Por: Norberto Ferreras
O que mais se
evidencia depois destes anos de debate diz respeito a continuar chamando o
Banditismo de "Social", e parece mais interessante pesquisar as
causas da violência rural que discutir a existência de um componente de
oposição entre "senhor" e "bandido". O mundo rural é de uma
complexidade maior que aquela criada pelos escritores das classes médias
urbanas para os surtos de bandoleirismo, e neles o Banditismo Social aparece
como um fato do passado, todavia, o banditismo contemporâneo aparece como
criminalidade. São poucos os casos em que o bandido é glorificado em vida, e
esta pode ser uma clave para nos aproximarmos desta questão.
Há pouco tempo
Paul Saint Cassia publicou um artigo sobre o "banditismo" na
Enciclopédia Européia de História Social. O autor caraterizou o banditismo por
regiões, inclusive o banditismo na América Latina, ressaltando a dimensão
comparativa da questão.Este artigo aponta para os elementos recorrentes do
banditismo, enfatizando a sua dimensão antropológica na construção de um novo
modelo. Mas não deixa de chamar a atenção sobre as três possibilidades de
abordagem do Banditismo: como uma categoria legal, como uma categoria social, e
da perspectiva da lenda e da literatura, popular ou não. Estas três abordagens
mudaram com o tempo e de disciplina em disciplina. A maioria dos autores
analisados no ponto anterior realizou chamados ao estu do das condições sociais,
políticas e econômicas em que se desenvolveu o Banditismo Social.
Por outro
lado, poucos autores empreenderam esta tarefa, e quase todos se concentraram na
discussão do mito do bandido social, mas não podemos descuidar de outros
aspectos. A criminalização — ou não — do banditismo está relacionada à
forma com que o Estado se defrontou com a questão. Em algumas ocasiões, os
bandidos passaram a fazer parte de grupos legais, ou passam a integrar as
milícias do Estado (como foi o caso do mexicano Pancho Villa), ou sendo
anistiados quando se combateram do lado das forças da lei, como foi oferecido a
Lampião para lutar contra a Coluna Prestes.
Soldados da
Coluna Prestes
Segundo Saint
Cassia, há vários elementos que estão na base do Banditismo: a estrutura social
e a ecologia política da região; a distribuição de propriedades; a acumulação
de capital e as formas em que a mesma se legitima; a presença ou
ausência da sociedade civil; a existência de um sistema eleitoral confiável
unido ao uso da força para impor os resultados; e a insegurança constante,
maior que a miséria em que vivem os camponeses. O autor apresenta um
interessante modelo para abordar a questão, contudo nenhum dos pontos por ele
apresentados menciona a resistência dos camponeses à opressão. Este modelo está
destinado a compreender a existência de uma violência endêmica em certas
regiões em que o capitalismo se torna o modo de produção principal.
O banditismo e
outras formas de protestos rurais são menores, ou inexistentes, em locais onde
o proletariado rur al se organiza segundo os padrões trabalhistas, como ligas
camponesas ou sindicatos. Se acompanharmos os pontos anteriormente citados
poderemos compreender melhor os conflitos rurais na consolidação do
capitalismo.
Saint Cassia
não esquece as questões culturais do banditismo. Assim, a questão da violência,
que tanto preocupara Hobsbawm e Blok, adquire para ele novas tonalidades: A
violência é intrínseca ao banditismo? Lampião era um vingador e não um bandido
social, porque abusava do uso da violência?
Lampião e seu
bando
Conhecendo a
sociedade e a sua cultura, pode-se descobrir se a violência é necessária ou não,
se a extrema crueldade de certos bandidos está relacionada com a sua escassa
inserção no meio em que atuam, ou se é intrínseca às formas locais da
apropriação das riquezas? O uso da violência é um discurso numa linguagem que
deve ser interpretada. Saint Cassia chama a atenção para as diferenças entre a
"violência" e o "terror", sendo a primeira um tecido de
signos e o segundo um dos resultados dos mesmos.
Os aspectos
econômicos do Banditismo não têm recebido uma atenção adequada. O bandido pode
ser visto ainda como uma forma de ascensão social e econômica, uma forma de
defesa das propriedades familiares, ou reagindo às transformações produtivas. O
bandido também pode ser um agente intermediário nas relações econômicas
regionais, atuando por conta própria ou a mando dos poderosos regionais. O
bandido está inserido na economia regional, e para manter boas relações com uma
parte dos agentes econômicos tem que pagar pelos serviços recebidos. O mais
importante destes serviços é a proteção, sendo que o pagamento pela proteção
era feito em bens e serviços, atuando a mando dos‘coiteiros’. Este não é um
assunto menor e nos permite entender a questão da cumplicidade ou os
serviços realizados para os poderosos locais.
O Banditismo
Social deixou de estar em pauta. Depois do debate na LARR, já mencionado,
as abordagens acadêmicas foram decrescendo. Desde meados da década de noventa
há menos artigos destinados a analisar esta questão. Em compensação, cresceram
os estudos sobre o setor rural, ou as formas em que se manifestou a
insatisfação camponesa.
No Brasil, a
atuação do Movimento dos Sem Terra (MST) ajudou a mudar a maneira
como os camponeses eram apresentados, e a historiografia está começando a
privilegiar as formas coletivas de ação, ao invés das
práticas
individuais.
Em outros
países a historiografia também passou a priorizar práticas coletivas. Voltemos
ao caso da Argentina. Nos últimos anos foram publicados neste país dois livros
sobre um mesmo acontecimento: a matança de "gringos" em 1872, na
cidade de Tandil, a 400 quilômetros a sudeste da cidade de Buenos Aires.
Os autores
abordaram a questão de ângulos diferentes. Para compreender o massacre, John
Lynch apresenta a estrutura social, política e econômica da Argentina. O
trabalho enfatiza a relação entre gauchos e imigrantes, e as reações
posteriores à matança, principalmente das coletividades estrangeiras e do
governo inglês. Lorenzo Macagno, por sua vez, centra-se na questão religiosa de
um grupo de indivíduos que se sentia expulso da sua sociedade. O cristianismo
primitivo foi a forma de processar estas mudanças e os recém-chegados foram
identificados e responsabilizados por essas mudanças.
Ambos os
estudos diferem. Macagno carateriza este movimento como messiânico e analisa as
suas semelhanças com outros movimentos similares. Lynch, por sua vez, parte das
fontes oficiais e daquelas produzidas pelos imigrantes. O interessante em ambos
é que o líder principal do bando, Gerónimo de Solané, analisado exaustivamente
em ambos os casos, não é visto como um rebelde ou um vingador, e sim como um
membro exótico dessa mesma comunidade. É possível entrever semelhanças com
outras lideranças religiosas, porém os seus seguidores não são famílias de
camponeses, e sim indivíduos fora-da-lei. Alguns prófugos do exército, da justiça,
desempregados e trabalhadores, formaram em suas filas.
Isto nos
remete ainda à questão das fontes. As diferenças estão fortemente relacionadas
com as fontes escolhidas e as análises realizadas. Ambas se aproximam da
questão para en tender como esses grupos vivenciaram o processo de modernização
do campo e, no caso, violência e criminalidade são fundamentais neste processo.
Benjamim
Abraão
O mito dos
bandidos sociais não precisa de justificativas acadêmicas e continua a correr
solto. No Brasil são inúmeros os livros, artigos jornalísticos, programas de
TV, cordéis e outros, lançados ano a ano. Eles enfatizam a compreensão da personalidade
dos principais cangaceiros e a justificativa de uma vida violenta numa
sociedade igualmente violenta e injusta. Em março de 2003 foi noticiada a
restauração dos filmes e fotografias realizada por Benjamim Abrahão, o que deu
uma nova oportunidade para que a questão voltasse a ser apresentada na mídia.
Os jornais de Fortaleza enfatizaram o fato e novamente reapareceu o
mito do cangaceiro como um homem que resiste às autoridades e luta pela
melhoria das condições de vida dos homens do sertão. Novamente o mito e a lenda
voltaram à tona. Há uma necessidade de reler sobre o cangaço para afirmar a
identidade nordestina.
Poderíamos
dizer que Hobsbawm continua a inspirar os trabalhos relacionados com o
Banditismo Social, e também podemos questionar as suas abordagens. O que não
podemos deixar de reconhecer é a sensibilidade deste autor de compreender a
sobrevivência do mito e a forma em que o mito é autonomizado da sua realidade
pelos intelectuais das classes médias urbanas. O exemplo citado dos jornais de
Fortaleza não deixa lugar a dúvidas: Hobsbawm ainda continua a ser uma
referência se abordamos a "invenção" da lenda do Banditismo Social.
Norberto O.
Ferreras
Revista
História - Coordenação de Pós-Graduação em História
http://cariricangaco.blogspot.com
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