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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

COMPREI FLORES (E UM BUQUÊ DE SAUDADES)

Rangel Alves da Costa

Rangel Alves da Costa

COMPREI FLORES (E UM BUQUÊ DE SAUDADES)

Ontem cedinho, domingo, resolvi ir até o mercado de artesanato aqui pertinho. Gosto de passear, andar descontraidamente por ali, olhando as esculturas em barro, as criações em madeira, os trançados e bordados. E em tudo que se olha se avista as mãos do povo artesão no seu gestual de criar arte tão singela e tão maravilhosamente bela.

Mas nessa manhã segui até lá com objetivo definido, pois com intenção de adquirir um jumentinho de barro carregando dois caçuás, envolto em cordames. Já havia adquirido dois para colocar em cima das estantes da sala principal do meu escritório. Esse outro seria para a estante da antessala. E saí de lá trazendo nos braços o barro cuidadosamente trabalhado.

Aliás, todas minhas estantes, sejam apenas de livros ou de bugigangas e quinquilharias, tem de ter espaços reservados para o artesanato. E tenho minhas claras preferências pelas peças que adquiro para colocar ali. Sempre coisas nordestinas, autenticamente sertanejas, como Lampião e Maria Bonita moldados no barro, bois, cavalos, jumentos, moringas, figuras matutas, igrejinha de madeira tomada por fitas e rosários.

Pensei em colocar meu lindo e também artesanalmente construído oratório em qualquer lugar do escritório. Contudo, não havia espaço, mas não o lugar físico para colocar minha própria igreja, e sim um espaço do tamanho do céu, pois ele é um verdadeiro céu cheio de imagens sacras, rosários, crucifixos e o meu Deus imenso dentro e ao redor dele. E haveria de ter a vela sempre acesa ao lado, as flores e onde eu pudesse ficar com as mãos juntas em oração e o coração cheio de fé e devoção.

Mas tenho ainda cactos vivos espalhados pelas mesas e estantes do meu escritório, e tudo que vem lá do sertão, ainda marcados com vestígios daquela boa terra onde nasci um dia e certamente voltarei. Queria ter aqui ao meu lado uma catingueira, uma imensa umburana, um lajedo com uma cabeça-de-frade por cima, uma moita de onde saíssem preás em correria. E também o sol e a lua do meu sertão. Oh, filho, deixa de sonho, deixa de sonhar!

Mas nesse passeio até o mercado, andando por ali e acolá, acabei entrando noutro local chamado mercado das flores, que fica bem num vão aberto entre as duas partes do mercado de artesanato. E passar em meio àquelas flores novinhas, lindas, com cores de vivacidade impressionantes, seus cheiros e tantas pétalas espalhadas ao redor, torna-se até uma situação constrangedora ao espírito, ao senso de maravilhamento, ao coração que se alegra e aos olhos que se encantam diante de cada cesto florido, de cada buquê preparado.

E logo pensei que se aquele jumentinho de barro que levava no braço pudesse andar, até que compraria umas flores e colocaria nos caçuás, voltando pra casa enxotando o animal com suas costas se derramando de verde, vermelho, amarelo, branco e rosa. Mas não pude sair de lá sem lançar mão de um arranjo diferente que encontrei.

Pouco entendo de flores, a não ser a certeza de que elas causam uma sensação diferente ao apreciá-las. Num jardim se avista de modo diferente, mais contido, menos emotivamente, pois não é grande o encorajamento de ir a cada pé de planta e cortar os seus galhos e dali formar o buquê que quiser. Mas com os arranjos já prontos, arrumadinhos com flores diferentes e cores diferentes, a sensação é bem outra, pois a pessoa sente necessidade de ter, a qualquer custo, aquela beleza.

Cheguei em casa carregando jumento e flores. O animal de barro foi logo colocado no seu cantinho e agora o vejo todo feliz enfeitando a estante. Mas as flores, adquiridas para satisfazer o espírito e o olhar, agora vejo que atingiram diretamente o coração. E o pior é que o arranjo não veio sozinho, trouxe consigo um buquê de saudades.

E como vejo em cada haste um corpo, uma mão, um aceno; em cada pétala uma face, uma boca, um olhar a me olhar, a querer romper minha lágrima e dizer que também está com um jardim no coração; e como sinto em cada cor nossos dias e nossas noites, tanta lua e tanto sol, tanto entardecer noutros tempos. E com vejo em tudo uma saudade imensa, uma dor amorosa pelo espinho que me sangra a pele.

Talvez outro dia eu jogue as pétalas murchas ao vento. Mas hoje quero viver essa saudade, esse doce sofrer.

Poeta e cronista

e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

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