Por: Rangel Alves da Costa
UM CASO DE SECA E DE CHUVA
Dizem que num sertão bem distante o povo já sofria com as durezas das secas e estiagens há mais de cinco anos. Pode até parece invenção, mas a verdade é que durante esse tempo todo sem aparecer uma nuvem carregada no céu, sem cair uma gota d’água sequer.
O povo vivia desesperado, aos prantos e lamentos, ajoelhado aos pés dos oratórios fazendo promessas ou enfiados na capelinha do lugar, num rezar infinito para que os céus tivessem clemência de tanta gente sofredora e que já não estava mais suportando tanta angústia e aflição.
Água não tinha mais em lugar nenhum, nem nos potes e moringas nem nos barreiros. Tudo era pura lama e esturricamento. Não se ouvia nem mais um urro, berro ou grito de bichos sedentos. Ora, por ali não havia mais uma pata de vaca nem de cavalo ou jumento. Verdade é que não havia mais animal algum. Tudo havia secado, se tornado ossudo e depois servido de comida para os urubus.
Gole de água pra se beber só quando o carro-pipa apontava lá longe na estrada empoeirada. Então começava a correria, o desespero, as agressões, com baldes e latas sendo espalhados em fileiras para quase nada. Muitas vezes só metade de uma vasilha para uma família passar a semana inteira.
Como se observa, água para o banho, escovar os dentes, higiene pessoal e outras necessidades era luxo demais para quem não tinha nem o de beber. Daí que a água que escorria pelo corpo era somente a do suor latejando, correndo, vertendo pelo sopro quente do sol e do calor da noite.
Muita gente vendeu por ninharia tudo o que tinha e foi embora por causa disso. Num tempo mais passado, pelas estradas se avistava leva de sertanejos se retirando sem rumo, levando somente uma trouxa na cabeça e um saquinho na mão, tendo o cachorro magricela no encalço dos desesperados, dos mortos-vivos. Que cenas mais tristes e lamentáveis meu Deus, que horror espalhado na face de um povo cheio de tanta fé!
Nessa época aumentaram as cruzes nas beiradas das estradas, não era difícil de encontrar ossada humana pelos arredores. Era a seca faminta, assassina, matando sem dó nem piedade, cobrando um sacrifício de que nem sabia mais o que fazer da vida e nem se ainda vivia ou já estava sendo velado ainda estando com profundos e tristes olhos abertos.
Sem morador e sem manutenção nem cuidados, as casas de barro caíam; noutros lugares as portas e janelas dançavam ruidosamente ao sabor do vento; bancos de madeira e tamboretes ficaram esquecidos no meio do tempo; calangos se apossavam das moradias abandonadas e faziam a festa. Um ou outro ali e acolá, apenas um ou outro sertanejo era avistado andando de canto a outro.
Numa manhã, assim que abriu a porta alguém percebeu umas nuvens negras, carregadas de água, seguindo naquela direção. Outro sertanejo sentiu logo o tempo mudar, passarinho magro voar baixo e cágado sair da toca. E ainda outro afirmou que se não tivesse ruim dos ouvidos podia jurar ter ouvido um barulho bem distante de trovão. E todos apenas comentaram isso sem demonstrar qualquer esperança ou alegria, afinal nem se lembravam mais de chuva, se ela ainda existia, como ela caia e molhava. Nada.
Não durou muito e aumentou o barulhar dos trovões, surgiram traçados de relâmpagos cortando os céus, o horizonte enegreceu de vez e um ar diferente, assustado, espantado, tomou conta da terra esturricada, das feições humanas, dos olhos dos bichos da mata que ainda teimavam em existir. E quando caiu o primeiro pingo subiu um cheiro forte, gordo, instigante de terra molhada. A terra soprava um bafo quente que era verdadeiro sopro de vida.
As águas aumentaram, começaram a correr pelo chão sedento, os trovões e relâmpagos anunciavam uma verdadeira trovoada. Tudo isso acontecendo e as pessoas ali no mesmo lugar, sentadas ou em pé como já estavam, como se fossem estátuas boquiabertas, demasiadamente extasiadas.
Mas os pingos grossos aos poucos foram desfazendo o cimento e o ferro das pessoas, e não demorou muito para que todos se encontrassem verdadeiramente com aquela tão esperada realidade. E começaram a brincar, a dançar, a planejar o futuro, a desenterrar os litros que guardavam as sementes.
E por cima da lama escorregadia da estrada, os retirantes tentavam acertar o passo de volta ao lar. E foram cinco anos ou mais de sofrimento, mas bastou aquele dia para que parecesse que não havia nenhum passado dolorido na vida.
Poeta e cronista
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