Seguidores

domingo, 4 de dezembro de 2011

CAUSOS DE ONTEM AGORA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

CAUSOS DE ONTEM AGORA

O menino já estava de dá nó em vento raivoso, mas sobre ele diziam que havia crescido assim desarnado demais, afogueado de não parar quieto num canto, tudo por causa de uma cobra que achou de lhe aprontar certa vez.
Criança de berço e cama, acostumadinho a só dormir no bem bom depois que mamava no peito da mãe e após um bico lhe ser colocado à boca, certa vez uma cobra colocou seu rabo achocalhado na sua boquinha e ficou ali deitada na cama, bem ao lado, fazendo às vezes de chupeta.
Quando a mãe entrou no quarto e viu a cena em sua frente só teve tempo de dar um grito e cair desmaiada. Desfalecida, a cobra já ia descendo para mordê-la quando uma velha vizinha, ao ouvir o grito descomunal, entrou no quarto correndo e, conseguindo uma misteriosa força, se afastou para um canto, levantou a barra da saia, deu uns três nós no tecido e a peçonhenta ficou sem poder sair do lugar.
Verdade. Sinhá Totonha era conhecida por saber fazer essas coisas, deixar cobra e outros animais veneníferos sem ação nenhuma depois que dava nós na barra da saia e dizia alguma coisa numa expressão que somente ela sabia o significado. E não adiantava a cobra se enraivecer, se retorcer toda, querer morder o próprio rabo, engolir o próprio veneno, não. Estava presa pelas forças dos mistérios, não conseguia atacar de jeito nenhum.
Depois que a Sinhá dava os nós e dizia suas misteriosas palavras, não havia jeito mesmo. A cobra ficava no mesmo lugar, sem poder se afastar um centímetro, presa, amarrada, à disposição de um porrete ou de uma varada firme. Contudo, não deixava que ninguém destroçasse a bicha na sua frente. Ela mesma pegava o animal pelo rabo e ia deixar lá por dentro da mata. Voltava e dizia que a cobra já estava morta. E morria mesmo, pois a danada ia secando rapidamente e não demorava muito pra ficar somente o esqueleto.
Por causa de esqueleto de cobra é que o filho de um caçador quase perde uma perna inteira. Por milagre não pisou na espinha de um cascavel e traria pra si um problema gravíssimo pra resolver. Bicho serpente é tão medonho, danado demais, que até depois de morto ainda causa perigo, pois os mais velhos diziam que o veneno ainda ficava impregnado nos seus restos e bastava um pequeno furo no pé pra tudo rapidamente inflamar.
Mas se acontecesse alguma coisa com o menino era culpa do pai, principalmente porque o homem era conhecido por ser apessoado com todos os segredos e perigos da mata, todas as estratégias pra não perder uma caçada sequer, correndo até um boato que nem caçava mais pra ter o bicho que quisesse abater ou até mesmo vivo.
Porque era mestre dos matos não podia ter arriscado a vida do filho assim. Talvez quisesse apenas iniciá-lo nos mistérios das caçadas, mas ele ainda era muito novinho e não entrava por debaixo das moitas com a botina de couro adequada nem com outra rouparia própria para caçadas. Ainda assim o pai mandou-o ali debaixo de certa moita buscar dois preás que estavam lá parados, sem poder sair do lugar, só esperando ser colocados no aió.
Igualmente Sinhá Totonha, o caçador também sabia rezar pra prender suas caças, ainda que ele não arredasse o pé de casa. Puxava de dentro do embornal um pequeno amuleto, um pedaço de couro costurado nos quatro cantos e tendo por dentro um pequenino chifre, virava pro lado onde achava que tinha caça boa e em seguida, após uma reza forte ligeira, pegava no chão um punhado de areia e jogava pelo ar. Diziam que o pó atalhava o animal, que ficava impedido de dar um passo sequer. Depois era seguir até lá que a caça estava imóvel esperando o predador.
Mas não era fácil para o homem conseguir tal proeza, pois os mais velhos sabiam que ele havia firmado um pacto com a caipora. Esse ser fantástico ajudava a prender o bicho, mas toda vez que ele fosse até lá fazer a recolha tinha que deixar um pedaço de fumo. Se não deixasse nada feito, tudo se danava ao contrário. E até o pior podia acontecer...
O pior podia acontecer como aconteceu um dia. O caçador esqueceu o pedaço de fumo e acabou tomando uma surra tão grande de cansanção que teve de ser transportado em esteira. Com caipora é assim, ela ajuda pra ser reconhecida. Se não é assim, se o caçador não deixa o rolete de tabaco no devido lugar, melhor é desistir de entrar na mata.
Surra de caipora ninguém esquece mais nunca.

Rangel Alves da Costa
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário