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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Sobre a nascente do Pinga de M. Velha - rio Salgado

Por: José Cícero


Meio Ambiente: “Pinga” que te quero vivo...


1- Cachoeira/Rio Salgado M. Velha.
2 - equipe: JC, Kledson, Bruno, Marx, Zuis e Wesley.
3- Equipe,
4 - idem.
Imagens da incursão à Cachoeira(rio Salgado) em direção a nascente do "Pinga" de M. Velha
Uma pequena análise sobre as ameaças que pesam sobre o Bioma da Cachoeira e a nascente do “Pinga” do rio Salgado em Missão Velha

Num passado não muito distante ele era tido como um local famoso – Uma nascente como tantas que noutros tempos abundavam pelo Cariri equilibrando a vida dos ecossistemas, em especial a vazão cotidiana do rio. Antes, toda a cidade pelos menos sabia da sua existência ao contrário do que ocorre nos dias atuais. Visto ser ela uma das maravilhas naturais da não menos famosa e lendária Cachoeira de Missão Velha. Todos os habitantes o sabiam pelo nome natural de batismo sertanejo, ou seja, “O Pinga” da Cachoeira ou da Lapinha. Nascente encravada entre as rochas que margeiam o rio Salgado a quase uma légua do centro da cidade.
Um ‘olho d’água’ que outrora abasteceu com suas límpidas águas, gostosas e azuladas boa parte da então pequena elite missãovelhense. De tão boas, havia até quem apostasse nas suas propriedades medicinais. “Água boa de beber que inté dá pena de se gastar no lavar dos panos”costumavam dizer as antigas lavadeiras dos rios. Hoje, certamente a tal modernidade a chamaria seguramente de “mineral”.
Mas, infelizmente como se percebe, nenhum destas qualidades foram suficiente; pelos menos o bastante para livrá-lo do atual estado de abandono e do imoral descaso no qual está relegado e submetido como que por castigo. Portanto. o que ora acontece com aquele bioma é uma tremenda e vergonhosa pervesidade.
Protegida por um conjunto de árvores altas e frondosas a nascente permanece ali calma e tranqüila como um anjo de Deus a olhar para nós pedindo clemência. Árvores na sua grande maioria antigas de troncos enormes com suas raízes sedimentadas sobre as rochas e os lajedos. Algumas espécies conhecidas, outras nem tanto. Muitas até frutíferas há muito plantadas pelos que lá moravam, algumas delas nativas tais como Jenipapos, Oliveiras, Mangueiras, além de catolé, oitis, jatobás, cajá, imbu, pinhas dentre outras. Um lugarzinho incrívelmente fresco e bucólico, fincado entre a caatinga e o chapadão do rio Salgado. Um magnífico paredão à direita do mancial. Deveras intransponível repleto de ninhos de urubus e muitas outras espécies de aves da região.
Foi uma visitação gratificante. De maneira que nos arredores do “Pinga” era como se estivéssemostodos protegidos por uma grande cobertura natural. Tamanha era a sombra daquelas copas imensas. O sol estava quase a pino e o calor daquela tarde era insuportável. Mas, na beira da nascente a sensação era completamente diferente. Um micro clima aprazível marcado pela mais absoluta frescura dos ventos. Quem sabe, um ar-condicionado natural a que todos deveriam experimentar. Quem sabe assim, despertassem para a importância da defesa e da preservação daquela maravilha. A mais autêntica expressão de Deus na terra...
Nos anos idos, era comum encontrar pelas veredas daquelas matas um certo senhor sertanejo de pele escura quase tostada pelo sol. Um exímio tangedor de animal – morador do local – a conduzirsob o lombo do seu jumento duas ancoretas contendo o precioso líquido do “Pinga” para os potentados da cidade, principalmente o Dr. Raimundo Alves antigo proprietário do terreno onde a pequena nascente está localizada. No meu tempo de menino nunca me esqueci daquele homem ‘estradeiro’ a caminhar com seu asno todos os dias, pacientemente nas suas idas e vindas a levar a água do “Pinga da Lapinha” para a cidade. Um verdadeiro "Prometeu" dos nossos sertões do mundo entregue por inteiro a sua sina.
Devido a distância e a dificuldade do acesso ao local cercado de mata quase fechada e de um solo acidentado e pedregoso, não era barato a “carga d’água” do “pinga”. De modo que, beber daquela água em casa era, por assim dizer, quase um luxo e, para poucos(diga-se de passagem). A água do velho “pinga” da cachoeira era equivalente a “mineral” a que todos consomem com facilidade agora. Algumas delas vindo de muito longe e até de outros estados. Hoje contudo, o ‘pinga’ perdeu o seu antigo valor. Caiu no anonimato da história. Ficou esquecido. E aos poucos está sendo engolido e devorado pela pressa e o imediatismo de uma geração dos três “is” - ignorante, insensível e indiferente notadamente às verdadeiras riquezas que a mãe natureza nos legou ao longo da história.
Mas, por incrível que pareça a fonte do “Pinga” não morreu. Posto que ainda mantêm o seu antigo encanto. Está lá tranqüila e silenciosa como um cristão da vida resignado com o sofrer do seu destino. Vivendo toda a sua solidão, cochilando sobre os imensos lajedos que margeiam o Salgado desde o "goelão" das belas quedas da Cachoeira. No entanto é preciso tem olhos para vê-lo e coração sensível para senti-lo. Do contrário, só restará uma imenso vazio. O “Pinga” não morreu, mas corre risco de morte, caso permitamos que o seu sofrimento se prolongue além do suportável.
O abandono do campo também feriu de morte o velho “Pinga”. Ninguém mora mais por ali, isolado, distante de tudo onde sequer a eletricidade dera o ar da sua graça. A única residência ( a chamada Casa de Pedra) que lá existiu por mais de duas décadas encontra-se abandonada, destruída pelo tempo, caindo aos pedaços. As matas tomaram conta de tudo, como se quisesse de volta aquilo que os homens tomaram-lhe um dia e não se deram ao trabalho de preserva, simplesmente por não “saber cuidar”.
O teto da casa desabou. Contudo algumas das suas antigas paredes ainda estão de pé. Apenas ovelho pé de imbu insiste em resistir com seu aspecto verdejante e com seu grosso tronco enrugado a rolar pelo chão como uma serpente enorme. Quem sabe a nos mostrar que de fato, toda a veracidade da máxima euclidiana de que “ o sertanejo é antes de tudo um forte”.
Porém, não é apenas o “pinga” que está a correr sério risco de desaparecer. O bioma da caatinga em seu entrono, assim como todo o manancial da Cachoeira e do rio estão sob a mira do tiro de misericórdia. O fogo cruzado da destruição em nome do capital. Há sinais de degradação dentro da mata. Clareira e derrubadas, veredas rasgadas por máquinas e explosões dos lajedos para a retiradas de um tipo pedra existente bastante requisitada para as modernas construções citadinas. Assim como atalhos e caminhos feitos pelo gado bovino criado de modo embrenhado naquela caatinga da cachoeira de Missão Velha.
Mesmo assim, felizmente ainda é possível se ouvir o canto de pássaros silvestres, árvores endêmicas frutificando e outros bichos. Fauna e flora insistindo na sua antiga e necessária harmonia natural. De modo que aquilo tudo junto nos invade os olhos, os ouvidos, as narinas tocando a nossa pele como se fosse um afago de Deus deixando em nós um pouco de perfume e refrigério. Ao ponto de pensarmos como nos velhos tempos de que a caipora e o pai-da-mata ainda estão por ali.
De resto, andar pelos antigos caminhos que nos levaram ao “Pinga” foi como mergulhássemos dentro de nós mesmos. Deixarmos invade por uma sensação de paz interior nunca dantes experimentada em nossas vidas sertanejas. Algo que, sobretudo nas grandes, cidades diria que não tem preço.
Todavia naquele rincão, a natureza como se percebe está fazendo sua parte. De sorte que, depois desta prosaica incursão ecológica e memorialista peço aos meus conterrâneos missãovelhenses em particular e, ao povo do Cariri em geral, que não se permitam a mais este crime. Não deixemos o “Pinga” morrer. Tampouco o Salgado se envenenar. Do contrário, o futuro certamente não nos absolverá...

Prof. José Cícero
Aurora - CE.

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