"O escritor e pesquisador do cangaço Antonio Corrêa Sobrinho disse o seguinte: É sempre um
prazer ler textos sobre Lampião ainda vivo,
e mais ainda, quando compartilho
com os amigos. No dia 26 de janeiro de 1932 o jornal "O Globo" publicou o que segue abaixo:
O GLOBO –
26.01.1932
“LAMPIÃO” SERÁ
ABATIDO?
NÃO! – Declara
ao GLOBO um jornalista pernambucano conhecedor do sertão nordestino
Curiosas e
interessantes revelações do nosso confrade.
O Sr. José
Firmo está entre nós desde abril, do ano extinto. O jornalista pernambucano
veio de Recife, como há seis anos passados, compelido por circunstâncias
políticas. Homiziou-se na metrópole, como centro de maior civilização e
cultura, e aqui permanece afastado da sua própria especialidade, que é o
panfleto. Jornalista militante na capital de Pernambuco, tendo dirigido, com os
seus irmãos, várias empresas jornalísticas, com uma história acidentada de
campanhas e prisões, poucos, como ele, familiarizado com os problemas da sua
terra, melhor aparelhado para discretear conosco sobre o banditismo no
Nordeste, agora evidentemente em foco com as últimas ofensivas das forças
policiais nordestinas contra Lampião e o seu grupo. O confrade aquiesceu.
Nenhuma divagação supérflua. Fomos diretamente ao assunto.
Às nossas perguntas preliminares sobre o que pensava da eficiência da campanha movida ao bandido, responde-nos José Firmo:
- Penso que ela falhará por completo. Quero justificar, com razões poderosas, o meu pessimismo. Virgulino Ferreira é o efeito lógico de várias causas. Perdurará aquele enquanto perdurarem estas. Em 1929, por um imperativo da profissão, percorri quase todo o sertão do meu Estado. Estive em diversas cidades preferidas pelo bandido. Estimaria mesmo, pelo sabor da aventura, cair em algumas das suas armadilhas. Fiz inumeráveis inquéritos. Ouvi sertanejos. Estudei toda a região perlustrada e cheguei a uma conclusão que poderá parecer absurda, mas só o é para quem não desceu, como eu, até o coração de todas aquelas misérias. A conclusão, em síntese, é a seguinte: É a injustiça, em 99 por cento dos casos, que gera bandido, no alto sertão. Quase sempre, após a passagem dos contingentes policiais, em perseguição aos bandidos, engrossam as fileiras destes. Recolhi, a esse respeito, depoimentos interessantíssimos. O sertanejo, em regra, teme mais a polícia do que o cangaceiro. É que este devasta muito menos do que aquela. Não há nenhum exagero na afirmativa. Os confrades poderão chegar até àquela região caluniada e infeliz, onde vive um povo que é um milagre de resistência e de resignação. Essa resignação tem um limite. Ele pode gerar o herói ou o bandido, na sua explosão irrefreável. Foi uma injustiça que fez Antonio Silvino, célebre antecessor de Lampião, passar vinte anos no cangaço. Convivi com ele na prisão, em Recife. Ele me narrou, no pitoresco incrível da sua linguagem, a sua história. Era lavrador. Mataram-lhe o pai, à volta de uma missa. O assassino, protegido do chefe político local, nem sequer prestou declarações à polícia. Era demais. Gritaram nele todos os extintos maus das sub-raças que o formaram. Apanhou o rifle. Era para quem tinha que apelar. Era a sua instância superior. Matou o assassino. Fugiu. Internou-se na caatinga. Veio depois a necessidade de viver. Assaltos. Roubos. Novos crimes. Eis a história de um bandido que não tem a mancha-la o sangue de um desvirginamento. Nada sei a respeito. Sei que é feroz com o inimigo e generosíssimo com os que o protegem. E os seus protetores, no alto sertão, são inumeráveis.
Atalhamos um pouco o confrade na sua digressão vertiginosa. Lançamos uma pergunta:
- Quer dizer com isso que Lampião não será preso precisamente devido a essa proteção que lhe dispensam os sertanejos?
- É esse um dos motivos que, aliás, eu justifico. Se eles denunciarem Lampião, quem os vai depois proteger da vingança inexorável do bandido, uma vez que a polícia não mantém contingentes nas longínquas localidades onde eles vivem?
- E quais são as outras razões?
- São os mesmo os processos empregados. Os mesmos soldados. Quase a mesma oficialidade. Seu de alguns oficiais que forneceram até munição do governo ao bandido, à custa de remunerações generosas. Isso há anos passados, no governo do Sr. Sérgio Loreto. Houve um chefe de polícia em Pernambuco, um só, que levou a sério a campanha contra o banditismo. O seu nome está na boca de todo sertanejo. Eurico de Sousa Leão não burocratizou o cargo. Trabalhou de verdade. Dirigiu pessoalmente a campanha. Expôs-se ao perigo. Evitou que os seus soldados praticassem misérias contra os sertanejos. E se ele não conseguiu prender o bandido, logrou que, durante toda a sua gestão. Lampião renegasse o estado de Pernambuco, diminuindo assim o seu imenso raio de ação.
Mas voltemos às razões por que não acredito que os interventores do Nordeste consigam a captura do mais notável bandido que já registraram os anais daquela região. Resumamos tudo numa palavra: perduram quase todos os motivos que contribuíram para o fracasso de todas as expedições policiais que buscaram o bandido, desde a sua auspiciosa estreia no crime.
Somente isso explica que meia dúzia de homens, tendo à frente um facínora romântico, fardado de capitão, continuem, em plena civilização, a ironizar os poderosos contingentes policiais que os perseguem, há vários anos, comprometendo seriamente a cultura de um país que já aceita ideologias avançadas e que está francamente dentro de uma de suas fases históricas mais interessantes.
Estou falando muito. Não há necessidade disso. O seu jornal é perfeitamente moderno, vertiginoso e sintético. Já expus o meu pensamento. Para que comprometer uma das suas mais poderosas virtudes, que é a síntese?
E despediu-se.
José Firmo em
palestra com o redator do "Globo"
Fonte: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=925003107628566&set=gm.1265545543458561&type=3&theater
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário