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quarta-feira, 10 de maio de 2023

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

Por Flashes do Sertão

Carta de Edmar Morel a Roberto Marinho oferecendo fotografia de Lampião para O Globo, 31/12/1936 — Foto: Acervo Roberto Marinho

Em 1930, Virgulino Ferreira da Silva – o Lampião – e o seu grupo já eram bem conhecidos dos jornais de todo país. O Globo, além de destacar em matérias de capa as peripécias e escaramuças dos bandoleiros com a polícia, também publicou naquele ano uma série de artigos nomeados Episódios da Vida dos Cangaceiros, com curiosidades sobre suas roupas, hábitos e práticas religiosas.

Além do registro sobre o cotidiano dos cangaceiros, os violentos ataques que promoveram a cidades nordestinas foram assunto até na imprensa norte-americana. Em nota de 1931, reportagem do New York Times chegou a mencionar Lampião como um “moderno Robin Hood”. Suas ações continuariam sendo acompanhadas com interesse pela imprensa brasileira até sua morte, em julho de 1938, quando ele voltou às páginas do jornal norte-americano.

Foi pensando no apelo da figura de Lampião que o jovem jornalista Edmar Morel escreveu a Roberto Marinho, em 31 de dezembro de 1936, para tentar intermediar a venda de uma fotografia do cangaceiro segurando um exemplar do jornal O Globo. O dono da imagem era Adhemar Albuquerque, um antigo anunciante do Globo e dono da ABA Film, empresa cinematográfica cearense criada em 1934 (ver notas abaixo). Albuquerque, a quem Morel conhecera dois anos antes, durante uma viagem ao Ceará, pedia então dois contos de réis por seis fotografias de Lampião, incluindo a do cangaceiro com a edição do Globo nas mãos.

Na carta, Morel informava que o autor das fotografias era um tal “Sr. Abraão”, que seria amigo de Lampião e que fora secretário particular do Padre Cícero (Cícero Romão Batista). Tratava-se de Benjamin Abrahão, comerciante sírio-libanês que, em 1936, havia se embrenhado no sertão nordestino para registrar em fotografias e filmes momentos inéditos dos cangaceiros. O equipamento usado por Abraão pertencia à ABA Film, de Adhemar Albuquerque.

Apesar de Morel destacar o ineditismo das fotografias e alertar Roberto Marinho sobre o interesse de outros jornais, a venda não foi concretizada. Cerca de duas semanas após o envio da carta de Morel a Roberto Marinho, o Diário de Pernambuco, do grupo dos Diários Associados, publicou na primeira página um dos flashes de Benjamin Abrahão, destacando os registros feitos pela ABA Film sobre a vida do bando armado de Virgulino. Diante do sucesso, o jornal pernambucano voltou a publicar fotos feitas pelo sírio-libanês no mês seguinte, nas edições dos dias 12 e 14 de fevereiro.

A publicação do material pelo jornal pernambucano repercutiu na imprensa carioca. Em 22 de janeiro de 1937, o Diário de Notícias lançou uma nota sobre o assunto e, no mês seguinte, a revista O Cruzeiro publicou a matéria Filmando Lampeão, exibindo cinco fotografias do cangaceiro. As poses mostravam um Lampião descontraído, em cenas cotidianas com Maria Bonita e o resto do grupo.

A foto de Lampião segurando um exemplar do Globo, oferecida por Edmar Morel a Roberto Marinho em 1936, só chegaria às páginas do jornal carioca mais de 40 anos depois, na edição de 18 de dezembro de 1977. Estampada na capa, a fotografia ilustrava reportagem sobre um comerciante que usava o registro do “rei do cangaço” como espécie de salvo-conduto para transitar pelas áreas dominadas por Lampião. O texto não atribuía a autoria da imagem a Abrahão.

Fotografia de Lampião com exemplar do jornal O Globo publicada na edição de 18/12/1977 — Foto: Arquivo / Agência O Globo

Fotografia de Lampião com exemplar do jornal O Globo publicada na edição de 18/12/1977 — Foto: Arquivo / Agência O Globo

O material produzido por Benjamin Abrahão teve ampla circulação na imprensa mesmo após a morte do cangaceiro. Antes disso, porém, em 1937, o Governo Vargas proibiu a reprodução das filmagens de Lampião feitas por Abrahão. Os registros originais estiveram sob os cuidados do filho de Adhemar Albuquerque, o conhecido fotógrafo Chico Albuquerque, e, em 2013, o Instituto Moreira Salles adquiriu o direito de uso das imagens.

Benjamin Abrahão e a ABA Film

A ABA Film, nome que surgiu a partir do acrônimo de seu fundador Adhemar Bezerra de Albuquerque, era especializada em fotografia e cinema. Pioneiro no Ceará, Albuquerque fazia cinema desde os anos de 1920, registrando acontecimentos de Fortaleza, CE, e de outras cidades do interior. Ele conciliava as atividades de fotografia e cinema com o emprego no Bank of London, onde se aposentou em 1948.

Albuquerque conheceu Benjamin Abrahão durante a produção do longa O Joazeiro de Padre Cícero, filmado em Juazeiro do Norte, em 1925. Abrahão era comerciante e chegou ao Brasil pouco antes do início da I Guerra Mundial. Após ganhar a simpatia de Padre Cícero, tornou-se seu secretário particular.A saga de Abrahão até registrar a imagem de Lampião durou dez anos. A primeira tentativa, em 1926, foi durante viagem do cangaceiro à cidade de Juazeiro do Norte. A ideia foi retomada em 1934, após a morte do Padre Cícero. Em 1936, utilizando os equipamentos da ABA Film, finalmente obteve fotografias e filmou o bando de Lampião. Em poses e flashes, o cangaceiro exibia para a imprensa o seu estilo de vida, fortalecendo a sua imagem de mito.

As fotografias circularam na imprensa em 1937, mas o filme foi censurado pelo Estado Novo, sob a alegação de que faria apologia ao cangaço. Benjamin Abrahão foi assassinado no ano seguinte, em circunstâncias até hoje desconhecidas. Em 1996, parte das filmagens que fizera com Lampião foram recuperadas e reproduzidas no longa brasileiro Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas.

Bibliografia e fontes: MELLO, Frederico Pernambucano. Apagando o Lampião: Vida e Morte do rei do Cangaço. Global Editora: SP, 2018; e Benjamin Abrahão: Entre anjos e cangaceiros. Escrituras Editora: SP, 2012; The New York Times, 29/11/1930, p.8 e 28/02/1931, p. 10; Diário de Pernambuco, 16 e 20/01/1937, 12 e 14/02/1937; Diário de Notícias (RJ), 22/01/1937 p. 2; Revista O Cruzeiro, 06/03/1937, p. 15; O Globo, 01/08/1938, p. 1 e 18/12/1977, p. 5; Filme: Baile perfumado, direção de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, 1996; brasilianafotografica.bn.br

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Outros Documentos

Nota sobre o filme de Benjamin Abraão no Diário de Pernambuco, 16/01/1937 — Foto: Acervo Fundação Biblioteca Nacional

Nota sobre o filme de Benjamin Abraão no Diário de Pernambuco, 16/01/1937 — Foto: Acervo Fundação Biblioteca Nacional

A fotografia de Lampião oferecida a Roberto Marinho em 1936 foi publicada na edição do Globo de 18/12/1977 — Foto: Agência O Globo

A fotografia de Lampião oferecida a Roberto Marinho em 1936 foi publicada na edição do Globo de 18/12/1977 — Foto: Agência O Globo

Matéria sobre a morte de Lampião publicada no jornal The New York Times, em 29/7/1938 — Foto: The New York Times

Matéria sobre a morte de Lampião publicada no jornal The New York Times, em 29/7/1938 — Foto: The New York Times.


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