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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

CACHORRADA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

CACHORRADA
Certas coisas acontecem que as pessoas ou fingem que não veem, passam sem dar atenção ou simplesmente acham que tanto faz que aquilo esteja acontecendo ou não. Mas como sou curioso demais, acabo cuidadosa e cautelosamente observando tudo.
Avisto todos os dias, e a qualquer hora do dia, pessoas de todas as idades mijando nos postes à moda dos cachorros. Chegam mansinhas, farejando ao redor, mas logo correm e se aliviam como querem no meio da rua. Depois, começam a grunhir e latir se olham ao redor e sentem alguém observando.
Acontece mais da boca da noite em diante, mas sempre diviso a cachorrada no cio se entrelaçando de amores. Sem querer saber se pessoas passam ou não, se observam ou não, ou se aceitam tal falta de vergonha e respeito, mas a verdade é que se lambe toda pelas esquinas, se agarra querendo tirar a roupa nos escondidos das praças. Muitas vezes chega às vias de fato e depois apenas dois cachorros apressadamente felizes.
Não há como distinguir muito bem cachorro vadio, vira-lata, de rua mesmo, daquele outro de raça, de madame, todo pomposo e cheio de trique-triques. O cachorro que passa de terno, de papelada embaixo do braço, de carro importado ou escambau, muitas vezes vale muito menos do que o cachorro pelado, sarnento, que vive desvalido pelas calçadas.
Porque cachorro é bicho fingidor demais, até no latido o bicho quer fingir aquilo que não é. Cachorro policial, cachorro autoridade, cachorro de anel no dedo, cachorro doutor, cachorro parlamentar, cachorro com mandato, cachorro eleito pelo povo, cachorro que pousa de bom moço, cachorro que veste batina e cachorro que pensa que é mais que todo mundo. Tudo cachorro e, como já dito, com menos valor e mais desacreditado do que aquele cãozinho que todo mundo corre atrás com uma vassoura.
Cachorro grande e que se diz de raça, anda sempre puxado pelo poder, através de uma coleira lisa demais para permitir fuga imediata diante de qualquer perigo. Logicamente que não anda em todo lugar e nem gosta de ser visto por outros cachorros, pois sempre acha que a proximidade é perigo para sua saúde financeira. Mas quando tem que estar diante da cachorrada é todo manso, olhando por baixo, agindo devagarzinho e sempre dizendo alguma coisa ao pitbull que sempre está ao seu lado.
Mas dizem que quanto maior o cachorro mais cachorrada ele faz. Não é de mijar em pé de poste, pois prefere urinar em cima de vira-latas, de cachorros insignificantes para ele. Mas dizem também que é carnicento, só gosta do que é podre, lambe o que encontra facilmente até não sobrar mais nada. Vive se apegando na raça que tem, mas se encontra cachorro mais imponente sai se arrastando com a língua de fora, humildemente lambendo as botas do outro.
Já cachorro de rua tem de todo tipo. O perdigueiro é honesto e trabalhador, morde seu osso com orgulho porque lutou para consegui-lo; o magricela zoadento, sem tamanho ou porte algum, sempre quer ser mais valente que os outros. Fica latindo de longe, soltando grunhidos com seus dentinhos afiados, querendo mostrar valentia. Porém basta que sigam em sua direção que o safado bota o rabo entre as pernas e corre pra se esconder debaixo do que encontrar.
O vira-lata legítimo está na maioria da população. Gosta de viver escorneado pelos cantos, à sombra, esperando sentir o cheiro de qualquer coisa pra sair farejando na direção. Não faz mal a ninguém, mas também é uma raça inconveniente por gostar, de vez em quando, de roubar o osso do outro, mijar onde está limpo, se encostar nos outros para tirar algum proveito.
A maioria dos cachorros é tratada como cães, mas outra parcela é tida como cachorro mesmo, tratada como cachorro, vista como cachorro. Não é difícil encontrar cachorros assim, ainda adolescentes, tendo marquises por moradia, a rua como único caminho, o resto de qualquer coisa jogada adiante como alimento. As pessoas fazem tudo para evitá-los, pois acham-nos sujos, feios, fedidos e sentem que estranhamente aprenderam até a estender a mão pedindo esmola.
Esses cachorrinhos de rua, animais esquecidos pela sociedade e sem grandes esperanças de sobreviver, uivam à moda dos lobos, se esganiçam à moda das raposas, são carnicentos à moda dos coiotes. Estão lá, nas esquinas, nas ruas, embaixo das marquises, muitas vezes com os focinhos cheirando cola. Mas tanto faz. Ninguém gosta de cachorro mesmo.
E tem cachorro que tem a cara de gente. Tenho até minhas dúvidas se muitas pessoas não são canídeas que pensam serem humanos. E tem cachorro que é um doce de pessoa. E tem gente que nunca vai deixar de ser o mais sarnento vira-lata.

Rangel Alves da Costa* 
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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