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quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

MEDOS, DIZERES, CURAS E ESTRIPULIAS DO POVO ANTIGO

*Rangel Alves da Costa

Mesmo com o progresso e as novas feições que vão sendo adquiridas pela sociedade, os antigos costumes e tradições de um povo costumam permeando as gerações, como se de pai pra filho fossem sendo repassando os conhecimentos enraizados. Neste sentido é que surgem os medos, os dizeres, as curas e até as estripulias de um povo, que nada mais são que emanações da sabedoria popular sobre seus próprios costumes.

Tais emanações populares estão, por exemplo, no cultivo e nos usos de ervas medicinais, nas rezas e orações, nas promessas para todo tipo de desejo, nos ditados antigos e rebuscados segundo as mais diversas situações, nas brincadeiras, no jeitinho próprio de um povo para explicar o seu mundo ou buscar soluções caseiras para todos os problemas surgidos. E até mesmo para regrar a vida social. Ora, poderia parecer estranho demais ao moderno que as pessoas mais antigas ainda respeitam até mesmo o jeito certo de tampar uma panela, sob pena de ter a comida estragada. Mas muito mais na força de uma gente que se preserva nas suas tradições.

Assim, se comer melancia não pode tomar leite de jeito nenhum, sob o risco de estuporar e morrer. Depois de tomar café é morte certa se sair pro meio da chuva ou mesmo se estiver serenando. Comer carne gorda, prato gorduroso ou comida pesada, como feijoada, mocotó, pirão ou sarapatel, e depois deitar é o mesmo que pedir pra morrer. Mas não pode, de jeito nenhum, comer jaca e depois beber água, pois se assim fizer dá uma enrolação nas tripas e a pessoa morre sem ar. Se o vento bater na saia da moça de modo que levante e mostre até a calcinha, é sinal de que ela vai descalçolar em poucos dias, pois a parte de baixo tá doida pra ser soprada. 

Se moça velha chora quando seu cachorro morre é porque tinha um caso com ela. E se bota luto é porque era apaixonada. Pra mulher fogosa baixar o fogo bastam três folhas de hortelã adormecida em meio copo d’água, na janela e na frieza da noite. Mas se colocar uma folhinha a mais ela vai querer agarrar qualquer homem que passar adiante. Pontadinha no quarto, também chamada de dor de viado, só se cura com folha de pau pereira enrolado em panos e amarrado onde a dor é maior. Flor de lírio roxo dentro da calçola deixa a mulher novamente virgem. Moça que quer ver o homem apaixonado só precisa dormir com folha de malmequer entre as pernas e depois passar uma folha perto do nariz dele. 


Absolutamente proibido que menino conte estrelas. Acaso assim faça, todas as estrelas contadas surgirão como verrugas. Nem saia de casa se primeiro não se benzer, com o pé direito após a soleira da porta e sem abrir a boca para vento estranho entrar. Do mesmo modo ao retornar, pois não terá boa volta aquele que não se benza antes de entrar e, já dentro de casa, fazer o sinal da cruz para a imagem do santo que estiver na parede. Menina nova que de repente fala sozinha é por que tá chamando homem. Não se deve deixar espelho no quarto de rapaz que é pra ele não se embonecar demais e até amulezar. Mulher casada que pensa em outro homem vai queimar todinha no caldeirão das safadas.

Quem pinicar fumo é preciso ter cuidado para nenhum resto cair e ficar sobre o chão. A caipora vai aparecer e querer sempre mais. Na caçada, ou leva cigarro de palha pro dono da mata ou de lá voltará todo lanhado de uma boa surra. Se a espingarda negar fogo duas vezes seguidas é porque o bicho não merece morrer. E se matar, o primeiro que nascer na família vem ao mundo com cara de veado, de caititu, de nambu, e assim por diante. Não se pode comer carne gorda sem antes tomar uma boa relepada de pinga. E se depois da comida a barriga der mostras que está ruim, o sujeito tem de recorrer a meio copo de genebra com uma pitada de sal.

Janela de moça solteira ou mesmo de mulher casada que só vive aberta é porque tem gente entrando por ela às escondidas. Homem que chega em casa e encontra a mulher alegre demais, porém desconfiada que só, é porque boa coisa ela não fez. E por causa da janela entreaberta. É bom desconfiar de homem que de repente começa a usar brilhantina e se perfumar demais antes de sair, e principalmente se começar a voltar muito tarde. Viúva que tira o luto antes do tempo e se dana pro forró é por que quer botar ponta no falecido. Do mesmo modo aquela que só se consola quando um certo compadre chega em certeira visita.

Quem pisa em espinho de pés descalços e não sente dor é por que a alma tá saindo do corpo. Pro resto sair é um nada. Chuva boa não vem quando as folhagens se soltam mesmo sem ventania. E pra homem que viadou e deseja desviadar não há nada melhor que uma surra bem dada de cansanção misturada com urtiga.

Escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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