Por Geraldo
Maia do Nascimento
Quem olha hoje para o Rio Mossoró, de águas mortas e cobertas de vegetação, preso em suas barragens, cortado por pontes e dividido em três braços, dificilmente pode imaginar o que foi esse rio no passado, correndo livre em seu leito, calmo e navegável durante o nas secas, mas extremamente violento nas enchentes, arrancando árvores e arrastando-as perigosamente ao longo do seu curso, ilhando comunidades, causando transtorno a população, fenômeno esse observado pelos índios que habitaram primitivamente a sua ribeira, e que por isso o chamaram de Mossoró, que em Tupi significa “rio furioso, que rompe e rasga o terreno”.
Tive acesso a
um depoimento do Dr. Raul Fernandes, médico, filho do ex-prefeito Rodolfo
Fernandes, que retrata bem essa época.
A família do
Dr. Raul morava, estava no Sítio Boa Vista, vizinho ao dos Pintos, a meia légua
de Mossoró. A casa ficava no centro da propriedade, a um quilômetro do rio,
situada numa pequena elevação e cercada de carnaubais.
Certa manhã de
1917, despertaram assustados. Estavam ilhados. A água subira no piso do
alpendre, em frente à casa e espalhava-se numa grande extensão para todos os
lados. Quase metade da cidade amanhecera inundada. A correnteza passava vários
palmos por cima da barragem, a grande velocidade, produzindo estrondos.
Choupanas cobertas de palha de carnaúba eram arrastadas pela enxurrada, assim
também como animais, aves domésticas, árvores, malas, baús e objetos caseiros
boiavam rio abaixo.
Notícias
alarmantes chegavam do interior, relatando que as fortes chuvas que tinham
caído na altura da nascente do rio, tinham deixados habitantes desabrigados,
que vários barreiros tinham transbordado e que açudes e represas estavam
arrombando. A consequência é que as águas corriam formando ondas e se
espalhavam nas partes planas do solo.
Rodolfo
Fernandes tinha dormido na cidade e pela manhã, quando viu o estrago que o rio
estava fazendo, mandou uma lancha a motor buscar a família que tinha ficado no
sítio, em número de seis pessoas: o Dr. Raul, que na época estava com nove anos
de idade, sua irmã Isaura Fernandes, sua mãe, uma tia e um tio, além da
empregada. Segundo as lembranças do Dr. Raul o batel, que era equipado com um
pequeno motor, chegou cedo ao sítio, pilotada por Seu Aristides e um ajudante,
portando vara e dois remos pequenos. Lembrou que a todo instante se ouvia o
soar agudo dos búzios, num triste lamento, pedindo socorro. Com toda a família
a bordo, navegaram entre o carnaubal, na direção da margem, quando uma forte
correnteza arrastou a lancha de encontro a uma carnaubeira, enchendo-a de água
e logo depois esbarrou nos galhos de uma árvore que vinha sendo arrastada pela
enchente. Com o impacto o jovem Raul caiu na água, sendo resgatado por Seu
Aristides, que conseguiu nadar com o garoto até uma outra carnaubeira ficando
ali agarrado, enquanto o restante da família, na mesma situação, agarrava-se as
carnaubeiras. O ajudante saltou da embarcação levando a ponta da grande corda
presa à proa. Nadou um pouco e andou em direção a terra. Amarrou-a numa árvore
e passou a puxar o barco auxiliado pelos moradores da região. Assim o batel
alcançou a margem e começaram, então, a esvaziá-lo. Em pouco tempo voltava a
flutuar. Foi puxado mais para cima, contra a correnteza e a corda amarrada em
terra. O rapaz com a vara empurrava a lancha para fora, seguindo o curso das
águas até alcançar as pessoas. Assim foram resgatadas todas. Mas ainda estavam longe
da cidade. Foi preciso mandar um portador, que saiu a pé margeando o rio até
Mossoró, com um recado para Rodolfo Fernandes, que enviou um barco maior, com
motor mais potente e foi nesse barco que conseguiram chegar a cidade, depois de
muito sacrifício e risco de morte. No outro dia as águas começaram a baixar com
rapidez.
Essa narrativa
ilustra bem a força do rio quando cortava livre a cidade. Hoje praticamente não
se vê mais as suas águas, apenas um verde campo florido, de uma vegetação que
cobre o seu leito, sufocando-o, tornando-o sem vida e mau cheiroso. Sua força
permanece apenas no nome “Mossoró – rio furioso, que rompe e rasga o terreno”.
E nada mais.
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Autor:
Jornalista
Geraldo Maia do Nascimento
Fontes:
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