Por Manoel Severo
Não obstante o
fenômeno do cangaço tenha abrangido sete dos nove estados do nordeste, foi o
interior pernambucano que deu origem aos mais destacados personagens desta epopeia brasileira; Sebastião Pereira e Virgulino Ferreira. Na verdade, ambos
nasceram na chamada microrregião do Vale do Pajeú, mais precisamente na cidade
de Vila Bela, que a partir de 1942, passou a se chamar Serra Talhada por
proposta do interventor de Pernambuco na época, Agamenon Magalhães, filho
ilustre do lugar. O Vale do Pajeú é composto por dezessete municípios, tem
clima semi-árido na grande maioria de seu território, com exceção da região do
chamado “brejo de altitute” onde se localiza a bela Triunfo. Seria ali no Vale
do Pajeú, com seus municípios e vilarejos, entre os quais: Afogados da
Ingazeiras, São José do Egito, Solidão, Santa Cruz da Baixa Verde, Flores, onde
se desenrolariam os primeiros atos da sinfonia cangaceira de Lampião.
Os maiores destaques do Vale do Pajeú, sem dúvidas eram os municípios de
Triunfo e Vila Bela. Triunfo, uma bela cidade serrana onde se localiza o ponto
mais alto do estado de Pernambuco (1.004 metros), região brejeira, possuía uma
economia baseada na agro manufatura de rapadura e no minifúndio, dessa forma possuía
uma vida um tanto mais urbanizada e de comércio mais organizado e desenvolvido
que Vila Bela, sua elite política e intelectual composta de comerciantes,
médicos e juristas se distinguiam da de Vila Bela formada basicamente pelos
coronéis do gado; a aristocracia rural; que com o desenvolvimento da pecuária
bovina e caprina juntamente com a agricultura eram a base da economia
vilabelense. Ali estariam o berço dos irmãos Ferreira, Antônio, Livino e
Virgulino, ligados ao clã dos Pereira, que ao lado dos Carvalho, disputavam o
poder político local.
Muito se tem estudado sobre o real caráter do cangaço: suas origens,
implicações, correlações, enfim. Historiadores, sociólogos, antropólogos,
médicos, acadêmicos como um todo; escritores, curiosos, enfim têm se dedicado
ao longo dos últimos anos ao estimulante e desafiador estudo sobre o que
realmente representou tão emblemático fenômeno nordestino. É natural que as
causas principais de tão comentado fenômeno estejam ligadas às condições
sociais a que os sertanejos nordestinos do início de século estavam submetidos.
As desigualdades sociais inerentes a uma política desastrosa de ocupação da
terra; nascida com certeza, desde a colonização e as famosas sesmarias; que
privilegia os grandes latifúndios; as constantes épocas de estiagem e pobreza,
a ausência de um poder central forte e atuante diante das mais elementares
demandas da pobre gente do sertão, concentrando de forma exacerbada o poder dos
famosos coronéis de barranco, sujeitos à expropriação e à exploração, às
injustiças, à violência, enfim; entretanto, esse seria apenas o pano de fundo
de um fenômeno que não se encerra nos pontos acima citados.
Seriam os cangaceiros vingadores dos oprimidos? Seriam os cangaceiros elementos
que estavam a serviço da justiça social e de uma melhor distribuição de terra?
Seria o cangaço um movimento armado que nasceu para combater o poder dos
coronéis, ou seriam apenas indivíduos de natureza condenável que diante de
circunstancias desfavoráveis passaram a fazer parte do mundo do crime?
Podemos nos deter sobre vários correntes de estudo. Uma delas tem como
referência o trabalho do renomado historiador britânico; nascido no Egito; Eric
Hobsbawm, em seus livros Primitive Rebels, de 1959, e Bandits de 1969.
Principalmente neste último, com a tese do Banditismo Social, que é enfocado
como uma forma de resistência camponesa, sendo um fenômeno universal, uma vez
que segundo Hobsbawm, os camponeses teriam todos eles um modo de vida muito
parecido, pela forma como se davam suas relações de trabalho e sociais, deste
modo se traçariam as similaridades com os sertanejos do nordeste brasileiro;
notadamente de formação populacional eminentemente rural. Ainda recorrendo a
Hobsbawm definiríamos a delinquência rural em três tipos de bandidos: o nobre,
tipo Robin Hood; os guerrilheiros primitivos; e o vingador. Temos ainda o
antropólogo e estudioso holandês Anton Blok que em um artigo de 1972 critica em
alguns pontos o modelo do banditismo social de Hobsbawm, quando enfatiza que as
populações rurais na verdade foram muitas vezes vítimas dos bandidos, que
atendiam na verdade aos interesses das elites dominantes, em detrimento dos
mais humildes, elites essas sem as quais não se sustentariam.
Em tese o cangaço poderia até ser compreendido como um movimento criado para
combater a dominação dos coronéis; o que vamos observar, no entanto, é que
acabaria sendo estabelecida uma relação simbiótica entre as partes;
teoricamente de interesses contrários; cangaceiros e coronéis tornaram-se parte
de um mesmo corpo, corpo doente e nocivo, um dependendo do outro, e que muito
mal acabou causando principalmente aos mais humildes deste lado do Brasil. É
interessante pontuar que os cangaceiros não defendiam apenas e unicamente os
interesses da elite dominadora, eles próprios tinham seus interesses e motivos;
nobres ou não; e lutavam por eles. Já os coronéis absortos em sua sede
permanente de poder, precisavam estar sempre atentos ás suas próprias disputas
contra famílias e clãs concorrentes, aqui abrimos um parêntese para ilustrar o
caso mais emblemático que era a disputa dos clãs Pereira e Carvalho, no Vale do
Pajeú. Devido à fraqueza do Estado na época e à dificuldade que este tinha em
chegar a regiões mais remotas do país, como o sertão nordestino, os conflitos,
nessa região, eram resolvidos de acordo com a lei do mais forte, daí a aliança
com os grupos cangaceiros ser vital para a manutenção de poder.
Dentro de meu humilde esforço de curioso sobre o tema; para contextualizar
social e antropologicamente o fenômeno do cangaço, acho interessante observar
algumas considerações desenvolvidas por outros estudiosos e pesquisadores com
relação ao fenômeno, mas me permito deter-me para encerrar esse pequeno artigo,
a Carlos Alberto Dória, quando provoca: “o cangaço perpetuou-se na cultura
nacional como elemento de nossa mitologia heroica. E Lampião, símbolo de
primeira grandeza neste quadro, continua a ser uma individualidade polêmica...”
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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