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domingo, 14 de abril de 2024

AS CABEÇAS DE LAMPIÃO E MARIA BONITINHA

 Por Ernane Santana Santos

Multidão espera as cabeças dos cangaceiros em Santana do Ipanema

Nos anos de 1930, as famílias do sertão e do agreste nordestino viviam assombradas com os ataques e as atrocidades praticadas por Lampião e seus cangaceiros. As notícias corriam de boca em boca dando conta da audácia e das estripulias dos bandidos, que mesmo perseguidos pela polícia, percorriam os Estados nordestinos, já há uma década.

O imaginário popular, a literatura de cordel, os violeiros e repentistas enalteciam seus feitos, relatando sua trajetória de fora da lei ou de vingador dos sertões. Quase sempre era elevado à categoria de herói do povo nordestino, impressionado com suas façanhas e astúcias para conseguir enganar as forças policiais.

Foi ao amanhecer do dia 28 de julho de 1938, que Lampião foi emboscado, após ser traído por um dos seus coiteiros, segundo alguns historiadores. Assim, Lampião, Maria Bonita e parte do seu bando sucumbiram aos tiros de metralhadora disparados pela volante policial alagoana comandada pelo tenente João Bezerra, numa grota existente na Fazenda Angicos, na margem do Rio São Francisco, município de Porto da Folha em Sergipe.

Todos tiveram suas cabeças decepadas a golpe de facão e colocadas em latas contendo querosene. Esse troféu macabro foi exposto ao público de várias cidades alagoanas, antes de chegar à Maceió, onde foram levadas ao Instituto Médico Legal Estácio de Lima para comprovação da identidade dos mortos.

As rádios transmitiam diariamente o ocorrido e os jornais estampavam em suas primeiras páginas as fotografias das cabeças decepadas dos cangaceiros. Todos queriam comprar o jornal como lembrança e para saber dos detalhes da empreitada que culminou com a morte e o esfacelamento do bando. Não havia jornal para todos.

Cine Santa Leopoldina Colônia Leopoldina

Colônia Leopoldina

Em 1938, Leopoldina era uma pequena cidade cortada por umas poucas ruas de barro batido. A Rua 15 de Novembro, mesmo sendo a principal artéria da cidade, também não tinha pavimento.

Nessa rua morava meu avô materno, o comerciante e agricultor Francisco Santana, mais conhecido como Chiquito. Proprietário de fazendas e negociante de secos e molhados. Também era dele uns quartinhos de duas portas e apenas uma janela, que eram alugados aos bodegueiros, sapateiros, tamanqueiros, barbeiros e vendeiros.

O juiz municipal, Dr. Jerônimo Accioly Lins, mais conhecido como Dr. Gila, era auxiliado pelo oficial de justiça Pedro José de Souza, o polivalente Pedro Alfenim, que também era o único coveiro da cidade, fabricante dos doces alfenins, feirante e dono do carrossel.

Foi exatamente nesse período efervescente da histórica desarticulação do bando liderado por Lampião que o inefável Pedro Alfenim teve a brilhante ideia de procurar Chiquito para que ele lhe alugasse um de seus quartinhos. Pedro expôs que queria o espaço por apenas um domingo, para mostrar ao respeitável público da terrinha as famosas cabeças dos cangaceiros.

Meu avô ouviu a proposta e ficou desconfiado de que ali existia mais uma presepada do Pedro, afinal já o conhecia de outras histórias e sabia do que ele era capaz de fazer para defender alguns réis. Após alguma relutância inicial, Chiquito foi convencido a alugar o imóvel.

O boato de que Colônia Leopoldina iria receber espetáculo de tal magnitude, logo correu pela boca do povo da cidade e da redondeza. Só se falava no evento mórbido organizado pelo nosso Pedro Alfenim.

No domingo seguinte, dia de feira, Colônia estava em ebulição. Era um acontecimento histórico. A multidão ansiosa se aglomerava na porta da improvisada e minúscula casa de show, querendo o início da função.

Pedro tocava o seu realejo e anunciava em voz alta e estridente que logo daria início a apresentação. Com essa conversa ia ganhando tempo para vender os últimos ingressos. Era gente empurrando gente numa fila enorme formada na rua principal da cidade. Os mais exaltados já ameaçavam abrir a porta na marra.

Pedro segurou a pressão até que o empurra-empurra ficou incontrolável. De repente, as portas foram escancaradas, ao tempo em que o promotor do evento gritava:

— Avança minha gente, venham ver as cabeças de Lampião e Maria Bonitinha.

A correria para entrar transformou-se num grande atropelo. Era gente gritando, aos empurrões, com os mais fracos espremidos nas paredes e os menores pisoteados.

Aproveitando a esperada confusão, Pedro escapuliu, atravessando a ponte do Rio Jacuípe em direção à Pernambuco, onde sua esposa já o esperava para ficarem uma temporada longe da clientela.

Enquanto isso, na salinha da Rua 15 de Novembro, os pagantes — depois de não encontrarem cabeça alguma de cangaceiro — perceberam que tinham sido vítimas de mais uma armação do coveiro. Quando a calma parecia ter sido restabelecida, alguém gritou:

— Olha aqui as cabeças de Lampião e Maria Bonita.

Foi outro alvoroço. Mas logo se descobriu que Pedro havia se superado na arte de pregar peças.

Conforme ele anunciara e prometera, ali estavam as cabeças dos bandidos. O detalhe é que eram as cabeças em fotos, que haviam sido estampadas nas páginas do Jornal do Comércio e que agora estavam coladas na parede.

Os espectadores enganados foram alvo de gozação na cidade por muito tempo. Chateados, prometeram se vingar daquela brincadeira que Pedro lhes havia pregado. Semanas depois, Pedro estava tranquilamente de volta para vender os alfenins, enterrar defunto morto e intimar gente a mando do Dr. Juiz de Direito.

*Publicado originalmente no livro Encruzando Espadas, 2011.

https://www.historiadealagoas.com.br/as-cabecas-de-lampiao-e-maria-bonitinha.html

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