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sábado, 28 de abril de 2018

“MORENO” É ATACADO PELO NAZARENO EUCLIDES FLOR



No tempo do cangaço, homens valentes se digladiaram nos carrascais sertanejos. Eram dois mundos contidos em um. A força volante que saia em perseguição aos bandoleiros sem saberem aonde iria pernoitar ou comer, beber e retornar a algum posto policial, quartel ou povoado para se reabastecerem e os bandos de cangaceiros que sabiam de determinados lugares como grotas, furnas, grutas, serras e serrotes onde podiam descansar por alguns instantes com a certeza de não serem incomodados por alguma Força Policial.

Ao longo do tempo os fugitivos foram se aperfeiçoando em andarem sem deixarem quase sinais por onde andavam. Sua locomoção era em várias direções, onde havia retornos e mais retornos, idas e vindas por gargantas, sopés e cumes de serras para que seus perseguidores levassem muito tempo até encontrarem o rumo certo. No entanto, na maioria das vezes, quando achavam à pista correta a presa já estava bastante longe e recomeçavam tudo de novo. Assim uma verdadeira briga de se esconderem e de outros procurarem às vezes levava anos corridos sem se toparem dentro da caatinga. Quando isso ocorria o tempo fechava e a bala comia solta de ambos os lados.

Lampião, um dos maiores ‘esconde pistas’ que fez parte do cangaço, sempre mantinha seu bando divido, principalmente depois de ter migrado para terras baianas em 1928. No início, antes do primeiro meado de 1927, os outros grupos eram independentes e de quando em vez havia uma ‘convocação’ para uma grande empreitada planejada pelo cangaceiro mor. No entanto, se algum dos chefes da época também tivesse uma grande ação em vista, bastava mandar o recado que Lampião se fazia presente com seus ‘meninos’.

A ação de vários grupos ao mesmo tempo em lugares distintos foi um dos motivos que fez com que o cangaço perdura-se por tanto tempo enraizado no sertão nordestino. Pois, esse tipo de movimento deixava as patrulhas desnorteadas sem saberem ao certo qual caminho seguir. Além disso, havia aqueles comandantes de volantes que quando sabia que havia um grupo de cangaceiros agindo em determinado lugar, davam meia volta e tomavam o rumo contrário.

A vasta região era um local isolado, esquecido pelas autoridades onde a modernização não era trazida pelos poderosos. A falta de veículos de comunicação, de estradas de rodagens entre as cidades, vilas e povoados foram outro dos motivos que ajudaram os bandos de bandoleiros rurais sobreviverem tanto tempo.

Um jovem cangaceiro de nome Antônio Ignácio da Silva, conhecido nas hastes cangaceiras pela alcunha de “Moreno”, certa feita estava com seu bando sendo perseguidos por um dos homens mais valentes que Nazaré do Pico viu nascer, Euclides de Souza Ferraz, o conhecido Euclides Flor.


Moreno já era corrido no trecho, sabia o que tinha que fazer para dificultar cada vez mais os olhares aguçados dos rastreadores. Encontrando-se nas Alagoas, o chefe de subgrupo parte ruma ao Leão do Norte a fim de executar determinada missão que o chefe mor lhe confiara.


A pequena volante comandada por Euclides Flor, oito homens apenas, recebe a informação de que um bando de cangaceiros estava nas redondezas de Espírito Santo, hoje Inajá, e que Moreno era o chefe. Saindo em seguida, sem perderem tempo, a pequena coluna entra na Mata Branca a procura dos rastros dos cangaceiros. Depois de horas sem retirara os olhos do chão calcinado sertanejo, terminam por encontrarem vestígios da passagem dos cabras. Tanto o comandante quanto os rastreadores nem piscavam para não perderem algum sinal na dificultosa trilha seguida pelos cangaceiros chefiados por Moreno.

Moreno havia sequestrado um rapaz, Zé Pereira do Olho D’água, para que o mesmo o levasse há uma fazenda na região da serra Grande onde estava sendo realizada uma farinhada. Euclides Flor, na época terceiro sargento, comandava os soldados: “José Rodrigues de Souza (Dé), José Gomes de Lima (Zuza – filho de Melania e neto do lendário navieiro Cassimiro Gomes da silva, o “Cassimiro Honório”), Cirilo de Souza Araújo (pai do coronel PMPE reformado Antenor Araújo), Noberto Gomes de Oliveira, José Laurindo Neto (pai de Marluce, esposa de Zé de Né Maniçoba), Isaias Inácio dos Santos, Pedro Sombrinha (tio de Lindaura do Hotel) e outros.

O rastejador da volante encontra os rastros do bando na serra da Traíra, e seguiam em direção a Serra Negra. Desta feita, parece que os cangaceiros estavam confiantes de terem despistado os perseguidores e seguem caminho por uma baixada arenosa, onde deixam rastros fáceis e serem seguidos. Esse erro lhes custaria caro.


Incansável perseguidor, Euclides flor mantinha a perseguição mesmo após o sol se pôr, pois era época de lua e dava para diminuírem a distância que tinham dos cangaceiros. Cautelosamente a tropa avançava com todo cuidado, pois na próxima moita poderia estar à morte a espreita-los. Em certa hora, negras nuvens encobrem a lua e começa a chover forte. Euclides ordena uma parada. Recomeçando a perseguição, depois de um bom tempo andando, recebem a ordem de pararem para descansarem um pouco antes de o dia clarear. Dois dos soldados saem para fazerem o reconhecimento do local. Começam a escutar vozes bem próximas, retornam ao acampamento e reportam ao comandante.

Muitos comandantes nazarenos são vangloriados pela coragem e disposição que sempre tiveram para enfrentarem cangaceiros, em particular Lampião e seu bando, pois essa rixa entre eles virara uma questão de honra. Muitos tombaram na trilha da guerra devido essa coragem sem planejamento. Outros foram feridos várias vezes pelo mesmo motivo, falta de pensar em uma estratégia antes de agir. Com Euclides Flor a coisa era diferente. Além da coragem que possuía, tinha dotes de comando e estratégias em combate. Ao ser informado do som das vozes a sua frente, separa seu pequeno grupo e ordena um avanço cauteloso e silencioso, principalmente para terem a certeza de que se tratava exatamente do bando de cangaceiros.

Depois de uma longa caminhada por entre os carrascais das brenhas sertanejas, o bando de cangaceiros comandados por Moreno resolve parar e acampar em determinado local. Em volta havia várias árvores frondosas onde poderiam armar suas toldas ou redes protegidos da chuva. Enquanto uns cuidam em arrumar seus locais de descanso, outros cuidam de outras tarefas. Alguém acende uma fogueira e começa a providenciar a boia. É feito a comida, todos comem e cada um vai para seu recanto descansar que no dia seguinte enfrentariam outra grande caminhada. Aos poucos o fogo começa a diminuir, diminuir.. até ficarem só algumas brasas teimosas que não queriam se apagar. Sem notarem que a morte se achegava como espectros por entre a folhagem.

A sorte e a falta dela andam de mãos dadas. Temos que saber evitar uma e aproveitar a outra no exato momento em que se mostrarem. Isso é fato. Já bem próximos ao acampamento, á tendo a certeza de que tratava-se dos cangaceiros, a tropa se amoita e espera o momento adequado para entrar em ação. Ver alguma coisa com exatidão, nem pensar. De repente o comandante da patrulha nota um vulto através da pouca claridade surtida pelas poucas brasas da fogueira. Sem pestaneja, o próprio abre fogo e a partir daí o mundo se fecha. O tiroteio é intenso.


Soldados atacam atirando na direção do acampamento, porém sem saberem ao certo em que realmente atiravam. Os cangaceiros, pegos de surpresas, mas como sempre estavam alerta, instintivamente pegam suas armas e contra-atacam atirando em todas as direções, pois não sabiam de onde vinham os disparos nem tão pouco quem estava atacando. O alvo do comandante teria sido o refém Zé de Pereira.

Naquele pandemônio, moreno grita para sua companheira, Durvinha, que o siga e sai em disparada sem saber qual direção exatamente havia tomado. Durvinha o segue de perto, na medida do possível, não empregando o mesmo ritmo do companheiro. Um dos soldados nota aquela manobra e, sem prever as consequências, parte em toda velocidade rumo aos que fugia. Moreno nota a ação do militar e, com receio que ele alcançasse sua companheira começa a disparar sua pistola para ver se o perseguidor recuava. Nada disso, o soldado não teme os disparos e prossegue na toda em busca de matar ou captura algum fugitivo. Já estava bem perto da mulher que corria a sua frente quando sente uma dor horrível em seu antebraço direito. O projétil penetra pela parte posterior do membro e causa estragos irreparáveis, tanto que por causa dele, é reformado com a patente de sargento. Saindo em socorro ao companheiro Dé, Zuza e Cirilo o seguem e, a certa altura, abrem fogo. Como a escuridão não os deixava ver direito, com toda certeza, acertam o companheiro que estava para conseguir capturar um dos inimigos, a cangaceira Durvinha.


Os espólios encontrados no coito era uma grande presa. Marcos Antônio de Sá e Cristiano Luiz Feitosa Ferraz em seu livro “As Cruzes do Cangaço – Os fatos e personagens de Floresta – PE”, 1ª edição de 2016, nos dizem: “Após cessar o combate, a volante encontrou no local do coito dos bandidos vários objetos: um rifle e um bornal contendo farta munição, quatro facões, diversos canivetes, cobertas, uma banda de bode e duas cabaças que foram usadas pelos soldados para saciarem a fome e a sede. A força volante manteve-se nesse local e só ao amanhecer retornou para Espírito Santo, sendo o ferido levado em uma rede conduzida por dois companheiros.” O soldado e levado para Espírito Santo e, de lá, é transferido para Águas Belas onde ficava a sede do comando das volantes daquela região.


Em poucos minutos os cangaceiros se embrenham nas caatingas e somem dentro dela. Alguns retornam para o Alagoas. Outros pegam rumo diferente e abrem no meio do mundo. O chefe, cangaceiro Moreno, termina por encontrar-se com apenas quatro companheiros e duas mulheres. Seu bando estava reduzido a seis gatos pingados. Mas, as pessoas daquela região haviam de pagar por aquele ataque... Ah, isso haveriam! Nas quebradas do Sertão pernambucano.

Fonte “As Cruzes do Cangaço – Fatos e personagens de Floresta – PE” – SÁ, Marcos Antônio de e FERRAZ, Cristiano Luiz Feitosa. 1ª Edição. Floresta, 2016
Fotos Ob. Ct.
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição. Recife, 2012
Benjamin Abrahão
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