Por Ernane Santana Santos
Nos anos de
1930, as famílias do sertão e do agreste nordestino viviam assombradas com
os ataques e as atrocidades praticadas por Lampião e
seus cangaceiros. As notícias corriam de boca em boca dando conta da audácia e
das estripulias dos bandidos, que mesmo perseguidos pela polícia,
percorriam os Estados nordestinos, já há uma década.
O imaginário
popular, a literatura de cordel, os violeiros e repentistas enalteciam seus
feitos, relatando sua trajetória de fora da lei ou de vingador dos
sertões. Quase sempre era elevado à categoria de herói do povo
nordestino, impressionado com suas façanhas e astúcias para conseguir enganar as
forças policiais.
Foi ao
amanhecer do dia 28 de julho de 1938, que Lampião foi emboscado, após
ser traído por um dos seus coiteiros, segundo alguns
historiadores. Assim, Lampião, Maria Bonita e parte do seu bando sucumbiram aos
tiros de metralhadora disparados pela volante policial alagoana
comandada pelo tenente João Bezerra, numa grota existente na Fazenda
Angicos, na margem do Rio São Francisco, município de Porto da Folha em
Sergipe.
Todos tiveram
suas cabeças decepadas a golpe de facão e colocadas em latas contendo
querosene. Esse troféu macabro foi exposto ao público de várias
cidades alagoanas, antes de chegar à Maceió, onde foram levadas ao
Instituto Médico Legal Estácio de Lima para comprovação da identidade dos
mortos.
As rádios transmitiam diariamente o ocorrido e os jornais estampavam em suas primeiras páginas as fotografias das cabeças decepadas dos cangaceiros. Todos queriam comprar o jornal como lembrança e para saber dos detalhes da empreitada que culminou com a morte e o esfacelamento do bando. Não havia jornal para todos.
Colônia
Leopoldina
Em 1938,
Leopoldina era uma pequena cidade cortada por umas poucas ruas de barro batido.
A Rua 15 de Novembro, mesmo sendo a principal artéria da cidade,
também não tinha pavimento.
Nessa rua
morava meu avô materno, o comerciante e agricultor Francisco Santana, mais
conhecido como Chiquito. Proprietário de fazendas e negociante de secos e
molhados. Também era dele uns quartinhos de duas portas e apenas uma
janela, que eram alugados aos bodegueiros, sapateiros, tamanqueiros,
barbeiros e vendeiros.
O juiz
municipal, Dr. Jerônimo Accioly Lins, mais conhecido como Dr. Gila,
era auxiliado pelo oficial de justiça Pedro José de Souza, o
polivalente Pedro Alfenim, que também era o único coveiro da
cidade, fabricante dos doces alfenins, feirante e dono do carrossel.
Foi exatamente
nesse período efervescente da histórica desarticulação do bando liderado
por Lampião que o inefável Pedro Alfenim teve a brilhante
ideia de procurar Chiquito para que ele lhe alugasse um de
seus quartinhos. Pedro expôs que queria o espaço por apenas um
domingo, para mostrar ao respeitável público da terrinha as famosas cabeças
dos cangaceiros.
Meu avô ouviu
a proposta e ficou desconfiado de que ali existia mais uma presepada
do Pedro, afinal já o conhecia de outras histórias e sabia do que ele
era capaz de fazer para defender alguns réis. Após alguma relutância
inicial, Chiquito foi convencido a alugar o imóvel.
O boato de
que Colônia Leopoldina iria receber espetáculo de tal magnitude, logo
correu pela boca do povo da cidade e da redondeza. Só se falava
no evento mórbido organizado pelo nosso Pedro Alfenim.
No domingo seguinte,
dia de feira, Colônia estava em ebulição. Era um acontecimento histórico.
A multidão ansiosa se aglomerava na porta da improvisada e minúscula casa de
show, querendo o início da função.
Pedro tocava o
seu realejo e anunciava em voz alta e estridente que logo
daria início a apresentação. Com essa conversa ia ganhando tempo para vender
os últimos ingressos. Era gente empurrando gente numa fila enorme formada na
rua principal da cidade. Os mais exaltados já ameaçavam abrir a porta
na marra.
Pedro segurou
a pressão até que o empurra-empurra ficou incontrolável. De repente,
as portas foram escancaradas, ao tempo em que o promotor do evento gritava:
— Avança minha
gente, venham ver as cabeças de Lampião e Maria
Bonitinha.
A correria
para entrar transformou-se num grande atropelo. Era gente gritando, aos
empurrões, com os mais fracos espremidos nas paredes e os
menores pisoteados.
Aproveitando a
esperada confusão, Pedro escapuliu, atravessando a ponte do Rio
Jacuípe em direção à Pernambuco, onde sua esposa já o esperava para
ficarem uma temporada longe da clientela.
Enquanto isso,
na salinha da Rua 15 de Novembro, os pagantes — depois de não
encontrarem cabeça alguma de cangaceiro — perceberam que tinham sido vítimas de
mais uma armação do coveiro. Quando a calma parecia ter sido
restabelecida, alguém gritou:
— Olha aqui as cabeças de Lampião e Maria
Bonita.
Foi
outro alvoroço. Mas logo se descobriu que Pedro havia se superado na
arte de pregar peças.
Conforme ele
anunciara e prometera, ali estavam as cabeças dos bandidos. O
detalhe é que eram as cabeças em fotos, que haviam sido estampadas nas
páginas do Jornal do Comércio e que agora estavam coladas na
parede.
Os espectadores enganados foram alvo de gozação na cidade por muito tempo. Chateados, prometeram se vingar daquela brincadeira que Pedro lhes havia pregado. Semanas depois, Pedro estava tranquilamente de volta para vender os alfenins, enterrar defunto morto e intimar gente a mando do Dr. Juiz de Direito.
*Publicado originalmente
no livro Encruzando Espadas, 2011.
https://www.historiadealagoas.com.br/as-cabecas-de-lampiao-e-maria-bonitinha.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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