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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Os cangaceiros e Cajazeiras sitiada

Por: Nadja Claudino
Nadja Claudino

28 de setembro de 1926, um menino de oito anos de idade se esconde debaixo da cama dos pais. Ele e outras crianças estão acuadas a espera do ataque do bando de cangaceiros liderados por 

O cangaceiro Sabino

Sabino Gomes (sub-chefe do bando de Lampião, o temível e famoso Rei do Cangaço). A cidade de Cajazeiras está em suspense à espera dos homens selvagens que viriam do mato, prometendo todo o tipo de destruição, caso não fossem obedecidas as suas exigências.

O sol quente, o calor abafado são alguns dos elementos menos perceptíveis nessa tarde de medo e ansiedade. Os homens testavam as armas, procuravam pontos estratégicos para a defesa da cidade. 

Na igreja, o bispo defendia sua fé, rezando, pedindo aos céus intervenção para que Nossa Senhora da Piedade protegesse a cidade, os homens, e mesmo os cangaceiros – que fossem eles embora com a graça de Deus. Os cangaceiros nas cercanias da cidade esperavam o melhor momento para atacar; o povo esperava o ataque. A cidade estava sofrendo com a espera angustiada.

O menino embaixo da cama se chamava Ivan Bichara Sobreira, que muitos anos depois escreveu um livro intitulado Carcará, romance que conta essa história acontecida em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, em uma distante tarde do mês de setembro de 1926. O romance mostra uma Cajazeiras orgulhosa da sua história, por ser uma das maiores cidades do sertão, rota de ligação da Paraíba com o Ceará, cidade símbolo da educação. Terra de famílias tradicionais como os Rolim, Albuquerque, Sobreira, Bichara. É essa cidade e são essas famílias que estão sendo ameaçadas por um grupo de cangaceiros, personagens que tanto atemorizavam a região sertaneja da década de 20 até meados de 1940, quando a morte de Corisco baniu o último dos cangaceiros.

O cangaceiro Corisco

Podemos pensar no pavor que acometia todas essas famílias, preocupadas com o destino dos seus homens e suas mulheres, caso caíssem no poder dos cangaceiros. A perversidade dos cangaceiros era altamente propagada. Os estupros de mulheres casadas e até de moças virgens, a castração dos homens, a mutilação da língua dos traidores que falavam demais, os bailes que os cangaceiros promoviam depois da vitória, fazendo as mulheres mais respeitadas da sociedade dançarem nuas na frente dos filhos e dos maridos. 

Verdade ou invenção eram essas as histórias que corriam de cidade em cidade. E por conta disso os homens que protegiam Cajazeiras estavam em uma guerra de vida ou morte, de glória ou de humilhação.

Ivan Bichara, traduziu esses acontecimentos que marcaram tão profundamente sua infância por meio da literatura. O moço Ivan como muitos rapazes do seu tempo sai de Cajazeiras para terminar seus estudos e se forma na Faculdade de Direito do Recife. Volta à Paraíba e começa uma carreira política promissora, sendo eleito em 1946 para a Assembléia Legislativa, em 1955 se elege deputado federal e, em 1975, é escolhido pela Assembléia Legislativa governador. 

Ivan Bichara

Ivan Bichara integrou um time seleto de políticos escritores da Paraíba, a exemplo de Ernani Satyro, José Américo de Almeida, Ronaldo Cunha Lima, dentre outros, que assumiram o governo do estado e deram importante contribuição às letras paraibanas.

O romance Carcará toma Cajazeiras como representativa de muitas cidades do interior do nordeste que foram atacadas por bando de cangaceiros. A verdade é que as cidades do interior eram desguarnecidas, os meios de comunicação eram incipientes e não conseguiam tirar do isolamento os lugarejos mais distantes. Esse era um dos fatores por que a maioria das cidades capitulava frente às investidas dos cangaceiros. 


Mossoró, no Rio Grande do Norte, no ano de 1927, expulsou os cangaceiros da cidade, sendo também uma das primeiras cidades a desafiar o Rei do Cangaço. 

Esse passado de lutas até hoje é preservado pela população mossoroense, usada como discurso histórico, político e cultural. São museus, memoriais, livros, discursos que formulam a identidade de um povo valente, que não aceitou os invasores. 

Em Cajazeiras, a expulsão dos cangaceiros não foi explorada dessa maneira, foi silenciada, esquecida e tem no livro de Ivan Bichara uma significativa fonte de pesquisa.

O livro traz personagens representativos do universo sertanejo. São rapazes que na época desejam migrar para os grandes centros e assim poderem dar continuidade aos seus estudos, moças casadoras  poderosos locais como coronéis, políticos, delegados e também a gente do povo, feirantes, cantadores de viola, que se movimentam e nos prendem nas teias do enredo. O livro de Ivan Bichara é inspirado em um fato real, que ele soube narrar com enorme expressão literária, ligando seus personagens à vida de um Nordeste arcaico, recôndito, lugar de acontecimentos inusitados.

O ataque dos cangaceiros, a ansiedade, o medo das perversidades, tudo isso envolve o leitor do Carcará, fazendo com que ele também se angustie, tome amizade pelos personagens, se importe com sua vida e com o seu destino nas mãos dos cangaceiros. Ivan Bichara integra a vida com a literatura, fazendo a vida pulsar em cada parágrafo. A ansiedade do menino deu subsídios para, juntamente com a técnica literária do homem escritor, gerarem um livro que mesmo empoeirado e esquecido nas estantes das bibliotecas públicas nos remete a um passado que merece ser lembrado.

Nadja Claudino – contista, cronista e membro do conselho editorial da Revista Acauã. Aluna do Curso de História da UFCG/Cajazeiras.

http://www.diariodosertao.com.br

Leia: O padre tarado do sertão

http://sednemmendes.blogspot.com.br/2012/11/o-padre-tarado-do-sertao.html

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