Por José Romero Araújo Cardoso
O estopim que acendeu
a guerra de Canudos foi mesquinho e abominável, revelando personalidade doentia
e escandalosa de quem perpetrou calúnia hedionda contra os membros da comunidade
mística fundada no adusto sertão baiano, cujas características quanto às conquistas
humanas impressionam devido ao grau de organização, tendo beneficiado a todos que
lá se acomodaram, fugindo da fúria do latifúndio e da prepotência dos senhores de
braço e cutelo que vicejavam de forma proeminente no sertão nordestino daquela época.
Arlindo Leone, juiz
de direito de Juazeiro (BA), forjou mentira de que os conselheiristas estavam prestes
a invadir a cidade, em razão que não havia sido entregue lote de madeira, comprado
e pago regiamente, o qual estava destinado para o término da construção da igreja
nova.
Havia antiga rixa
entre o magistrado e o líder carismático-religioso de Canudos. Conselheiro, certa
vez, tinha passado reprimenda no juiz devido vida pregressa levada por Arlindo Leone,
sobretudo com relação ao adultério.
Colocando a população,
as autoridades e a imprensa em polvorosa, Leone criou as condições necessárias para
a futura destruição do arraial que mudou a vida de muitos excluídos nordestinos,
pois abrigava gente de várias procedências, ávida por melhores condições de sobrevivência
material e espiritual em um sertão extremamente marcado pela opressão.
A igreja católica,
que também não via o Belo Monte com bons olhos, cerrou fileiras nas denúncias contra
o “reduto fanático”. Anteriormente, relatório elaborado pelo Frei Monte Marciano,
altamente desagradável e cheio de adjetivos caluniosos, profuso na quantidade de
violência verbal inaudita contra os habitantes do arraial conselheirista, alimentou
ainda mais a raiva nutrida pelo clero contra Antônio Conselheiro e seus seguidores.
A expedição comandada
pelo Tenente Pires Ferreira foi ao encontro do povo de Antônio Conselheiro, atacando
e sendo rechaçada violentamente com as toscas armas carregadas pelos
sertanejos, não obstante o número de mortos ter sido maior entre os seguidores do
Bom Jesus Conselheiro. À frente, antes do ataque covarde, devoto carregava a bandeira
do Divino, sinal de que vinham em paz, apenas querendo exigir o que lhes era de
direito.
Os principais jornais
do país começaram a estampar matérias cada vez mais estapafúrdias contra os conselheiristas.
Logo foi organizada outra expedição, dessa vez mais forte, comandada pelo Major
Febrônio de Brito. Nova derrota militar foi conquistada pelos conselheiristas, sendo
que esta resultou na aquisição de certa quantidade de armas e munição para a luta
dos agora guerrilheiros do Belo Monte.
Mentiras, calúnias
e difamações começaram a ser exponencializadas contra o arraial, agora considerado
mais que maldito, pois entre as muitas inverdades divulgadas estava referente que
a luta em Canudos estava ligada à tentativa de restituição do regime monárquico.
Apenas uma voz respeitada
se levantou contra a histeria coletiva que se formava em torno do caso Canudos.
Através de espaço que lhe era reservado na imprensa, Machado de Assis pediu, com
profundo humanismo, para que deixassem em paz a gente de Antônio Conselheiro. Por
outro lado, artigo inflamado, disfarçado em profunda cientificidade, sobretudo com
relação ao quadro natural, era escrito por Euclides da Cunha, intitulado “Nossa
Vendéia”.
Indubitavelmente,
o artigo de Euclides da Cunha ajudou a inflamar os ânimos exaltados, pois Vendéia
foi o último reduto de defesa da monarquia francesa, tendo resistido por anos ao assédio militar que
representava a nova ordem na França pós- revolucionária. Euclides da Cunha foi um
dos catalisadores da ênfase à necessidade da destruição de Canudos, não obstante
depois, no ano de 1902, ter lançado livro-denúncia, por título “Os Sertões: Campanha
de Canudos”, o qual peca em pontos essenciais, como o antropológico, tendo lançado
difamações e conceitos racistas e maledicentes contra os sertanejos, mas que muito
serviu para bradar contra o massacre, bem como para o reconhecimento científico
do quadro natural do semiárido nordestino.
Havia pouco que tinha
terminado o violento governo de Floriano Peixoto. Entre os ícones da república da
espada estava Coronel carniceiro chamado Moreira César, o monstro que havia sufocado
as lutas no sul do país com extrema crueldade. A capital catarinense, que antes se chamava
Desterro, teve o topônimo mudado para Florianópolis.
A terceira expedição foi confiada a Moreira César. De forma arrogante, o corta-cabeças,
como ficou conhecido o famigerado oficial, chegou com sua tropa nas imediações de
Canudos, destilando desdém contra os conselheiristas. Logo a guarda católica mostrou
que não era de brincadeira, pois comandados por Pajeú, infringiram vergonhosa derrota
à expedição que havia propalado com alarde a fácil destruição de Canudos, de forma imediata e fulminante, tendo divulgado na
imprensa que não haveria chance alguma para àqueles “lombrosianos” sertanejos, incapazes
de fomentar qualquer estratégia de guerra Era essa a errônea e distorcida concepção
do homem que era tratado como estrela pelos militares aliados de Floriano Peixoto.
Moreira César subestimou
os conselheiristas, pois pensava encontrar raquíticos e desnutridos sertanejos,
estereotipados imemorialmente pelos brasileiros da porção mais abastada do país.
Na verdade, o povo do Belo Monte era forte e saudável devido às conquistas alcançadas
com o trabalho desenvolvido na “terra prometida” estabelecida às margens do rio
Vaza-Barris.
Erraram grosseiramente,
pois Pajeú e a guarda católica fustigaram a expedição Moreira César de forma impressionante,
matando os principais oficiais do Exército Brasileiro e humilhando a república recém-instaurada.
A proporção gigantesca
assumida pela guerra contra Canudos se deve em parte ao verdadeiro arsenal que a
expedição Moreira César deixou na fuga do que restou da coluna arrogante comandada
pelo animal de estimação da república da espada.
Não obstante o governo
brasileiro quando da guerra de Canudos ser civil, o poder dos militares era incontestável,
pois logo houve pressão de todos os quadrantes para que fosse organizada poderosa
coluna militar intuindo destruir Canudos e vingar o massacre da expedição Moreira
César.
A opinião da sociedade
era quase unânime contra Canudos, recrudescendo os brados de revolta contra a heróica “Tróia Sertaneja”,
sendo que um dos cavalos-de-pau foi poderoso canhão withworth 32, trazido com esforço
invulgar com o objetivo de causar as mais impressionantes baixas na população do
Belo Monte.
A quarta expedição,
comandada pelo General Arthur Oscar, levou desvantagem nítida quando dos combates,
razão pela qual foi engrossada por uma quinta expedição vinda de todos os Estados
brasileiros.
A chegada da participação
militar paraense em Canudos demonstrou o grau de decisão do povo do Conselheiro.
O beato já tinha morrido, mas, incansáveis, os guerrilheiros continuavam impávidos
defendendo o território no qual encontraram sonhada felicidade.
O comando militar
paraense não entendeu a razão por que o General Dantas Barreto se encontrava em
posição de espera. Foi ordenado fulminante ataque aos “guerreiros do norte” em direção
ao arraial bombardeado e dilacerado. Foram recebidos com verdadeira saraivada de
balas, pois os conselheiristas, os paraenses não sabiam disso, tinham aberto trincheiras
por baixo das casas e de lá se comunicavam e desferiam ataques violentos contra
quem ousasse adentrar os domínios sagrados fundados por Antônio Conselheiro. Euclides
da Cunha imortalizou os momentos finais de Canudos, afirmando que não houve rendição,
exemplo único em toda história, quando seus últimos defensores foram mortos pela
fúria de cinco mil soldados.
Canudos é exemplo
de uma sociedade alternativa de grande importância para a história das lutas do
povo brasileiro, pois o maior de todos os méritos do Conselheiro foi ter sido responsável
pela ênfase à significativa melhoria da qualidade de vida de parcela de um povo
que há tempos imemoriais vem sendo tratado pelos intransigentes donos do poder como
animais e como sub-raça de quinta, sexta ou sétima categorias.
CARDOSO, José
Romero Araújo. Notas para a História do Nordeste. João Pessoa/PB: Editora Ideia, 2015. P. 26-29.
José Romero
Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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