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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

CANÇÃO DO MENINO HOMEM (Crônica)

Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

CANÇÃO DO MENINO HOMEM

Bem que poderia ser diferente, mas desta vez não darei razão ao ditado popular: De pau torto não se faz prumo de remo; peito ruim de vaca não dá coalhada boa; pau que nasce torto tende a se encurvar muito mais.
Menino quando nasce para ser homem honesto, trabalhador, num misto de humildade e dignidade, não há turbulência ou desvio na infância que vá mudar seu jeito de ser. O homem de agora pode até nem se comparar com o menino de ontem, mas o menino sempre foi homem desde cedinho.
Mas o menino que se fez homem parecia não ter jeito mesmo, pois ninguém em sã consciência diria que aquele pestinha mais tarde não iria fazer estripulia de marca maior, não iria deixar marca de empesteamento por onde passasse, não fosse a síntese da danação em pessoa. E tudo porque reinava demais.
Todo dia o vizinho vinha bater na porta do pai e reclamar. Já havia espalhado arame rodeando o pomar, colocado de guarda um cachorro trigueiro, ele mesmo perdendo um tempo danado montando vigilância pra não deixar que entrassem e levassem suas goiabas e seus cajus. Mas não tinha jeito, pois bastava descuidar e o danado do menino deixava a árvore frutífera praticamente pelada.
A vizinhança em peso chegava à casa dos pais do danadinho com um rosário de reclamações. E isso era todo santo dia. E chegava dizendo que todo dia mudava uma telha e não demorava muito pro menino lascar pedra por cima do telhado; a coitada da viúva chegava se derramando em lágrimas e dizendo que não tinha vidraça da janela que segurasse a brincadeira de bola dele; o velho da mercearia, todo assustado, chegou a dizer que não tinha mais dúvida que ele estava fazendo de alvo seus litros de aguardente. Todo dia um era despedaçado por pedra certeira vinda dos escondidos do outro lado da rua.
A mãe saía correndo de cabo de vassoura na mão e retornava praticamente arrastando o danadinho pelos cabelos. Dava umas palmadas boas, xingava, prometia tirar o couro se as reclamações se repetissem, depois mandava ficar de joelho, por cima de caroço de milho seco, por trás da porta. O menino saía de lá de bolso cheio de grão e uma cara tão safada que nem parecia ter apanhado há pouco instante.
Já com o pai era diferente, pois sendo contrário a andar dando castigo barato ao filho, preferia corrigi-lo mandando pinicar cinco cestos de palma, debulhar duas medidas de feijão de corda, levar o gado pro barreirinho pra matar sua sede. E o menino até gostava desse castigo, pois enquanto cumpria as ordens do pai sempre arrumava um jeito de catar calango, preá e rolinha, olhar se algum passarinho caiu na arapuca ou se a nambupé caiu na sua armadilha.
Contudo, infelizmente não é todo menino que é pura danação na infância e na meninice, aprontando tudo aquilo que tem direito e muito mais, e vai deixando de lado as reinações quando as responsabilidades da vida começam a lhe mostrar outros caminhos. Tem molecote que mais tarde se torna moleque de verdade, esquecendo que a fase da brincadeira já passou e continuando a fazer coisas arriscadas demais.
Enquanto o menino vai ganhando postura de homem, deixando o cavalo de pau e a bola de gude no seu devido lugar, o outro menino vai querer continuar brincando com coisas sérias. O molecote roubava goiaba e caju e mais tarde sabe que é muito feio pegar escondido o que é dos outros, já o outro continua botando a mão no alheio e cada vez mais querendo aumentar o fruto do malfeito.
Menino que mais tarde se faz homem é aquele que soube vive a infância em toda sua intensidade e mais tarde encontrou e reconheceu os limites de suas ações. Fez de tudo, brincou e malinou demais, caçou passarinho, quebrou vidraça, pegou no pé a fruta mais madura, amarrou lata no rabo do gato. Contudo, chega numa idade que tudo isso é apenas uma saudade boa, algo que não se deva fazer mais, porém com uma vontade danada de reviver tudo de novo.
Mesmo com a consciência e responsabilidade que vão surgindo, o menino jamais se afasta de vez do seu tempo de ontem, do tempo passado. Se hoje sabe que não deve mais brincar com coisa séria é porque ontem experimentou a alegria de ser feliz arriscando em tudo ao redor. E que tempos bons aqueles...
Rangel Alves da Costa
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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