Tecnologias
sociais tem sido ferramentas importantes para abastecimento de água dessa
população.
Elen Carvalho
Brasil de Fato
| Recife (PE), 07 de Outubro de 2016 às 15:26
Cisterna-enxurrada,
tecnologia social do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da ASA / Manuela
Cavadas/Arquivo Asacom.
Diversos
estados brasileiros vem lidando com a questão da seca atualmente. No Nordeste,
onde o fenômeno já é um conhecido do povo, a seca vem desde 2012. Essa é
considerada pelos pesquisadores como uma das mais severas enfrentadas pela
população. Contudo, é possível ver uma melhor convivência com esses períodos de
grandes estiagens por parte de quem reside no Semiárido brasileiro. Essa
melhoria vem de um fator já conhecido: a luta e a resistência popular. Soma-se
a isso as diversas iniciativas da sociedade civil organizada.
João Suassuna,
engenheiro agrônomo e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, aponta que, neste
momento, o que mais pesa é o fato de ser o quinto ano consecutivo de seca. “Não
temos água nos açudes. O açude de Jucazinho (PE), que abastecia muitos
municípios, por exemplo, secou. A forma imediata de resolver esse problema foi
levar caminhões – pipa. Mas, a tendência dessa seca é piorar. Pois a quadra
chuvosa da nossa região só acontece a partir de fevereiro”, observa o
pesquisador.
Apesar desse
cenário crítico, a população tem conseguido lidar com esse fenômeno de forma
mais positiva. “Estamos vivendo um dos maiores períodos de estiagem do
Semiárido brasileiro e observamos que não houve morte humana e que não houve
forte processo de migração campo/cidade. Muitas políticas que incidiram no
Semiárido permitiram que as famílias ficassem”, reflete Glória Araújo,
coordenadora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) na Paraíba.
Diante disto,
Glória afirma que a seca não é um problema. “A seca é um fenômeno natural e
precisamos conviver com ela. O problema está nas desigualdades sociais, na
concentração da terra e da água. Isso é um problema. É possível conviver com o
Semiárido e um conjunto de experiências de organizações mostram comprovam isso.
João Suassuna
compartilha dessa visão e traz o exemplo do Programa 1 Milhão de Cisternas,
desenvolvido pela ASA. “Essa é uma saída muito interessante e que fornece água
para o povo nordestino beber. As cisternas, enquanto tecnologia social,
conseguem captar e armazenar água da chuva e permitir que as famílias tenham
água também para cuidar da produção em períodos que não chove. Por isso podemos
dizer que o cenário no Semiárido está mudando”, ressalta.
No Rio Grande
do Norte, onde cerca de 75% dos municípios passam por escassez de água, a
família de Dona Fátima e Seu Manoel tem conseguido produzir alimentos para
consumo e ter água para beber. A filha do casal, Macioneide Lopes, 34 anos,
conta que a chegada da cisterna há oito anos e a produção por meio do quintal
produtivo tem sido uma experiência importante. A propriedade tem 2,4 hectares e
produz uma diversidade de alimentos.
“As cisternas
são nossa fonte de água e garantem que a gente possa produzir os alimentos para
nosso consumo e que a gente possa fazer as coisas de casa e ter água para
beber. Antes era bem mais complicado conseguir água. Mas a gente fica
preocupada também, porque se não chover até o final do ano, vai ficar mais
difícil. Sem água a gente não planta e não come”, afirma Macioneide.
Na comunidade
de Cabaceira, município de Canhotinho, em Pernambuco, as agricultoras e
agricultores também tem conseguido passar por essa estiagem abastecidos de água
e produzindo, apesar das dificuldades. Ednilza Santos, 49 anos, afirma que está
faltando água nos açudes, mas que as cisternas tem conseguido assegurar a
comunidade. “Temos conseguido plantar verduras e outros alimentos para nossas
famílias. É um período muito crítico, pois estamos a mais de 90 dias sem chuva,
mas as cisternas tem nos abastecido. Antes eu pegava carro de boi emprestado
para ir buscar água num poço longe da minha casa”, conta a agricultora.
Transposição
Apesar de ser
um fenômeno antigo e conhecido, como já apontado, as formas de lidar com a seca
tem encontrado divergências entre povo, poder público e pesquisadores. A
transposição do Rio São Francisco, iniciada em 2007 e com nova previsão de
entrega para 2016, tem sido questionada. “Tenho restrições fortes sobre essa
transposição. Há 20 anos estudo essas questões e sempre me posicionei
contrário. O Rio São Francisco está limitado e serve para múltiplos usos. 95%
da energia do Nordeste vem dele, serve para irrigação de cerca de um milhão de
hectares e fornece água para uma centena de municípios. Por isso, teremos
problemas muito sérios quando essa obra for inaugurada”, reflete João.
Glória Araújo
pontua que a transposição não trará impactos positivos para a agricultura
familiar, tampouco para o próprio rio. “O rio está perdendo a sua vida. Penso
que para trazer qualquer inovação, é necessário que olhar para a natureza
daquele lugar. A vazão do Velho Chico já reduziu muito. Ele está ficando
assoreado e precisa ser cuidado. O velho Chico está morrendo. Não se cuida
dele, precisa ser cuidado”, coloca.
“Esse alto
investimento não vai para as famílias dessa região. Beneficia diretamente o
agronegócio, sabendo de todos os prejuízos que isso traz para o meio ambiente e
para a população. O Semiárido brasileiro é o que mais chove no mundo.
Desenvolver tecnologias sociais que se esparramem pela região de forma
descentralizada é um caminho possível e eficaz”, conclui Glória.
“Nós temos que
fazer uma nova avaliação das possibilidades hídricas do São Francisco. Uma
possibilidade é juntar os volumes possíveis do Chico, dos açudes, poços e
cisternas e criar uma infraestrutura, na qual o São Francisco seja usado de
forma complementar. Esse é um planejamento para médio e longo prazo. A
transposição como resolução do abastecimento, é o menor caminho para matar o
rio”, explica João Suassuna.
O pesquisador
conclui que a situação atual é resultado de uma falta de planejamento e da
crença da infinitude da água. “Não há planejamento do uso dos recursos hídricos
no Brasil e muito menos no Nordeste. Colocaram na cabeça que o rio tem volumes
infinitos e pode ser usado a bel prazer. Dão muita importância as vontades
políticas, mas elas não podem estar em hipótese alguma acima das possibilidades
técnicas de se resolver as coisas. Água é um bem natural finito e tem que ser
usado com muita cautela”, finaliza.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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