Por: Rangel Alves da Costa
TRISTES CONSTATAÇÕES
É triste, lamentável demais, doloroso em quem ainda tentam preservar sentimentos, mas a verdade é que o ser humano está cada vez desumanizado e as tantas lições construídas para a vida ser melhor, aos poucos vão perdendo sua razão de ser.
O amor, o que fizeram do amor? Cada um que viva por si, pois o coração endurecido se fecha para o afeto, o carinho, o perdão. E nem pode dizer que ama, vez que tudo se basta em breves instantes.
O namoro, o que fizeram do namoro? Calaram a voz das serenatas, murcharam a flor para a flor, ninguém deixa mais no umbral da janela um ramalhete com versos rimando coração com paixão. As cartas, os bilhetinhos, a maçã docemente avermelhada, o banco da praça, o passear de mãos dadas, nada disso existe mais, muito menos o namorar. Onde andará o namoro?
O sexo, o que fizeram com o sexo? Se não há namoro nem amor, restaria o sexo como apetite voraz de corpos ou mero derramamento de impulsos. A relação corporal transformou-se em amassar fruta apodrecida, experimentar o sabor da bala e depois jogar fora, pegar o corpo que quiser e depois cantar ao mundo o desprazer que teve.
O perdão, o que fizeram com o perdão? Este irremediavelmente desapareceu nos labirintos da incompreensão. Não há como subsistir o perdão se cada um se basta na sua arrogância, estupidez, ignorância, valentia, egoísmo, brutalidade. A absoluta certeza da superioridade perante os demais impede que o outro se aproxime ao menos para estender a mão.
A vida, o que fizeram com a vida? Mesmo sabendo da sua unicidade e que muitas vezes chega ao fim tão repentinamente, a maioria das pessoas não a respeitam mais, não procura preservá-la nem vivê-la na intensidade comedida. Desvalorizando a própria vida, passa a negar também a do próximo; não usufruindo de suas grandezas, tenta esvaziar a existência do outro.
A honra, o que fizeram com a honra? Muitos conceitos que deveriam servir como espelhos espirituais do ser humano logo foram embaçados pela estupidez e desesperada busca de esperteza em tudo, ainda que todo ato inescrupuloso lhe custe a indignidade. Daí não haver mais lugar para a honradez, a ética, a moral, os bons costumes, o respeito ao próximo, a lealdade e a boa fé.
A fé, o que fizeram com a fé? Dificilmente caberiam a religiosidade, a verdadeira crença num Deus único e a grandeza espiritual num mesmo corpo que contém um coração perverso e uma mente maldosa, cruel, infame. São noites sem orações, são manhãs sem preces, são domingos sem missas, são casas sem oratórios, são mãos sem uma Bíblia, são mentes que não se lembram de um único Salmo.
A família, o que fizeram com a família? Parece que a vida se resume em nascer, crescer e sair pela porta da frente. O que passou não existe mais, pois pai e mãe não servem para outra coisa senão criar o filho para o mundo. E após colocar o pé adiante nem mais um pedido de benção, um reconhecimento fraternal, um reconhecimento de que na sua casa continuam a terra, a semente, a raiz e o fruto da vida. E que mais tarde para ser pai terá que se mirar novamente naquele amarelado espelho.
A paz, o que fizeram com a paz? Rasgaram a paz e sua bandeira, aprisionaram a pomba, respingaram vermelho sangue na sua branquidão. E depois de se certificarem que a paz é desnecessária, arrumaram canhões, desancaram as baionetas, sopraram as cornetas e foram à guerra, foram ferir, foram matar, foram dizer que a força e o poder só se constroem através da destruição.
E nós, o que fizeram de nós? Não sei, verdadeiramente não sei. Uma fotografia, uma janela aberta, uma vento que sopra, um entardecer. Não sei que dia é hoje, mas é dia de solidão. Ontem chorei de saudade, e hoje não sei. Não sei, verdadeiramente não sei, o que nós fizemos de nós.
Rangel Alves da Costa*
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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