pela vida da sua amada Zulmira, abriu negociação com a volante.
- “Vocês aí, vamos fazer um trato! Eu estou com uma mulher aqui, que não tem nada a ver com nada. Deixem que ela saia, depois nós continuaremos, se comportem como homens! O cabecilha da volante até que foi cavalheiro e concordou.
- Pode mandar a mulher sair!
Assim, com uma trouxa debaixo do braço, Zulmira deixou a casa e tomou distância. O tiroteio recomeçou.
Para agravar a situação de Meia Noite chegaram mais duas volantes, lideradas pelos tenentes Manoel Benício e Francisco Oliveira. E depois mais outra. Desta feita, a volante comandada pelo sargento Clementino Quelé.
Sargento Clementino
A força volante, que no início do cerco era composta por 12 soldados, agora tinha 100 homens, sob toques de cornetas, deixando Meia Noite debaixo de uma chuva de balas de fuzis.
Ali, acossado e debaixo de uma chuva de cacos de telhas quebradas, fragmentos de barro e o fumacê causado pelo tiroteio, Meia Noite conseguiu furar o cerco saindo por um buraco na parede e rastejando como cobra.
Meia Noite escapou ao cerco monumental de cem soldados de volante apenas com um leve ferimento numa perna, nada grave. Mas na fuga, ao pular uma cerca, quebrou o braço direito, exatamente o de manejar o rifle.
Após essa fuga espetacular Meia Noite pediu socorro numa casa de um agricultor, que o atendeu prometendo buscar ajuda para tratar do ferimento no braço. Saiu em busca de socorro, mas quem voltou foi a volante do subdelegado de Princesa Isabel, Manoel Lopes Diniz, vulgo “Ronco Grosso”.
Meia Noite ainda reagiu disparando seu parabélum até a munição acabar. Quando a polícia entrou na casa, não encontrou ninguém. No dia 23, Meia Noite foi encontrado morto no Sítio Almas, em Triunfo.
Assim morreu Meia Noite, um sertanejo natural de Piranhas, que cometera seu primeiro crime aos 12 anos de idade. Ele havia permanecido no bando de Lampião de 1921 até 1924. Era alto, franzino, negro e também descendente de índio. O capitão Virgulino Ferreira assim se referia a ele.
- “Meia Noite, sozinho, valia por dez!”
Acesse: blogdojoaocosta.com.br
Fonte: “Lampião – a raposa das caatingas”, de José Bezerra Lima Irmão.
Infelizmente perdi a fonte principal.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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